Acabo de desembarcar em Belém. Vim para uma série de palestras do Sebrae para jornalistas do Estado com foco na COP 30. Entre os palestrantes, Caco Barcelos, que está à frente do Profissão Repórter, da Rede Globo e vai palestrar nesta quinta-feira sobre jornalismo ambiental.
Mas a história que vou contar não tem nada a ver com os eventos aqui na Capital do Pará. No saguão do Aeroporto, ainda em Marabá, encontrei um velho conhecido. Gustavo carregava apenas uma mochila com uma calça e quatro camisas. O calçado era apenas o que levava nos pés e não queria nem sandália.
Como comerciante próspero do ramo de construção, deixou todos os negócios na mão de um primo e partiu para Belém. À espera do voo e depois dentro do avião, me contou que seu casamento de 34 anos teve uma reviravolta quando a esposa descobriu um câncer na bexiga. Há quatro anos, ela mesma o chamou e avisou sobre a doença e lhe autorizou a buscar outra pessoa para saciar suas necessidades sexuais. Não vou mais conseguir daqui para frente, disse ela.
Leia mais:Pois bem, Gustavo se sentiu abalado com a notícia da doença e desconfortável com a carta de autorização da esposa. Resignou-se e prometeu cuidar dela até o fim.
Os meses foram passando, as sessões de quimioterapia e radioterapia chegaram e Madalena entrou em depressão. Foi nessa época, disse-me o velho amigo, que conheceu outra pessoa, carinhosa e um relacionamento amoroso não demorou a se firmar. Houve sentimentos e ele disse aos dois filhos que não ficaria em casa para cuidar da mãe deles. Pagaria o tratamento, uma pessoa para cuidar dela, que estaria sempre por perto e pediu para que eles não o julgassem, pois queria, também, viver o novo amor.
Me confessou, já dentro da aeronave, que o novo amor tem 22 anos a menos que ele e, embora não reconhecesse, o perfil apontado é de “esposa troféu”, aquelas que ficam em casa, vão ao salão de beleza uma vez por semana, ao shopping quase todos os dias e gostam de comer fora para não ter de cozinhar.
Mas há três semanas a ex piorou, precisou ser internada no Hospital da Mulher, aqui em Belém, para onde ele veio sem data para voltar. Gustavo deixou o cartão de crédito com a atual e trouxe o coração para cuidar de Madalena.
Chorou dentro do avião – coisa que eu ainda não tinha visto ninguém fazer – e disse que sente um dever e uma missão por tanto que ela fez por ele por mais de três décadas. Falou dos planos para morar dentro do hospital, que usaria o tempo para compor poesias, ler para ela, cantar para ela as músicas de Elis Regina e Roberto Carlos.
E relembrou uma vez que foram passear no Mato Grosso e, por acaso, seu pênis ficou enganchado num azol de um pescador que fora com eles. Precisou ser levado para o hospital da cidade e permaneceu ali por seis dias, com a esposa ao seu lado, fazendo tudo que ele pretendia realizar agora.
A metástase já está em seis órgãos e Madalena pode viver mais um ano ou apenas dois meses. Gustavo disse que não se importa, porque consegue gerenciar os negócios daqui de Belém e os alugueis com galpões que tem em Marabá garantem uma renda razoável para o tempo que vai ficar sem o trabalho.
Mas também planeja ler livros para a ex. Sabe que terá a missão de ler a Bíblia todos os dias para ela, porque Madalena sempre fez isso diariamente.
Mas também tive a coragem e ousadia de perguntar a ele se havia alguma coisa que ela gostava que ele não faria de jeito nenhum na atual condição. Demorou a responder, olhou pela janela do avião e voltou a bordo com uma frase lacônica e precisa: não, eu acho que não. Estou certo que faria tudo, tudo.
Eu poderia fazer um jogo de perguntas e respostas com Gustavo, mas o voo era de apenas 40 minutos. Então, peguei seu contato telefônico e garanti que, antes de voltar a Marabá, irei ao Hospital da Mulher visitar os dois.
Mas acabei não resistindo e fiz a pergunta mais difícil da tarde: até quando você acha que pode cuidar dela no hospital? Ele respondeu com uma frase que usei no título desse texto:
– Eu vou cuidar dela até o fim.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.