Em 3 de setembro de 1989, o voo Varig 254 decolou de Marabá com destino a Belém. Porém, ficou perdido e realizou um pouso forçado no Mato Grosso após ficar sem combustível por ter voado por horas na direção errada. Uma das principais razões do acidente foi um erro de interpretação por causa de uma vírgula. Das 54 pessoas a bordo, 12 morreram na queda e 17 ficaram gravemente feridas.
Naquele fatídico dia, os passageiros do voo ouviam, no céu de São José do Xingu (953 km de Cuiabá), uma das mais emblemáticas mensagens já proferidas dentro de uma aeronave no Brasil. Ao perceber que o avião estava sem combustível, o comandante Cézar Augusto Padula Garcez acionou o microfone e relatou à sua equipe e aos passageiros uma “pane no sistema de direção”, já prevendo um “final” para todos a bordo.
“Senhoras e senhores passageiros, é o comandante que vos fala. Tivemos uma pane de desorientação nos nossos sistemas de bússola… Pedimos a todos que mantenham a calma, porque uma situação como essa realmente é muito difícil de acontecer, mas estamos fazendo o possível para que isso não aconteça”, começou.
Leia mais:Com 15 minutos de combustível restantes e após sobrevoar o estado do Pará, o voo VRG-254, que saiu de Marabá com destino a Belém e deveria durar 48 minutos, se aproximava de uma área em São José do Xingu, um destino completamente contrário à rota estabelecida para o Boeing 737 comandado por Garcez e Nilson Zille, copiloto da aeronave, que levava 48 passageiros e seis tripulantes.
“Deixamos a todos com a esperança de que isso não passe apenas de um susto para todos nós. Pela atenção, muito obrigado e que tenham todos um bom final”, disse Garcez instantes antes da queda.
Na aeronave, os ocupantes rezavam em coro um Pai Nosso, enquanto as comissárias se posicionavam em seus lugares para o pouso de emergência. O barulho das vozes diminuiu para dar lugar ao som do vento chocando-se com o avião em queda.
Durante a aterrissagem realizada a cegas por causa da escuridão da Amazônia, o avião perdeu as asas devido ao choque com as copas das árvores. Como não havia combustível, não houve explosão.
“No momento em que o fundo do avião tocou aquele mar de escuridão, pudemos sentir o ruído da fuselagem contra as árvores mais altas. E nos invadiu a certeza de que nada mais podia ser feito”, afirmou Nilson Zille em um trecho do livro “Voo Sem Volta: A Epopeia do Voo VRG 254”.
Se o avião tivesse pousado 6 km à frente, teria caído em uma superfície plana, o que teria evitado o impacto. Se tivesse descido mais 10 metros, teria chocado o nariz da aeronave contra uma árvore, aumentando o número de feridos. Se tivesse feito uma pequena curva para a direita ou para a esquerda, teria colidido com uma grande rocha e não haveria sobreviventes.
O fato é que a queda ocorreu no meio da Amazônia às 21h06 daquele 3 de setembro. Doze pessoas morreram em decorrência da queda, das quais duas faleceram na hora. Outras 42 sobreviveram e permaneceram na floresta por 3 dias até que o avião fosse encontrado e os sobreviventes, resgatados.
Após a localização do Boeing, uma nova história surgiu nos jornais e na imaginação dos brasileiros, que estavam aflitos por uma explicação que justificasse a queda do avião, que não apresentava nenhum problema técnico até então.
Seleção em campo
O Boeing 737-200, prefixo PP-VMK, iniciou sua rota às 9h43 da manhã no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo (SP). O pouso final, em Belém, deveria ocorrer por volta das 18h20, após a conclusão das escalas em pelo menos quatro estados.
Enquanto os 48 passageiros se preparavam para embarcar, milhões de brasileiros aguardavam ansiosos o início do jogo entre Brasil x Chile, realizado no Maracanã, que poderia eliminar, pela primeira vez, a Seleção Brasileira da Copa do Mundo.
O voo saiu da última escala em Marabá às 17h35, no mesmo instante em que a bola rolava no Maracanã. Ao entrar no avião, Paulo Altieri, um dos passageiros fanáticos por futebol, perguntou à comissária sobre o andamento do jogo. Como o voo era rápido e tinha previsão para durar 48 minutos, Paulo tinha esperança de ver o segundo tempo em uma lanchonete do Aeroporto Internacional de Belém.
Garcez, ao saber da dúvida do tripulante, solicitou o placar do jogo à central de Marabá, que naquele instante informou o 0 a 0 na partida. No intervalo da partida, Paulo refez a pergunta e recebeu a mesma resposta de Garcez. Horas depois o som de rádio saiu da cabine de comando, o que daria início a uma teoria: os pilotos acompanhavam o jogo pelo rádio, o que pode ter prejudicado a atenção nos comandos.
Quando se deram conta da falta de direção, os pilotos realmente sintonizaram a rádio, mas não por causa do jogo. Na época, era regra que as emissoras fornecessem a frequência em quilohertz para que os pilotos identificassem sua localização pelos dados.
A matemática da aviação
O que de fato aconteceu com o avião foi um erro de interpretação de coordenadas com consequências dramáticas. Na época, a Varig estava passando por uma mudança em seu sistema e não preparou adequadamente os pilotos para a alteração.
Ao inserir as coordenadas de seu plano de voo, Garcez não se atentou ao fato de que o número 270° significava 27,0°. A pequena vírgula não colocada fez com que o avião tomasse um rumo completamente desconhecido e fosse na direção oposta.
Nilson Zille, o copiloto, não conferiu os dados para checagem e só percebeu o erro do colega quando o avião já havia completado quase 2 horas de voo.
“Olha aqui a merda que você fez”, relatou ele ao piloto, que respondeu fazendo sinal de silêncio para que a caixa preta não registrasse o diálogo. Garcez havia voltado de férias havia pouco mais de um mês e cometido um erro semelhante em outra viagem. Assumir novamente um erro poderia colocar seu emprego de piloto na Varig em risco.
Após as investigações serem concluídas, pilotos do mundo todo passaram por um teste. Refizeram os passos de Garcez e Zille. Dos 50 pilotos, 15 cometeram o mesmo erro de interpretação de Garcez.
Após a queda
Com o acidente, inúmeros bancos se soltaram e prensaram os passageiros que se sentavam na frente da aeronave, os quais ficaram gravemente feridos. Entre os que saíram ilesos ou com poucos arranhões estavam Epaminondas Chaves (de Marabá), Afonso Saraiva, Marcionílio Pinheiro e Antônio Farias.
Esses passageiros foram responsáveis por caminhar por quilômetros floresta adentro até encontrar Belmiro Alves Ferreira, conhecido como “Quincas”, gerente de uma fazenda localizada em São José do Xingu.
Ele foi o responsável por acionar um rádio e relatar que o avião desaparecido estava no Mato Grosso, dando assim início ao trabalho de resgate.
Os pilotos foram julgados em 1997. Zille e Garcez foram condenados a 4 anos de prisão, mas, como não possuíam antecedentes criminais, a pena foi convertida em trabalho comunitário.
Atualmente, Nilson Zille é palestrante e relata sua experiência na aviação. Com um livro publicado, ele diz que, após a noite do dia 3 de setembro, se afastou da carreira tão sonhada de piloto.
Já Garcez mudou-se para os Estados Unidos. Não há informações atualizadas sobre ele. Em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, em 1997, ele admitiu ter a responsabilidade pelo voo.
“Esse voo, o meu último como piloto, realmente foi uma tragédia muito grande que mudou minha vida completamente”, disse Garcez.
Com a queda do avião, algumas alterações foram realizadas na aviação brasileira, entre elas a melhoria nas estruturas dos aviões e nos assentos, para que estes não se soltassem com grandes impactos. O sistema de radar também foi aprimorado após a perda do avião. Em 1989, não havia cobertura do sistema de localização para a aviação na região Norte do país.
(Fonte: Midianews)