O primeiro mês do ano é dedicado à conscientização sobre a saúde mental. O Janeiro Branco é um momento oportuno para falarmos da importância de cuidar do bem-estar emocional, para que dessa forma tabus envolvendo o tema sejam quebrados e as dúvidas sejam respondidas sobre o estresse, a depressão e a ansiedade.
O portal Correio de Carajás conversou com a psicóloga Roberta Leitão, especialista no assunto. Acompanhe a entrevista que aborda quais são os desafios emocionais mais frequentes, e como compreender e lidar com os próprios estados emocionais.
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CORREIO DE CARAJÁS – De que forma o Janeiro Branco contribui para a conscientização sobre a saúde mental?
ROBERTA LEITÃO – O Janeiro Branco é uma campanha que promove a conscientização sobre a importância da saúde mental, destacando como ela impacta diretamente a qualidade de vida das pessoas. Escolhido como o primeiro mês do ano, simboliza um convite para que cada indivíduo comece o ano refletindo sobre suas emoções, praticando o autocuidado e reconhecendo a importância de cuidar da mente.
A campanha fomenta palestras, rodas de conversa, entrevistas e materiais educativos, tanto presenciais quanto online, para informar a população sobre os sinais de alerta, quando e onde buscar ajuda e os cuidados necessários para manter uma saúde mental equilibrada. Além disso, o movimento pode se tornar um convite, incentivando as empresas, escolas e instituições a criarem ambientes mais saudáveis e a priorizarem ações preventivas relacionadas ao bem-estar mental.
A campanha também busca incentivar autoridades e gestores na criação e aprimoramento de políticas públicas que garantam o cuidado integral com a saúde mental, promovendo um diálogo mais amplo e reduzindo o estigma que ainda cerca o tema.
CORREIO DE CARAJÁS – Você acredita que o Janeiro Branco pode ajudar a quebrar estigmas relacionados à terapia e ao cuidado com a saúde mental?
ROBERTA LEITÃO – Sim, o Janeiro Branco desempenha um papel muito importante na conscientização das pessoas sobre a importância do cuidado com a saúde mental. Além de reforçar a quebra de estigmas sobre o papel da terapia nesse processo. Ao trazer o tema para o centro das discussões, a campanha promove um diálogo sobre questões emocionais e psicológicas, que muitas vezes ainda são tratadas como tabu.
Ao promover palestras, debates e conteúdos educativos, a campanha ajuda as pessoas a entenderem da necessidade que há em cuidar da saúde mental. Além disso, ao desmistificar o papel da terapia nesse processo de cuidado, o janeiro Branco encoraja mais indivíduos a darem o primeiro passo para buscar apoio.
Quanto mais falamos sobre o assunto, mais diminuímos barreiras que ainda existem e abrimos espaço para que as pessoas se sintam seguras em compartilhar suas vivências e buscar ajuda. Isso é essencial, visto que ainda há muita desinformação sobre o cuidado com a saúde mental e o assunto ainda é ignorado em alguns meios.
CORREIO DE CARAJÁS – Como lidar com a pressão de novas metas e expectativas que ocorrem no início do ano?
ROBERTA LEITÃO – O primeiro passo é avaliar como essas metas foram estabelecidas. Pergunte-se: elas estão alinhadas com minha realidade atual? Tenho os recursos necessários para alcançá-las? Considere aspectos como tempo, dedicação, saúde emocional, finanças e disposição. Muitas vezes, a pressão vem de metas idealizadas e desconectadas do que realmente podemos atingir no momento. É essencial diferenciar o que é real do que é ideal.
Depois de entender onde você está, o que deseja alcançar e quais recursos precisará, estabeleça prioridades. Foque no que é mais importante e distribua seus objetivos entre curto, médio e longo prazo. Metas realistas reduzem o risco de frustração e tornam o processo mais gratificante.
Além disso, leve em consideração suas emoções durante essa jornada. Ignorar como você se sente enquanto persegue suas metas pode prejudicar seu progresso e gerar desgaste. Construa um equilíbrio saudável entre ação e autocuidado.
Lembre-se: respeitar o seu ritmo é muito importante nesse processo, esteja aberto a adaptações no plano se forem necessárias. Não esqueça de reconhecer as conquistas alcançadas. Por menores que sejam, é importante reforçamos os nossos alcances. Permita-se ajustar as expectativas conforme necessário. Dessa forma, você pode criar uma relação mais saudável com suas metas, expectativas e com sua saúde emocional.
CORREIO DE CARAJÁS – Quais são os primeiros passos para quem deseja cuidar da sua saúde mental?
ROBERTA LEITÃO – Cuidar da saúde mental começa com um olhar atento para diferentes áreas da vida, reconhecendo que a mente merece o mesmo cuidado que o corpo.
Algumas sugestões iniciais de cuidado:
- Reconheça suas emoções: Observe como você se sente e identifique sinais de sofrimento persistente. Preste atenção à frequência, intensidade e duração de emoções que causam desconforto significativo.
- Avalie seu ambiente: Analise os espaços que você frequenta e as pessoas com quem convive. O ambiente físico, social e até os conteúdos que você consome impactam diretamente sua saúde mental. Reflita sobre como esses fatores estão influenciando seu bem-estar.
- Estabeleça limites saudáveis: Aprenda a dizer “não” para situações ou demandas que causam sobrecarga emocional. Definir limites claros é essencial para proteger sua saúde mental e emocional.
- Adote hábitos saudáveis: Inclua atividades físicas de maneira gradual, respeitando sua rotina e disponibilidade. Mantenha uma alimentação equilibrada, priorize o sono e dedique tempo para momentos de lazer e descanso.
- Fique atento aos sinais de alerta: Observe mudanças no seu comportamento, como cansaço excessivo, insônia, irritabilidade ou dificuldade de concentração. Esses sinais podem indicar a necessidade de ajustes na rotina ou até de apoio profissional.
- Busque ajuda profissional: Não espere chegar ao limite para procurar um psicólogo ou outro profissional da saúde mental. A psicoterapia é uma ferramenta importante para o autoconhecimento e para aprender a lidar com desafios diários.
CORREIO DE CARAJÁS – O que a psicologia pode fazer para melhorar a qualidade de vida das pessoas?
ROBERTA LEITÃO – A psicologia contribui de forma significativa para a melhora na qualidade de vida nas relações, ajudando as pessoas a compreenderem e lidarem melhor com seus pensamentos, emoções e comportamentos. A psicoterapia, por exemplo, contribui para a identificação de padrões disfuncionais que podem gerar sofrimento, oferecendo conhecimento, estratégias e técnicas práticas para enfrentar os desafios do dia a dia.
Além disso, promove o autoconhecimento, auxiliando as pessoas a reconhecerem e estabelecerem limites necessários, bem como a identificar ambientes instáveis que podem ser potencialmente prejudiciais.
Esse processo contribui para fortalecer habilidades como autocontrole, resiliência e empatia, necessários para uma vida equilibrada e significativa. A psicologia, portanto, vai além do tratamento de problemas emocionais. Ela contribui de forma global, fortalecendo o bem-estar emocional e habilidades de cada indivíduo, com seus pontos fortes e fatores protetivos.
CORREIO DE CARAJÁS – Quais são os desafios emocionais mais comuns que as pessoas enfrentam?
ROBERTA LEITÃO – Entre os desafios emocionais mais frequentes, destaca-se a dificuldade de compreender e lidar com os próprios estados emocionais. Muitas pessoas não sabem como gerenciar situações desafiadoras, o que impacta diretamente seu equilíbrio emocional.
A sobrecarga das pressões diárias e o aumento do estresse estão entre os desafios mais comuns no dia a dia.
A fadiga emocional, resultante de rotinas sem pausas adequadas, descanso e lazer pode afetar negativamente o sono, o desempenho e as relações sociais. A ansiedade é outro problema crescente, manifestando-se por meio de preocupação excessiva, medo e sintomas físicos como insônia e tensão muscular.
Sinais de cansaço persistente, dificuldade para dormir, autocobrança excessiva, sentimentos de fracasso, falta de prazer em atividades antes prazerosas, aumento da irritabilidade, dificuldade de concentração e esquecimento frequente são indicadores importantes sobre sua saúde mental. Esses são alguns exemplos de desafios emocionais vivenciados por algumas pessoas.
CORREIO DE CARAJÁS – Como você enxerga a evolução do cuidado com a saúde mental na sociedade brasileira nos últimos anos?
ROBERTA LEITÃO – Nos últimos anos, o cuidado com a saúde mental na sociedade brasileira tem mostrado avanços significativos. O tema, que antes era cercado de estigmas e tabus, passou a ocupar um espaço de destaque nas conversas cotidianas, nas redes sociais e nos meios de comunicação. Campanhas como Janeiro Branco e Setembro Amarelo têm desempenhado um papel importante na conscientização das pessoas, promovendo a abertura do diálogo e ajudando a esclarecer dúvidas que muitas vezes geram desinformação. Tudo isso pode contribuir para quebrar preconceitos e incentivar à busca por apoio psicológico.
Além disso, o acesso à informação aumentou consideravelmente, facilitado pela internet e pela popularização de conteúdos sobre saúde mental. Hoje, as pessoas estão mais cientes da importância de cuidar do emocional, reconhecendo a terapia como uma ferramenta essencial para o bem-estar. O acesso as políticas de saúde mental se tornaram melhor, embora ainda precise de mais avanços e investimentos nessa área, pois a demanda ainda supera a disponibilidade em muitos casos. A preocupação com a saúde mental também chegou ao ambiente das empresas e no campo educacional. Muitas empresas têm implementado programas de bem-estar e instituições de ensino têm promovido debates e suporte para estudantes e profissionais.
Embora tenha tido um avanço, é preciso mais investimento no campo da saúde mental. Outro ponto importante, é que, embora o avanço da internet tenha aberto espaços para a propagação da informação, é preciso ter cuidado com as fontes vinculadas, tendo em vista que há informações erradas sendo disseminadas o que pode gerar consequências.
CORREIO DE CARAJÁS – Quais são as maiores dificuldades que as pessoas enfrentam ao tentar melhorar sua saúde mental, e como podem superá-las?
ROBERTA LEITÃO – Entre as principais dificuldades, destaca-se o medo de buscar ajuda profissional. Muitas pessoas sentem receio ou vergonha devido a estigmas associados à saúde mental, além de falta de conhecimento sobre como e onde encontrar suporte adequado.
A desinformação, apesar do avanço na disseminação de conteúdos sobre saúde mental, ainda é um obstáculo. Informações incorretas ou superficiais podem gerar preconceitos e desmotivar as pessoas a cuidar do bem-estar emocional.
Outro grande desafio é a limitação de recursos: a alta demanda por atendimento psicológico e psiquiátrico frequentemente supera a disponibilidade de profissionais, especialmente em regiões com menos acesso a serviços de saúde mental.
Para superar alguns desses desafios, é importante:
- Desmistificar o cuidado com a saúde mental: Promover campanhas educativas e diálogos abertos sobre o tema ajuda a reduzir o estigma e encoraja mais pessoas a buscarem ajuda.
- Informar-se corretamente: Procurar fontes confiáveis de informação sobre saúde mental, como profissionais qualificados ou instituições reconhecidas.
- Buscar alternativas acessíveis: Utilizar serviços públicos de saúde mental, grupos de apoio ou atendimentos sociais quando o acesso ao setor privado for limitado.
- Compreender a importância do cuidado: Reconhecer que negligenciar a saúde mental pode gerar prejuízos significativos em diversas áreas da vida, como relações pessoais, trabalho e qualidade de vida geral.
DEPOIMENTO
Enfrentando o medo e a ansiedade
O Janeiro Branco é um mês dedicado à conscientização sobre a saúde mental, um tema que pode ser difícil ser falado para muitas pessoas que enfrentam problemas como a depressão e a ansiedade. O portal Correio de Carajás conta a história de *Paulo Souza, que compartilha a sua trajetória na luta para enfrentas estes sintomas e a própria recusa em aceitar a doença.
Desde os 15 anos, o medo e a ansiedade começaram a marcar de Paulo, um jovem que, ao enfrentar a perda da avó, ainda não compreendia completamente os sentimentos que surgiam dentro dele. Com o tempo, os sintomas se tornaram mais intensos e frequentes: coração acelerado, uma sensação constante de medo, incluindo o de morrer. Naquela época, ele não sabia como lidar com esses sentimentos e acreditava que algo estava errado com seu coração.
O caminho para o entendimento começou com visitas a cardiologistas, com a esperança de que os problemas estivessem relacionados a saúde física. Porém, todos os exames deram resultados normais. Foi então que o médico sugeriu que ele procurasse a ajuda de um psicólogo, orientação que ele só seguiu aos 28 anos. “Eu demorei muito tempo para aceitar que precisava de ajuda”, revela, lembrando da resistência que sentia em procurar um profissional de saúde mental. Ele mesmo admitia que pensava que era “frescura” e que não estava “doido”. Contudo, ao guardar esses sentimentos para si, ele percebeu que só estava piorando a situação.
Em 2018, os sintomas voltaram com força. Um novo medo surgiu, o de ficar doente, o que tornou aquele ano especialmente difícil. “Foi um ano bem cruel”, ele diz. Ele se lembra de criar coragem para fazer uma série de exames, mas, novamente, nada foi encontrado. Mas foi em 2024 que a situação atingiu seu ápice. “Eu já não estava aguentando mais. Antes, eu conseguia lidar com aqueles sentimentos de medo”, conta, explicando que o isolamento e o silêncio só pioravam a situação.
Ele reflete sobre o preconceito que tinha em buscar ajuda e alerta aqueles que passam por algo semelhante: “Não se isolem. O isolamento é um gatilho. É nesse momento que os pensamentos ruins aparecem, até os suicidas. Procurem ajuda, falem com a família, com os amigos, com um profissional.”
Ao começar a compartilhar o que sentia, ele descobriu que não estava sozinho. “Tem alguém ao seu lado passando por isso, mas a gente não percebe”, revela, destacando a importância de quebrar o silêncio e procurar apoio. Além disso, ele encontrou aliados na prática de exercícios físicos e na natureza, que se tornaram essenciais no seu processo de cura. “A vida não é só sofrimento. Sonhe, faça planos. Quem não sonha, morre em vida”, ele conclui, uma mensagem de esperança e coragem para todos que enfrentam o mesmo desafio.
*Nome fictício a pedido do jovem que expôs sua realidade atual
(Theíza Cristhine)