É preciso um cuidado minucioso para folhear as páginas de um jornal que, há pouco tempo, ultrapassou os 40 anos de existência. Mas, neste 15 de novembro, sexta-feira, essa façanha é quase uma obrigação, pois é celebrada a criação de uma das instituições mais importantes de Marabá. A velha e desgastada edição de número 70, de 21 a 27 de novembro de 1984 do CORREIO DO TOCANTINS registra um importante fato histórico: a inauguração da Fundação Casa da Cultura.
EM 1984
Há 40 anos, no primeiro pavimento da Escola José Mendonça Virgolino, na Marabá Pioneira, foi revelada a placa de inauguração da então chamada Casa da Cultura “Antonio Bastos Morbach”. O CORREIO fez a cobertura do momento histórico, registrando a solenidade e as diversas personalidades da política e da sociedade que estiveram presentes ao ato.
Leia mais:Pessoas como o então prefeito Bosco Jadão; os vereadores João Chamon Neto, Onias Ferreira Dias; os escritores Álvaro de Barros Lima e João Maria Guimarães Barros; as professoras Nazaré Farias e Felipa Serrão Botelho Neves; o ex-vereador Pedro Cavalcante e o deputado federal Sebastião Curió (um dos militares responsáveis pela repressão à Guerrilha do Araguaia).
O professor Noé von Atzingen, primeiro diretor da Fundação, na oportunidade disse ao CORREIO que não se sentia realizado com a inauguração pois, caso contrário, significaria que estava morto.
“Eu estou muito satisfeito por concretizar um sonho meu, desde que eu vim para Marabá, e que estava aumentando a cada dia. Principalmente depois do fechamento da barragem de Tucuruí, a gente vendo um grande acervo cultural e científico desaparecer”, discorreu Noé à época.
De maneira eloquente ele expôs o desejo de que aqueles que viessem após sua administração não deixassem a Casa da Cultura se transformar em um museu de velharias. Há 40 anos ele já tinha a noção de que a entidade guardaria sob sua balaustrada, peças importantes para as gerações futuras. Também expressou o desejo para que a Casa fosse dinâmica. “Que seja sempre renovada, que promova exposições, debates…”.
DISCURSO DE BOSCO JADÃO
Nos idos de 1984, durante a inauguração da Fundação Casa da Cultura de Marabá, o então prefeito Paulo Bosco Rodrigues Jadão já vislumbrava o que a entidade era e o que viria a ser.
“Tudo o que aqui se encontra, de alto valor científico, representa o somatório do esforço de muitas pessoas, as quais entenderam perfeitamente o meu propósito e se excederam, para o tornarem uma palpitante e magnífica realidade, a que está perante nossos olhos extasiados. A eles, nossos melhores agradecimentos, sempre insuficientes para expressarem o nosso reconhecimento, principalmente porque somos sabedores das imensas dificuldades por eles enfrentadas.
A Casa da Cultura e o livro (Marabá), que hoje são apresentados, são a concretização do nosso mais caro desejo, o de elevar o nome de Marabá à altura de sua importância material na atual conjuntura brasileira, que o seu crescimento seja harmonioso, com as riquezas do espírito e da razão, acompanhando passo a passo o seu desenvolvimento físico”, diz um trecho do discurso do ex-prefeito.
1987
Ainda que tenha sido criada em 1984, só em 1987 a Fundação Casa da Cultura foi sancionada pela lei municipal número 9.271. Naquele ano, o prefeito era Hamilton de Brito Bezerra, personalidade que esteve presente na inauguração da FCCM quando ainda era professor e diretor da 4ª Divisão Regional de Educação, disse o seguinte. “Cultura nada mais é do que o testemunho de um povo através de gerações”, discursou o educador à época.
O texto da lei 9.271, por sua vez, versa que a Fundação tem como objetivos “planejar e executar ações de caráter cultural, artístico e ambiental neste município”. Como tudo que diz respeito à conservação da memória e da identidade de um povo, havia uma urgência em preservar o patrimônio histórico de natureza material e imaterial da região sul e sudeste do Estado do Pará.
A INSTITUIÇÃO
O primeiro prédio próprio foi doado pela Vale, depois que desativou seu escritório na Folha 31, ao lado da rotatória com as Folhas 30 e 28.
A instituição é uma autarquia subordinada à administração municipal, com uma estrutura predial muito característica, construída em formato circular. As estruturas lembram ocas e acomodam setores administrativos, reservas técnicas, laboratórios, biblioteca, escola de música e museu.
Desde sua origem a FCCM é uma entidade preocupada em realizar e fomentar pesquisas científicas, buscando proporcionar à comunidade marabaense o acesso aos produtos de suas pesquisas nas áreas de Arqueologia, Espeleologia, Botânica, Pinacoteca, Geologia, Zoologia e Etnologia.
Como reconhecimento pelos trabalhos desenvolvidos, a Instituição conquistou duas vezes o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido pelo IPHAN.
Ao longo de seus 40 anos, a Fundação se especializou no ramo da prestação de serviços e consultoria em Arqueologia, Educação Patrimonial, Espeleologia e Geologia, e dessa forma ampliou campanhas de valorização aos Patrimônios Naturais, Históricos e Culturais da região de Carajás.
A MULHER QUE ELEVOU A CASA
“Eu acho que a FCCM é fundamental para a cultura marabaense e regional”. As palavras são da vereadora Vanda Régia Américo Gomes, ex-presidente da Fundação.
Entre 2017 e o início de 2024, período em que ficou à frente da Casa da Cultura, a astúcia e sagacidade de Vanda foram peças fundamentais para o progresso da instituição. De dentro para fora, ao longo desses quase oito anos, a FCCM viu seu acervo ser registrado, o número de alunos aumentar, projetos serem fundados e histórias serem construídas e solidificadas através das atividades exercidas dentro – e fora – de suas paredes.
Narrar os múltiplos avanços na gestão de Vanda Américo é como mergulhar em um rio repleto de artefatos chamativos: impossível decidir por onde começar a exploração. Para realizar o feito, a reportagem do Correio de Carajás foi até o endereço da Casa da Cultura, na Folha 31, para encontrar e ouvir a ex-presidente.
Vanda voltou no tempo e relembrou que, ao chegar à fundação, seu foco pousou na estruturação da infraestrutura administrativa que encontrou, organizando os departamentos e setores para, só então, partir para as melhorias físicas da Casa da Cultura.
A construção de um muro ao redor do prédio pode ter sido o ato mais significativo daquele início de gestão. Ele simboliza o cuidado que a vereadora teve com a conservação do espaço físico da Fundação e com o bem estar das crianças, jovens e adultos que percorriam a mini vila em que se transformou. O muro passou a ser um símbolo, a partir de então, um elemento que representa física e figurativamente o porto seguro que a FCCM se torna. Seja para seu acervo, seus colaboradores e alunos.
A Escola de Música Moisés da Providência Araújo, um dos grandes símbolos da entidade, foi certificada por lei municipal e registrada junto ao Conselho Municipal de Educação, processo que possibilitou que o Ministério da Educação reconhecesse a escola como instituição de ensino. “Quando chegamos em agosto de 2017 tínhamos pouco mais de cem alunos. Hoje são mais de cinco mil”, compara a ex-presidente.
Documentos de acervos como o do herbário e o da arqueologia foram registrados e reconhecidos por grandes instituições nacionais e internacionais. Com firmeza, a vereadora explicita que quando não há um registro, não há identidade e, consequentemente, “não pertence à Fundação”.
O acervo rico e plural da FCCM é um relicário que deve ser preservado para as próximas gerações.
Sob a gestão de Vanda, a FCCM deu vida ao Museu Municipal Francisco Coelho; implantou a Praça da Juventude; possibilitou a formação de especialistas em arqueologia e espeleologia; oportunizou a publicação de livros e revistas que contam a história de Marabá e região sob diversas perspectivas; restaurou o Arquivo Manoel Domingos; implementou projetos ambientais; fortaleceu o turismo; resgatou eventos culturais; consolidou ações sociais, criou a “Casinha da Fundação”; colaborou com a construção do Teatro Eduardo Abdelnor e do Centro Cultural Marcelo Morhy; além de contribuir com o lançamento da única revista científica gratuita da região, a Sumaúma.
Houve, também, incontáveis iniciativas culturais, sociais e diversas parcerias com instituições e empresas de Marabá e de outras regiões do País.
“Fico feliz por ter dado passado essa temporada na Fundação Casa da Cultura, por ter restaurado, dado dignidade, nome e valorizado o acervo que encontrei. Isso é fazer cultura, é deixar um legado”, diz ela, com orgulho.
A história recente da Fundação Casa da Cultura de Marabá evidencia sua grandeza para a formação cultural da população, a preservação da história e do patrimônio cultural do município e a promoção do desenvolvimento social de um povo.
Para a próxima gestão, o desejo de Vanda Américo é que haja continuidade no trabalho realizado até aqui. A base está feita, a missão, a partir daqui, é dar mais vida e cor para o que está construído. E, claro, realizar aquilo que ainda não foi executado.
“Parabéns, FCCM, por essa grandiosidade! Que as pessoas reconheçam a sua importância para a cidade, para o Pará, para o Brasil e para o mundo”, encerra. (Luciana Araújo)