Correio de Carajás

Entenda a diferença entre sigilo bancário e o monitoramento da Receita

Fiscalização já existia, mas, agora, mais instituições financeiras serão obrigadas a repassar informações ao Fisco. Medida não implica cobrança direta de nenhum imposto, nem deve alterar o dia a dia dos clientes.

Foto: Marcelo Camargo

A notícia de que a Receita Federal ampliou as regras de fiscalização sobre transações financeiras dos contribuintes gerou confusão desde a última semana.

Um dos receios era de que o Fisco fosse vasculhar as transações dos cidadãos, em busca de saídas para aumentar a taxação. A Receita esclareceu que o recebimento de informações não implica aumento de tributação e será feito “em absoluto respeito às normas legais dos sigilos bancário e fiscal”.

🔎 O sigilo bancário é uma obrigação que as instituições financeiras têm de proteger a privacidade das operações financeiras e informações de seus clientes. Ele está regulamentado pela lei complementar 105/2001.

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Em resumo, o sigilo bancário impede que terceiros, incluindo o governo, tenham acesso a informações sobre as transações financeiras de um indivíduo, exceto em caso de decisão judicial.

Essa quebra de sigilo bancário só pode acontecer para apuração de ilícitos, como suspeitas de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro, por exemplo.

Os detentores da informação, portanto, são os próprios bancos e financeiras, e o Banco Central (BC). A lei diz que a Receita pode receber informações sobre as transações financeiras dos contribuintes, mas os dados são protegidos por sigilo fiscal.

De acordo com a Receita Federal, o sigilo seguirá sendo respeitado na nova fiscalização porque, no repasse das informações pelas instituições financeiras, não existe “qualquer elemento que permita identificar a origem ou a natureza dos gastos efetuados”.

“Não se individualiza sequer a modalidade de transferência, se por PIX ou outra”, acrescentou a Receita.

 

O órgão explicou que, ao final de um mês, somam-se todos os valores que saíram da conta, inclusive saques e, se ultrapassado o limite de R$ 5 mil para uma pessoa física, ou de R$ 15 mil para uma pessoa jurídica, a instituição financeira prestará essa informação à Receita Federal.

“Todos os valores são consolidados e devem ser informados os totais movimentados a débito e a crédito numa dada conta”, detalhou.

Essas informações serão incorporadas à base de dados da Receita Federal com objetivo de “identificar irregularidades e dar efetividade ao cumprimento das leis tributárias”. Ou seja, a Receita está atrás de indícios de sonegação, não de multar quem opera vez ou outra acima dos limites.

Até o ano passado, o Fisco já recebia esse tipo de informação dos bancos tradicionais, públicos e privados. A partir de 2025, outras instituições foram incluídas na obrigação.

São elas: as operadoras de cartão de crédito, que cuidam das famosas “maquininhas”, e as instituições de pagamento (IP), empresas de menor porte como os bancos virtuais, que viabilizam a movimentação de recursos, mas não oferecem empréstimos e financiamentos.

A norma também trouxe uma especificação de que as transações via PIX, cartões de débito, cartões de loja e moedas eletrônicas fazem parte das operações que devem ser informadas.

A Receita Federal recebe informações consolidadas dos bancos sobre as movimentações financeiras dos contribuintes desde 2003, quando foi instituída a Decred. Na época, o foco eram as operações de cartão de crédito.

Conforme a Receita, “a evolução tecnológica e as novas práticas comerciais” trouxeram a necessidade de atualizar a norma, para alcançar outros tipos de operação financeira. A Decred foi substituída pela plataforma “e-Financeira”, criada em 2015.

O sistema funciona da mesma forma: serve para que as instituições financeiras informem as operações à Receita, sem que o contribuinte tenha que fazer nada.

Desde então, os bancos tradicionais (públicos e privados) passaram a ser obrigados a informar ao Fisco os montantes globais mensalmente movimentados pelos contribuintes quando os valores fossem, por tipo de operação financeira:

  • maiores que R$ 2 mil por mês, por pessoa física (CPF);
  • maiores que R$ 6 mil por mês, por empresa (CNPJ).

2. O que mudou agora?

 

Além dos bancos tradicionais, outras instituições foram incluídas na obrigação de repassar à Receita Federal os dados das movimentações financeiras dos seus clientes.

São elas: as operadoras de cartão de crédito, que cuidam das famosas “maquininhas”, e as instituições de pagamento (IP), empresas de menor porte como os bancos virtuais, que viabilizam a movimentação de recursos, mas não oferecem empréstimos e financiamentos.

A norma também trouxe uma especificação de que as transações via PIX, cartões de débito, cartões de loja e moedas eletrônicas passaram a fazer parte das operações que devem ser informadas.

O valor mínimo que o contribuinte precisa movimentar para que a instituição seja obrigada a enviar seus dados à Receita também foi estipulado: na soma de todas as transações, por cada tipo de operação financeira, precisa ser:

  • maior que R$ 5 mil por mês, por pessoa física (CPF);
  • maior que R$ 15 mil por mês, por empresa (CNPJ).

3. Quando foi anunciada a mudança?

 

A ampliação da fiscalização foi anunciada em setembro do ano passado e entrou em vigor em 1º de janeiro de 2025.

O envio dos dados à Receita começa em agosto, relativos às transações feitas entre janeiro e julho deste ano. As informações referentes ao segundo semestre serão enviadas até fevereiro de 2026.

4. O PIX será taxado?

 

As novas regras não implicam a cobrança direta de nenhum imposto. Conforme a Receita, “não existe tributação sobre o PIX e nunca vai existir, até porque a Constituição não autoriza imposto sobre movimentação financeira”.

O órgão, inclusive, emitiu um alerta para uma nova tentativa de golpe sobre o assunto que está circulando nas redes sociais.

Criminosos estão abordando possíveis vítimas dizendo que há uma suposta cobrança de taxas pela Receita Federal sobre transações via PIX em valores acima de R$ 5 mil e, por isso, pedem que um boleto seja pago.

No entanto, a notícia é falsa. A Receita não envia cobranças ou comunicados por WhatsApp, SMS ou redes sociais.

5. A que dados a Receita tem acesso?

 

A Receita tem acesso a informações fundamentais para cumprir a sua função de órgão do governo responsável por administrar tributos federais, além de atuar no combate à pirataria, à sonegação fiscal, ao tráfico de drogas e ao contrabando.

Entre essas informações estão:

  • Dados pessoais como: nome, nacionalidade, residência fiscal, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
  • Número da conta bancária ou equivalente;
  • Número de Identificação Fiscal (NIF) no exterior, caso seja adotado pelo país de residência fiscal informado;
  • Valores movimentados mensalmente;
  • Moeda utilizada em movimentações financeiras;
  • Demais informações cadastrais, entre outras.

 

No entanto, segundo a Receita, no repasse das informações pelas instituições financeiras e administradoras de cartão de crédito, não existe “qualquer elemento que permita identificar a origem ou a natureza dos gastos efetuados”. O segredo das operações é garantido pelo sigilo bancário.

“Por exemplo, quando uma pessoa realiza uma transferência de sua conta para um terceiro, seja enviando um PIX ou fazendo uma operação do tipo DOC ou TED, não se identifica, na e-Financeira, para quem ou a que título esse valor individual foi enviado”, informou a Receita Federal.

O que a Receita pretende com a mudança nas regras é prender pessoas que buscam ocultar a origem ilícita de recursos, muitas vezes oriunda de crimes como lavagem de dinheiro ou do crime organizado.

Em entrevista ao g1, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, negou que as alterações anunciadas tenham por objetivo multar as pessoas físicas, como os pequenos trabalhadores que trabalham por aplicativo ou no mercado informal, por exemplo.

Ele também lembrou que o órgão possui há décadas informações sobre as transações financeiras dos contribuintes, mas que elas têm se concentrado principalmente no PIX nos últimos anos.

6. O que eu preciso fazer?

 

Em relação ao envio dos dados sobre movimentações financeiras à Receita, não há nada que o contribuinte precise fazer. A responsabilidade de repassar as informações é das instituições bancárias e de pagamento.

Agora, como já ocorria antes, quem recebe rendimentos tributáveis acima de R$ 2.824 por mês tem a obrigação de entregar a declaração anual do Imposto de Renda.

Com a declaração, a Receita já consegue saber se as transações do contribuinte são compatíveis com os rendimentos do trabalho.

“Os dados recebidos poderão, por exemplo, ser disponibilizados na declaração pré-preenchida do Imposto de Renda da pessoa física no ano que vem, evitando-se divergências”, diz a Receita.

7. Devo me preocupar?

 

O aumento da fiscalização da Receita sobre o pagamento de impostos pode atingir quem não declara os seus rendimentos de forma correta.

“A omissão de receitas pode levar à inclusão na malha fina, cobrança de multas e, em casos mais graves, processos por sonegação fiscal”, alerta o advogado Gabriel Santana Vieira, especialista em direito tributário.

O secretário Robinson Barreirinhas negou que as alterações tenham por objetivo multar as pessoas físicas, que trabalham por aplicativo ou no mercado informal, por exemplo.

De acordo com ele, “uma pessoa que tem um salário de R$ 10 mil e gasta R$ 20 mil todos os meses no cartão de crédito”, durante vários anos seguidos, pode vir a chamar a atenção da Receita. No entanto, antes de chamá-la para explicar os gastos, o órgão ainda vai cruzar outras informações.

“A Receita Federal tem as informações das empresas ligadas a ela, dos parentes relacionados a ela, e pode, nesse cruzamento especial”, ver que ela está simplesmente pagando a despesa de um familiar, disse Barreirinhas.

“E vamos dizer que, mesmo depois de todo esse cruzamento, ainda haja uma inconsistência relevante. Nesse caso, e somente nesse caso, ela pode ser notificado para explicar. E vai poder explicar. Às vezes tem outras razões para esse tipo de despesa.”

(Fonte:G1)