Correio de Carajás

Amor e resistência: substantivos que descrevem a professora Laís

Em sala de aula ela transforma, através da educação, a vida dos alunos da EFA

Desde que saiu de Igarapé-Açu, Laís supera as dificuldades e brilha em sala de aula Foto: Evangelista Rocha

Em uma definição, “resistência” é descrita como a tendência para suportar dificuldades. Já o “amor”, dentre tantas descrições, também é tido como a emoção ou sentimento que leva uma pessoa a desejar o bem a outra. Ambos os substantivos são empregados com maestria por Laís de Nazaré dos Santos.

Neste 15 de outubro, Dia do Professor, o Correio de Carajás conta a história dela, uma dentre milhões de professores brasileiros que diariamente são sinônimo de luta, resistência e amor pela educação.

“A minha mãe é professora, então eu sempre tive o exemplo dela dentro de casa, mas eu tenho uma ligação muito forte com a minha avó”, compartilha, emocionada, revelando como esse contato íntimo também foi importante. Aos 31 anos, Laís é inundada pela recordação de uma época em que se aconchegava junto à avó e a ouvia contar histórias.

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A idosa sabia ler “só um pouquinho”, o suficiente para despertar na neta uma grande paixão: a alfabetização. “Ela chegou a entrar no EJA (Ensino de Jovens e Adultos) e eu ainda quero trabalhar com isso. Hoje eu alfabetizo crianças, me sinto sensibilizada por isso”, conta.

A mãe professora, que se tornou sua musa inspiradora, e a avó, que a introduziu no universo da leitura, são as mulheres fortes que construíram uma base sólida para que Laís escalasse e chegasse ao lugar para o qual estava destinada: a sala de aula.

VIVÊNCIAS

Professora licenciada, mestre e em vias de se tornar doutora em linguística e literatura, Laís é um exemplo de perseverança e resiliência. A menina que saiu de Igarapé-Açu e agora dá aulas em uma escola rural de Marabá, luta diariamente para mudar a vida dos alunos.

Em maio deste ano, a reportagem do Correio de Carajás visitou a Escola Familiar Agrícola (EFA) onde ela atua e viu de perto a estrutura simples e rústica do lugar, que clama, com urgência, por uma reforma. É nesse espaço, onde de maneira simbiótica se mescla a beleza do campo com a degradação de espaço físico, que Laís assume o palco da sala de aula e eleva o ensino dos alunos do 6º ao 9º ano. Para além das tradicionais aulas de português, ela – com o apoio de outros colegas da instituição – elabora e coordena projetos pedagógicos de maneira magistral.

“É a coisa mais linda do mundo a gente ver eles (alunos) se superando cada vez mais. Ver eles sonhando cada vez mais alto”, diz emocionada.

Mas antes de sua história culminar nas vitórias dos pequenos, Laís teve que enfrentar desafios ao longo de seu caminho como professora. Primeiro precisou superar as dificuldades financeiras da família para poder cursar a faculdade em Castanhal. Depois, encarou o desconhecido ao se mudar sozinha para Marabá, onde teve que aprender a ser uma professora do campo, uma realidade completamente diferente daquela que já havia vivenciado.

“Quando eu cheguei aqui, fiquei muito perdida. Não tinha experiência, não tinha noção do que é a educação no campo. Hoje eu vivo isso. As lutas desse povo passaram a fazer parte do meu repertório, da minha história”, relata.

São essas histórias que ela estimula os alunos a contarem através das ideias que ela tem. “Eu tenho TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), com hiperfoco em projetos”, confidencia, ao enumerar as iniciativas que já desenvolveu na escola. Ao lado de Kamila Lopes, professora de geografia, Laís realizou o projeto “Escrita, memória e lugar: produção de memórias literárias e cartografias sociais”, e de maneira interdisciplinar também liderou os trabalhos “Poemas para mulheres” e “Jornalismo na EFA: formando leitores e escritores críticos”, este último baseado em reportagens do Correio de Carajás, assinadas pelos jornalistas Ulisses Pompeu e Luciana Araújo.

“Eu gosto de trabalhar com projetos porque conseguimos fazer algo mais dinâmico, visando a conclusão das atividades propostas para uma culminância, que pode ser desde uma postagem, um mural, um livreto ou até mesmo um evento”, aprofunda.

LECIONAR É RESISTÊNCIA

Basta uma ida à EFA para que o visitante compreenda que a escola necessita, urgentemente, de melhorias estruturais. Fica claro que, na lista de dificuldades que os profissionais da instituição precisam superar, essa está na base da pirâmide. Mas algo tão preocupante quanto é a falta de letramento e alfabetização de algumas crianças. Muitas delas, durante os anos da pandemia de covid-19, estavam nos anos iniciais, justamente no período em que deveriam aprender a ler e escrever, o que não aconteceu para parte delas.

Hoje, este é um dos problemas que Laís precisa enfrentar dentro da sala de aula e que bravamente luta para superar. “Aqui nós encontramos muitos alunos que não sabem ler e isso me toca muito porque toda a minha trajetória passa pela alfabetização. E aqui (EFA) eu consigo fazer esse trabalho com eles”.

A EFA tem um regime de ensino diferenciado, onde os alunos se dividem em “tempo escola” e “tempo comunidade”, uma vez que eles alternam duas semanas morando na EFA e outras duas em casa. A alternância é feita em rodízio, enquanto alunos do 6º e 7º permanecem na instituição, os de 8º e 9º estão com suas famílias, e vice-versa.

Por conta dessa dinâmica, a professora consegue dedicar uma atenção especial àqueles estudantes que ainda trilham os primeiros passos na jornada da alfabetização.

“EU FAÇO EDUCAÇÃO COM AMOR”

A luta de Laís é um espelho de milhões de professores brasileiros que resistem em sala de aula mesmo diante da desvalorização e descaso do poder público. Mesmo consciente das dificuldades da profissão, a professora mantém a esperança na força transformadora da educação. Experiência que ela mesma vivenciou.

“Apesar dessa fala ser muito problemática e utópica, eu faço educação com amor. Eu acredito e tenho esperança”.

(Luciana Araújo)