Correio de Carajás

Abrimos – e revelamos – o baú de 100 anos de Dona Maria Filomena

Mulher que viveu até os 117 anos em Marabá, deixou fazenda de herança e uma mala-baú com documentos com valor histórico para a cidade e que revelam sua fé católica

Beatriz Silva abre para a Reportagem do CORREIO o baú místico de sua tataravó Filomena, que viveu 117 anos

Quais tesouros você guardaria na cápsula do tempo da sua vida? Diversas fotografias, incontáveis artigos religiosos, cartas, recibos e até mesmo uma dentadura são algumas das preciosidades que Maria Filomena da Silva Costa reuniu dentro de um baú ao longo de seus 117 anos de vida.

Nascida em Carolina (MA), mas moradora de Marabá desde seus primeiros meses de vida, a centenária faleceu de causas naturais em 2020. Dona Filomena foi enterrada no Cemitério São Miguel, na Marabá Pioneira. Inclusive, em seu baú do tesouro a reportagem do Correio de Carajás encontrou um dos recibos que confirma o pagamento por um terreno na necrópole desde a década de 1950.

Quadro do casal Maria Filomena e Ismael Costa, primeiro marido da centenária

Enquanto viva, Dona Filomena colecionou folhetos de missas, imagens de santos, cartilhas que ensinam a rezar o rosário, receitas médicas e pequenas notas com registros diários.

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O acervo histórico conta sobre a vida da centenária e captura fragmentos da memória marabaense. Desde preservar propagandas políticas de décadas passadas, até documentos assinados por nomes importantes na história do município.

Em seu casamento, por exemplo, ela teve como testemunha o renomado prefeito Antônio Vilhena de Souza e o matrimônio foi presidido pelo juiz suplente Manoel Domingues, cuja assinatura consta na ata de criação do município de Marabá. Quando casou-se, ela estava com 33 anos, assim, uma conta matemática simples nos leva ao ano de 1904, data de seu nascimento.

Mergulhar nas recordações de Filomena é ter acesso aos retalhos de sua vida. Sua religiosidade que a fez colecionar imagens de santos, inclusive recortadas de uma embalagem de café; folhetos do festejo de São Félix de Valois, padroeiro de Marabá, datado, por exemplo, de 1945; lembranças de quando o Papa Pio XII esteve no Pará, em 1950, e um velho livreto que conta a história da “Visão de Lourdes”.

Apesar da vocação para beata, Filomena também guardou, em uma anotação, as instruções para uma simpatia peculiar, feita para quem tivesse vontade de amarrar uma pessoa comprometida. Se ela chegou a colocar em prática o ritual, nós nunca saberemos.

Até mesmo uma denúncia foi deixada em um de seus escritos diários. Filomena anotou que na Copa de 1998, quando a seleção brasileira perdeu para a França nos pênaltis, os jogadores do Brasil receberam a quantia de 10 mil dólares para que os franceses saíssem vitoriosos.

A mulher que guardou sua dentadura dentro de um baú velho com dobradiças enferrujadas, é a mesma que recebeu cartas amorosas da família, aprendeu bordado por correspondência pelo Instituto Universal Brasileiro, alugou uma máquina Singer, guardou um poster do Francisco Cuoco e conservou pedaços de sua vida dentro de uma cápsula do tempo.

Apesar de ter morrido há quatro anos, a lembrança de quem foi Maria Filomena está registrada para sempre em cada peça que ela cuidadosamente aconchegou em seu baú.

A tataraneta, Beatriz Silva de Andrade, de 24 anos, foi quem emprestou à Reportagem do CORREIO o baú de Dona Filó. A cada documento que pegava, a jovem relembrava dos costumes da tataravó. A mala, feita em madeira, estava guardada na antiga casa da idosa, que se mantém conservada na chácara em que ela morava há mais de 60 anos, na região de Matrinchã, depois de Morada Nova, próximo à PA-150.

Beatriz foi criada pela avó Josefina Cruz, mas revela que os ensinamentos de dona Filomena foram importantes para todos os descendentes, tanto do ponto de vista religioso quanto secular.

GALERIA DE RECORDAÇÕES

Artigos religiosos: Maria Filomena era católica fervorosa. Guardou rezas, imagens e recordações de uma vida dedicada a amar o divino. Uma fé que não fazia distinções e até mesmo artigos de outras religiões foram acolhidos e guardados em seu baú.

Política: Tudo indica que Filomena era uma mulher politizada. Desde suas anotações sobre políticas para o homem do campo, um convite para uma reunião do Partido dos Trabalhadores, folhetos com a cronologia da Pastoral da Terra, até santinhos e panfletos de candidatos a cargos políticos de várias gerações.

Cartas: Incontáveis cartas de família foram preservadas por Maria Filomena, enviadas pelos filhos, afilhados e amigos. A mulher que morreu com mais de 100 anos chegou até mesmo a receber orientações de como massagear um ponto específico dos pés para curar doenças do coração.

Construção: O tempo tratou de consumir algumas das fotos de Dona Filomena, mas aquelas que sobreviveram mostram a Marabá de outra época. Um registro histórico da sede atual da CDL, na Praça Duque de Caxias, na Velha Marabá.

Bordado e costura: Maria Filomena fez curso de bordado à distância e alugou uma máquina Singer. Guardava guias e manuais que ensinavam a coser e decorar roupas. Recortava modelos de revistas como inspiração.

São Félix: Lembrança que ela guardava do Festejo da festa do padroeiro de Marabá, São Félix de Valois, em 1945. O documento tem rabiscos, mas ainda preserva informações valiosas que farão 80 anos em 2025.

Recibos: Cuidadosamente, guardou recibos e comprovantes de pagamentos dos bens adquiridos e serviços contratados ao longo do tempo. Pagou por um terreno no cemitério, pelo imposto predial e pelo serviço de luz e força.

Notas diárias: Fragmentos de seus dias foram registrados em pedaços de papel. A visita de um parente, o nascimento de um neto e a lista de compras de determinados dias. A caligrafia torta, mas legível, traçou no papel breves trechos da existência de quem viveu mais de 100 anos.

 

 

(Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)