Correio de Carajás

Fazenda Mutamba: DECA e movimentos sociais divergem sobre operação policial

Adão Rodrigues de Sousa é um dos mortos durante a operação. Ele deixa cinco filhos.

Após o confronto entre policiais e invasores que ocupavam a Fazenda Mutamba em Marabá, durante uma operação da Delegacia Especializada de Combate a Conflitos Agrários (DECA), que resultou na morte de dois posseiros, conforme informações divulgadas pela Polícia Civil, os dois lados expuseram sua versão sobre os fatos. Enquanto o Movimento Sem Terra (MST) do Pará alega que cinco pessoas foram assassinadas e outras torturadas, a polícia, por outro lado, nega as acusações e afirma que os ocupantes aterrorizavam colonos e funcionários da área.

Na madrugada do sábado, 12, a Ouvidoria Agrária Nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) chegou a Marabá para escutas com vítimas e testemunhas da operação, buscando esclarecimentos acerca da situação e a versão dos trabalhadores.

É que a operação tem gerado controvérsias e protestos por parte de movimentos sociais que a consideram uma ação premeditada contra trabalhadores rurais. Em resposta ao ocorrido, uma nota foi divulgada na segunda-feira, 14.

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VERSÃO DOS OCUPANTES

De acordo com relatos coletados por entidades sociais, cerca de 18 trabalhadores estavam dormindo em um barracão quando foram surpreendidos por gritos de policiais e disparos. Os sobreviventes afirmam que não havia qualquer chance de defesa e que a alegação do delegado de que os policiais foram recebidos a tiros carece de fundamento. “Surpreendidos com rajadas de tiros naquela hora da madrugada e na escuridão, não houve qualquer chance de se defenderem”, apontam os movimentos.

Além das mortes de Edson Silva e Silva e Adão Rodrigues de Sousa – este último, pai de cinco filhos -, o confronto resultou em vários feridos e quatro detidos. Segundo os depoimentos, os detidos foram torturados e forçados a confessar crimes sob ameaças de execução. Exames de corpo e delito realizados no IML corroboram as denúncias de tortura, o que levou o juiz que presidiu a audiência de custódia a encaminhar os casos para a Corregedoria da Polícia Civil.

Movimentos sociais divulgaram por meio de redes sociais fotos que seriam machucados oriundos das tais torturas

Os movimentos sociais também criticam a operação, que visava cumprir mandados de busca e apreensão e de prisão. As apreensões, no entanto, foram consideradas irrisórias em relação ao aparato policial mobilizado: apenas sete espingardas e algumas munições foram encontradas, e nenhum dos trabalhadores mortos ou detidos possuía mandados de prisão.

A denúncia levanta um paralelo com o massacre de Pau D’Arco, em 2017, onde 10 trabalhadores foram assassinados em circunstâncias semelhantes. “A operação criminosa chefiada pelo delegado Mororó teve o mesmo modus operandi”, afirmam as entidades, que acusam o delegado de estar a serviço de latifundiários da região.

O clima de insegurança na Fazenda Mutamba não é recente. A propriedade, de titularidade da família Mutran, já enfrentou múltiplos ataques e invasões por posseiros, muitos dos quais buscam explorar a madeira da reserva legal da fazenda. O conflito agrário na região tem se intensificado, com registros de violência, destruição de propriedades e ameaças a trabalhadores.

Por outro lado, a resposta das instituições judiciais e do Ministério Público tem sido alvo de críticas. Segundo os movimentos sociais, as decisões da Vara Agrária de Marabá e a falta de fiscalização adequada durante operações policiais têm levantado questionamentos sobre a imparcialidade e eficácia da justiça na proteção de trabalhadores rurais.

“Essa denúncia será encaminhada ao governador do Estado, ao procurador geral do Ministério Público, aos ministros da Justiça e da Reforma Agrária. Ficaremos no aguardo de respostas concretas”, afirmam as organizações, que incluem o MST, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras entidades.

VERSÃO DA POLÍCIA

Nesta terça-feira, 15, foi a vez do delegado Antônio Mororó Júnior dar a versão da polícia sobre os fatos. “A nota é totalmente vazia e falaciosa, não condiz com a verdade”, afirma à reportagem do Correio de Carajás. Segundo ele, a operação visava desmantelar um grupo armado que estava aterrorizando colonos e funcionários da fazenda, e que as ações policiais foram respaldadas por provas documentais e testemunhais.

Ainda de acordo com o titular da DECA, durante o confronto, as forças de segurança apreenderam armamentos, munição e outros materiais, incluindo equipamentos militares. Além disso, destacou que entre os quatro presos em flagrante, dois permaneceram em silêncio, enquanto os outros dois, assistidos por advogados da própria CPT, confirmaram a presença de um grupo armado no local.

Antônio Mororó, titular da DECA, nega veemente as acusações de tortura

Conforme os interrogatórios, entre 12 e 18 homens teriam atirado contra os policiais durante a abordagem.

Mororó enfatiza que as versões apresentadas pelos interrogados contradizem alegações de que a polícia teria agido de forma violenta. “As declarações de testemunhas indicam que esse grupo armado estava impondo terror e tomando terras de colonos”, explica. Ele ainda disse que há registro de práticas de violência por parte do grupo, incluindo ameaças e intimidações contra trabalhadores da fazenda, além de um episódio em que homens armados cercaram e constrangeram um funcionário.

As investigações, segundo o delegado, contaram com o apoio do Ministério Público, que reconheceu a gravidade da situação. “Estamos falando de um estado paralelo, onde a violência e o medo eram impostos aos colonos”, pontua. Mororó também levanta que a operação foi realizada com base em um conjunto robusto de evidências, incluindo gravações de vídeo que documentam a presença do grupo armado.

O titular da DECA comentou sobre a repercussão da operação e as reações de algumas instituições, que levantaram suspeitas sobre a condução das investigações. “Essas alegações de tortura e execução não se sustentam. Os presos foram levados vivos e todos os procedimentos seguiram a legalidade”, afirma, questionando as afirmações que circulam nas redes sociais sem embasamento.

Por fim, Mororó reiterou a importância de se reconhecer a legitimidade da operação e da investigação, que buscou proteger os direitos dos colonos e a integridade da fazenda Mutamba, em um cenário de violência agrária crescente. “Não poderíamos ignorar os relatos e a gravidade da situação”, conclui.

HISTÓRICO

A Fazenda Mutamba tem sido, há algum tempo, alvo de invasões por posseiros, muitos dos quais não estão ligados a movimentos sociais pela reforma agrária. A principal intenção dos invasores é a exploração da madeira presente na reserva legal da propriedade. Existem registros de que a área também é alvo de ações por membros da Associação Rural dos Agricultores do Acampamento Balão III e IV e da Associação Rural Terra Prometida.

Os conflitos na Fazenda Mutamba não se limitam a invasões; eles resultaram em roubos de madeira e gado, além de ameaças a funcionários e vaqueiros da propriedade. Já houve relatos de incêndios em pontes e ataques a pneus, além de destruições na sede da fazenda.

Em março deste ano, o juiz da Vara Agrária de Marabá, Amarildo José Mazutti, declarou que a posse da Fazenda Mutamba pertencia à família Mutran, determinando que os membros das associações rurais Terra Prometida e Balão III e IV desocupassem a propriedade. Entretanto, em abril, um grupo armado invadiu a fazenda, intimidando os funcionários que estavam realizando atividades de manutenção. (Thays Araujo e Chagas Filho)