Correio de Carajás

Como a Ucrânia planejou ataque a território russo

Descrita como uma das operações mais ousadas desta guerra, a incursão da Ucrânia por Kursk, região ao sul da Rússia, segue surpreendendo observadores, que ainda tentam entender como foi realizada e o que Kiev pretende com ela.

O exército ucraniano diz que continua avançando para dentro do território russo. — Foto: Getty Images via BBC

Descrita como uma das operações mais ousadas desta guerra, a incursão da Ucrânia por Kursk, região ao sul da Rússia, surpreendeu observadores, que ainda buscam entender como foi realizada e qual o objetivo de Kiev com ela.

“Continue observando esta seção da fronteira”, disse uma fonte do Exército ucraniano à BBC pouco antes de 6 de agosto, referindo-se ao nordeste da Ucrânia, próximo da região russa de Kursk. “Espere algo interessante.”

Um dia após a pista ser compartilhada, imagens de soldados ucranianos derrubando bandeiras russas em vilas na região de Kursk começaram a surgir online.

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A região de Kursk foi uma das principais plataformas de lançamento de ataques russos contra civis ucranianos desde o início da invasão em grande escala.

Estima-se que milhares de militares ucranianos tenham se envolvido na operação transfronteiriça, agora em sua segunda semana. Kiev não divulgou oficialmente o número de homens envolvidos.

Segundo a Rússia, o Exército ucraniano controla pelo menos 28 vilarejos. Kiev dá um número muito maior, de cerca de 80.

Sigilo total

 

Imagem compartilhada nas redes sociais parece mostrar soldados ucranianos erguendo bandeira nacional no vilarejo de Guevo, região de Kursk, em 11 de agosto. — Foto: Donbas_operativnyi/ Telegram via Reuters
Imagem compartilhada nas redes sociais parece mostrar soldados ucranianos erguendo bandeira nacional no vilarejo de Guevo, região de Kursk, em 11 de agosto. — Foto: Donbas_operativnyi/ Telegram via Reuters

A forma como essa incursão foi preparada mostrou que a Ucrânia aprendeu com o erro anterior, quando divulgou amplamente planos de realizar uma operação de contraofensiva que não se materializaram.

 

No início do verão de 2023, observadores na Ucrânia e no exterior aguardavam a tão esperada contraofensiva com o objetivo de restaurar o controle da Ucrânia sobre seus territórios do sul e o acesso ao Mar de Azov. Os debates e especulações online eram abundantes.

O então comandante-chefe do Exército ucraniano, general Valery Zaluzhnyi, chegou a alertar contra transformá-lo em um esporte para espectadores.

“Isso não é um show”, disse em entrevista ao jornal Washington Post no verão de 2023. “Não é um show que o mundo inteiro está assistindo e apostando, ou algo do tipo. Cada dia, cada metro se dá por sangue.”

Desta vez, a operação, em foi mantida em completo segredo, impedindo a Rússia de se preparar, deixando sua fronteira mal protegida.

Embora os arquitetos desta reviravolta surpreendente permaneçam em segredo, eles provavelmente estão nas Forças Armadas, na inteligência militar e na administração presidencial. E o general Oleksandr Syrskyi, que substituiu Valery Zaluzhnyi como comandante-chefe da Ucrânia em fevereiro deste ano, está, provavelmente, entre os principais mentores.

À época, o presidente Zelensky foi amplamente criticado nas redes sociais por remover Zaluzhnyi, um general popular, e substituí-lo com um homem visto por muitos como um comandante mais conservador e menos flexível.

O chefe da inteligência militar ucraniana, Kyrylo Budanov, que tem 38 anos e é representante de uma nova geração de agentes, também está quase certamente envolvido diretamente. Ele e suas equipes estiveram por trás de ataques anteriores de coleta de inteligência em menor escala nos territórios russos e nos ocupados pela Rússia.

Efetivo mais bem treinado envolvido

 

O atual comandante-chefe da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi (à esquerda), conseguiu convencer os críticos de que era digno da escolha do presidente Zelensky. — Foto: Reuters via BBC
O atual comandante-chefe da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi (à esquerda), conseguiu convencer os críticos de que era digno da escolha do presidente Zelensky. — Foto: Reuters via BBC

Outro novo elemento desta operação relatado por fontes e especialistas foi uma melhor coordenação entre as unidades envolvidas.

No verão de 2023, uma das unidades de elite da Ucrânia, a 47ª Brigada Mecanizada, conseguiu um progresso considerável em sua seção da linha de frente, repelindo o Exército russo. Mas, como outras unidades em seções vizinhas recuaram, o progresso perdeu o sentido.

A Ucrânia não divulgou quais unidades estão lutando na operação Kursk. Mas fontes dizem que o pessoal envolvido é um dos mais bem treinados, o que por si só deve ter sido uma decisão difícil para Kiev — tirar essas tropas das partes mais desafiadoras da linha de frente, onde as forças russas continuam avançando.

Na incursão de Kursk, houve sinais de preparação cuidadosa e ponderação de recursos. Em alguns casos, unidades ucranianas contornaram posições russas em vez de se envolverem diretamente com elas.

Qual é o objetivo final da Ucrânia?

 

Mapa mostra avanço de tropas ucranianas em território russo. — Foto: BBC
Mapa mostra avanço de tropas ucranianas em território russo. — Foto: BBC

A Rússia não sofria intervenção estrangeira em seu território desde a Segunda Guerra Mundial, e a imprensa russa acusou Kiev de agir “como os alemães”. Ao mesmo tempo, a Rússia não se refere à operação como uma “invasão” ou uma “incursão”, mas como uma “situação na fronteira” ou “atos de terrorismo”.

O presidente Zelensky disse em um de seus últimos discursos em vídeo que a Ucrânia estava “alcançando seu objetivo estratégico” na região de Kursk. Embora ele não tenha especificado qual seria esse objetivo, está claro que a Ucrânia conseguiu mudar a narrativa da guerra e restaurar a confiança em sua capacidade de recuperar seu território reconhecido internacionalmente.

Justin Crump, um ex-oficial do Exército Britânico que agora dirige uma consultoria de risco estratégico, disse à BBC que a operação foi uma aposta ousada, motivada “pela necessidade de mostrar que o país ainda está na luta, mesmo após um ano de reveses militares”.

“O presidente Zelensky precisava dar uma vitória à sua população cansada da guerra e mostrar a seus apoiadores ocidentais que a Ucrânia ainda pode infligir dor à Rússia”.

 

Enquanto isso, Vladimir Putin descartou qualquer negociação com a Ucrânia, acusando-a de “atingir a população pacífica e a infraestrutura civil”. A Rússia prometeu uma “resposta dura” à incursão de Kursk.

Quem está ganhando a guerra e quando ela terminará?

 

A invasão em larga escala da Rússia já está em seu terceiro ano.

Para a população da Ucrânia, a guerra é uma questão central na vida cotidiana, já que a maioria das famílias perdeu alguém na linha de frente, foi deslocada ou afetada de alguma outra forma.

Para os russos, a guerra também não passa despercebida. E a última reviravolta colocou-a firmemente no noticiário, com dezenas de milhares de pessoas tendo que ser evacuadas de diversas regiões de fronteira.

Para muitos fora da Ucrânia e da região, este tornou-se um conflito prolongado e sem fim à vista, e as perguntas mais pesquisadas sobre a guerra são “Quem está ganhando?” e ​​”Quando isso vai acabar?”

A Ucrânia diz que quer realizar outra cúpula de paz até o final deste ano para injetar nova energia nas negociações sobre o fim da guerra. Até recentemente, era difícil imaginar a Rússia participando de tal cúpula. Mas a operação Kursk deu à Ucrânia um novo poder de barganha.

 

Ao mesmo tempo, como diz o especialista em segurança Justin Crump, “o tempo não está ao lado da Ucrânia“, sugerindo que a força militar do país é limitada para entrar a fundo em território russo.

Por enquanto, no entanto, Kiev parece ter provado que é capaz de preparar e executar operações militares rápidas e surpreendentes e mudar o curso desta guerra, por enquanto, a seu favor.

(Fonte:BBC News)