Cursando o 3º Ano do Ensino Médio na Escola Estadual O Pequeno Príncipe, na Folha 32, em Marabá, Josy Anne Lima Ferreira foi uma das protagonistas de protestos realizados pelos estudantes em 2023 em busca de melhorias na qualidade da merenda oferecida na unidade e na infraestrutura do prédio onde ela e os colegas assistem às aulas.
O descontentamento dos jovens matriculados na escola, principalmente em relação ao lanche que consumiam, já existia, mas a decisão pela mobilização em defesa dos direitos deles foi tomada após assistirem a uma palestra onde aprenderam de que forma devem ser geridos os recursos públicos do Estado.
A menos de 100 metros da escola, também na Folha 32, está situado o prédio da Unidade Regional do Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA). Foi neste local, em uma ação do programa TCE Cidadão, que Josy e os colegas entenderam que os problemas que encaravam diariamente não eram simples descaso, mas sim uma possível irregularidade por parte dos gestores públicos.
Leia mais:“Através da conscientização que tivemos no TCE, a gente começou a observar com outros olhos a questão da merenda, por exemplo, porque teve uma época que o Estado não estava cumprindo com o seu dever e a gente protestou”, sintetiza.
Conforme a estudante, até então, os alunos vinham comendo apenas bolacha com suco. “A verba estadual não é pequena, então o Estado tem que cumprir com o dever dele. Se a verba está vindo só para biscoito e suco pra escola, então tem algo errado. Por isso, a palestra de conscientização, onde o TCE mostrou e explicou pra gente como as coisas funcionam, foi de extrema importância. Entendemos que a gente não deve só olhar aquilo que está acontecendo e deixar passar despercebido. Nós temos os nossos direitos”.
Antes dessa palestra, conta, ela sequer imaginava o que acontecia no prédio pelo qual passava todos os dias para chegar à escola. Depois, a estudante entendeu que existe um controle dos gastos públicos e que a sociedade tem participação nisso. “O pessoal do TCE falou sobre a atuação deles e uma coisa que fixou bastante na minha cabeça foi que eles controlam os gastos públicos porque a gente tem que saber onde são aplicados os nossos recursos. Quando eu passava aqui na frente, não sabia da importância desse órgão. Depois vi que ele é de extrema importância não só aqui em Marabá, no Pará, como também em outros estados. Tem de haver o controle para sabermos, inclusive, se não estão sendo desviadas as nossas verbas”, pondera.
CONSTRUÇÃO DO CIDADÃO
Pollycléssio Mota Sá é professor de Filosofia na escola O Pequeno Príncipe e costuma acompanhar as turmas nas ações do projeto desenvolvidas pelo TCE. Conforme ele, temáticas abordadas na palestra assistida por Josy Anne e os colegas estavam relacionadas à ética e à moral, conceitos trabalhados por ele em sala de aula. “A relevância (do projeto) para a nossa sociedade é muito grande, tendo em vista que nós falamos (em sala) de direitos e deveres, mas tomar consciência do que são os nossos deveres e do que são os nossos direitos é fundamental”, reconhece.
Ele explica que muitos alunos desconheciam as atribuições do TCE e na palestra descobriram que, em relação às obras públicas, por exemplo, pelo processo de lisura, os gestores devem apresentar orçamento e a execução deste deve ser fiscalizada.
Pollycléssio já acompanhou várias turmas – somando cerca de 150 estudantes – às capacitações ofertadas pelo TCE Cidadão e vê na escola os frutos da atividade. “Houve uma conscientização por parte dos alunos, tendo em vista algumas situações do nosso cotidiano”, comenta, acrescentando que, além da briga pela melhoria da merenda, os estudantes estavam insatisfeitos com a estrutura do ambiente onde assistiam às aulas e, ao se manifestarem, conquistaram um espaço melhor. “A atitude dos estudantes na época foi de fazer a manifestação para poder chamar a atenção e como resultado a merenda, hoje, chega direto na escola, direitinho, e também houve uma reforma do prédio”, enumera.
TCE CIDADÃO EM NÚMEROS
10 anos em Marabá e região
102 edições entre 2015 e 2024
6.900 participantes no sul e sudeste do Pará
55.552 pessoas alcançadas no Estado
Dez anos de proximidade com a comunidade regional
Em janeiro de 2025, o TCE Cidadão completa 10 anos de atividades em Marabá. Na cidade, o projeto nasceu junto com a abertura da unidade regional, descentralizada da capital, Belém. Rafael Larêdo, secretário de representação do TCE em Marabá, conta que a instalação de uma equipe no sudeste do Pará foi definida para que o órgão se aproximasse dos gestores locais, melhorando a prestação de contas. Segundo ele, até então, muitas prestações de contas vinham sendo reprovadas, não por desvio de recurso ou má gestão, mas por falta de entendimento técnico dos gestores sobre como essas contas devem ser apresentadas ao Tribunal.
Além disso, diz, o TCE também sentia a necessidade de estar mais próximo da comunidade. “(Estando perto) a gente vê que a sociedade também se sente mais comprometida e aí entra o projeto do TCE Cidadão”.
Ele ressalta que os órgãos de controle, dentre eles os Tribunais de Contas, atuam, muitas vezes, a partir de denúncias. “E quem é que faz a denúncia? A sociedade. Então, o TCE entendeu que a sociedade tinha que comprar essa briga, essa luta, desenvolver o controle social. O TCE Cidadão vem nesse sentido, de estarmos fomentando isso junto à sociedade, dizendo para ela que não basta somente eleger um candidato, temos de acompanhar a gestão dele”.
Nas palestras, ainda de acordo com Rafael Larêdo, são apresentados os mecanismos que os cidadãos têm para atuar. “As ferramentas tecnológicas ajudaram bastante nos últimos anos. Em um aplicativo, por exemplo, um aluno de uma escola pública pode dizer que não teve merenda hoje ou que a merenda está sendo repetida. Ele pode tirar foto da qualidade da merenda e encaminhar para os tribunais de contas e questionar por que a merenda está sendo repetida se há compra todo mês?”.
Larêdo diz ser gratificante colaborar com o aprendizado de jovens em idade escolar. “A gente acaba complementando o professor. Temos no Ensino Médio a disciplina de sociologia, com essa percepção de Estado, do papel do cidadão, dos direitos e deveres, e é isso que a gente leva, o papel de cada um junto à sociedade”, contemporiza, acrescentando que os professores costumam agradecem a apresentação de outra visão sobre um mesmo assunto tratado em sala de aula e que os alunos costumam ficar encantados.
PARCERIA TCE-ELMAR
Em Marabá, o TCE-PA e a Câmara Municipal mantêm uma parceria desenvolvendo ações do TCE Cidadão com a Escola do Legislativo de Marabá (ELMAR), criada em 2016. Trata-se de uma ferramenta para fortalecer a integração do Poder Legislativo com a sociedade marabaense, por meio de programas, cursos, palestras e formações. Juntos, os dois projetos trabalham a conscientização, principalmente de jovens que, interessados em participar da vida pública e em exercer a função de liderança, atuam na tarefa de serem multiplicadores do entendimento do controle social em escolas.
Unidade Regional atende 37 municípios no sul e sudeste do Pará
A Unidade Regional do TCE-PA foi inaugurada em 22 de janeiro de 2015 para atender as populações das regiões sul e sudeste do Estado. Atualmente, atende 37 municípios distribuídos em quatro regiões de integração: Região do Lago de Tucuruí, Região do Carajás, Região do Araguaia e parte da Região do Rio Capim, especificamente as cidades de Abel Figueiredo, Rondon do Pará e Ulianópolis.
De acordo com Rafael Larêdo, desde a instalação da unidade, as contas dessas regiões “foram mais bem prestadas” porque há uma equipe próxima, acompanhando mais de perto os gestores. “A gente conseguiu ministrar bastantes cursos e treinamentos, além de acompanhar de perto os gestores para que lá na frente não viessem a causar nenhuma má gestão dos recursos do Estado que chegam também aos municípios”.
Todos os entes públicos que recebem recursos estaduais são obrigados a prestar contas ao TCE, como secretários de Estado, o próprio governador e os municípios que recebem verbas estaduais. Em Marabá, por exemplo, está em construção a terceira ponte sobre o Rio Itacaiunas, que conta com R$ 50 milhões empregados pelo governo do Pará. Desta forma, o TCE é responsável pela fiscalização.
Entidades do terceiro setor também podem entrar nesses acompanhamentos. “A gente até faz alguns encontros com eles aqui porque algumas ONGs recebem subvenções do Estado, principalmente por meio das secretarias voltadas às questões sociais. Eles prestam contas diretamente para a Secretaria que repassou o dinheiro e a gente cobra da Secretaria essas informações”, explica.
Além de sua atividade de fiscalização, a unidade se destaca pelos números do Programa TCE Cidadão. Segundo informou o órgão, entre 2015 e 2024, a unidade promoveu 102 edições do projeto, alcançando cerca de 6.900 participantes de escolas públicas e privadas, universidades e comunidades localizadas nas regiões sul e sudeste do Pará.
Anualmente, é realizada uma ação especial durante a apreciação das contas do governador. Estudantes universitários de cursos como direito, ciências contábeis, economia e administração são convidados a acompanhar a sessão transmitida no auditório da unidade. Durante o evento, os servidores do TCE explicam as etapas e os postos-chaves da análise, incentivando a compreensão do processo de fiscalização e a prática do controle social.
SAIBA MAIS
O Programa TCE Cidadão foi instituído no Pará por meio da Resolução 18.136/2011 para fomentar o controle social na sociedade paraense. Atualmente, é composto por três projetos: TCE nas Escolas, TCE Universitário e TCE Comunidades.
(Ulisses Pompeu)