Correio de Carajás

Agência Mundial Antidoping acusa americanos de fraudes em série

Entidade internacional chama a agência estadunidense de "hipócrita" e dá detalhes das fraudes que teriam sido cometidas por um longo período

Olivier Niggli, diretor-geral da WADA — Foto: Denis Balibouse / Reuters

A Agência Mundial Antidoping (WADA) publicou, nesta quinta-feira, uma nota oficial que apresenta diversos detalhes de uma série de fraudes cometidas pela Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA), ao longo dos últimos anos. O posicionamento da entidade internacional (veja na íntegra, no final da matéria) acontece no dia seguinte à publicação de uma reportagem da Reuters sobre o assunto.

A denúncia indica que os estadunidenses teriam permitido que atletas dopados competissem por anos, sem nunca punir ou impedir que eles participassem dos torneios.

Em nota oficial, a WADA informou que está ciente de, pelo menos, três casos de atletas que competiram por anos, “enquanto agiam como agentes secretos da USADA, sem que a WADA fosse notificada e sem que houvesse qualquer disposição permitindo tal prática sob o código ou as próprias regras da USADA”.

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Barco da delegação dos Estados Unidos na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris, no Rio Sena — Foto: Sina Schuldt/picture alliance via Getty Images
Barco da delegação dos Estados Unidos na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris, no Rio Sena — Foto: Sina Schuldt/picture alliance via Getty Images

A WADA cita o caso de um atleta de elite, sem revelar a identidade dele, que teria competido em eliminatórias olímpicas e eventos internacionais, mesmo tendo admitido ter tomado esteroides e outras substância ilegais. Mesmo assim, foi autorizado pela agência norte-americana a continuar competindo até a aposentadoria.

– Seu caso nunca foi publicado, os resultados nunca foram desqualificados, o prêmio em dinheiro nunca foi devolvido e nenhuma suspensão foi cumprida. O atleta foi autorizado a competir contra seus competidores desavisados ​​como se nunca tivessem trapaceado. Nesse caso, quando a USADA finalmente admitiu à WADA o que estava acontecendo, ela aconselhou que qualquer publicação de consequências ou desqualificação de resultados colocaria a segurança do atleta em risco e pediu à WADA que concordasse com a não publicação. Sendo colocada nessa posição impossível, a WADA não teve escolha a não ser concordar – relatou a WADA na nota oficial.

No final do posicionamento, a Agência Mundial Antidoping chama a USADA de “hipócrita”, em meio às frequentes denúncias dos estadunidenses contra atletas irregulares de outros países, como China e Rússia.

– Como outros atletas devem se sentir sabendo que estavam competindo de boa-fé contra aqueles que eram conhecidos pela USADA por terem trapaceado? É irônico e hipócrita que a USADA grite quando suspeita que outras Organizações Antidoping não estão seguindo as regras à risca, enquanto não anunciou casos de doping por anos e permitiu que trapaceiros continuassem competindo – finalizou a WADA em nota oficial.

O que diz a agência dos Estados Unidos

 

A agência antidoping dos Estados Unidos defendeu a liberação para que os infratores competissem, para atuarem como informantes secretos. Em um dos casos, segundo a USADA, tal assistência forneceu informações para que uma investigação do FBI avançasse sobre um esquema de tráfico de pessoas e drogas.

– É uma maneira eficaz de lidar com esses problemas maiores e sistêmicos – disse o presidente-executivo da USADA, Travis Tygart, à Reuters. A agência não deu mais detalhes sobre o incidente do informante da USADA.

Tygart defende o uso de atletas infratores para expor os mais experientes e para reunir informações sobre criminosos envolvidos em doping e tráfico esportivo.

Travis Tygart, CEO da Usada - autoridade antidoping dos Estados Unidos — Foto: Getty Images
Travis Tygart, CEO da Usada – autoridade antidoping dos Estados Unidos — Foto: Getty Images

O código mundial antidoping, do qual a USADA é signatária, diz que um atleta que ajuda “substancialmente” em uma investigação de doping pode pedir a suspensão de parte de proibições após o processo. Porém, segundo a reportagem da Reuters, não há nenhum trecho que diga que atletas violadores possam continuar competindo, sem serem processados ou sancionados.

Em um comunicado enviado, a agência estadunidense antidoping disse que a WADA estava ciente dos casos antes de 2021 e classificou a declaração da agência global de “uma difamação” em resposta às críticas à forma como a USADA tratou o caso das nadadoras chinesas.

Confira a íntegra da nota oficial da WADA

 

“A Agência Mundial Antidoping (WADA) responde a uma reportagem da Reuters de 7 de agosto de 2024 expondo um esquema pelo qual a Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA) permitiu que atletas que se dopararam competissem por anos, em pelo menos um caso, sem nunca publicar ou sancionar suas violações das regras antidoping, em violação direta do Código Mundial Antidoping e das próprias regras da USADA.

Este esquema da USADA ameaçou a integridade da competição esportiva, que o Código busca proteger. Ao operá-lo, a USADA estava em clara violação das regras. Ao contrário das alegações feitas pela USADA, a WADA não aprovou esta prática de permitir que trapaceiros de drogas competissem por anos com a promessa de que tentariam obter evidências incriminatórias contra outros.

Dentro do Código, há uma disposição pela qual um atleta que fornece assistência substancial pode posteriormente solicitar a suspensão de uma proporção de seu período de inelegibilidade. No entanto, há um processo claro para isso, que não envolve permitir que aqueles que trapacearam continuem a competir enquanto podem ou não reunir evidências incriminatórias contra outros e enquanto podem reter um efeito de melhoria de desempenho das substâncias que tomaram. Quando a WADA finalmente descobriu sobre essa prática não conforme em 2021, muitos anos depois de ter começado, ela imediatamente instruiu a USADA a desistir.

A WADA agora está ciente de pelo menos três casos em que atletas que cometeram violações graves das regras antidoping foram autorizados a continuar competindo por anos enquanto agiam como agentes secretos da USADA, sem que a WADA fosse notificada e sem que houvesse qualquer disposição permitindo tal prática sob o Código ou as próprias regras da USADA.

Em um caso, um atleta de elite, que competiu em eliminatórias olímpicas e eventos internacionais nos Estados Unidos, admitiu ter tomado esteroides e EPO, mas foi autorizado a continuar competindo até a aposentadoria. Seu caso nunca foi publicado, os resultados nunca foram desqualificados, o prêmio em dinheiro nunca foi devolvido e nenhuma suspensão foi cumprida. O atleta foi autorizado a competir contra seus competidores desavisados ​​como se nunca tivessem trapaceado. Nesse caso, quando a USADA finalmente admitiu à WADA o que estava acontecendo, ela aconselhou que qualquer publicação de consequências ou desqualificação de resultados colocaria a segurança do atleta em risco e pediu à WADA que concordasse com a não publicação. Sendo colocada nessa posição impossível, a WADA não teve escolha a não ser concordar (após verificar com seu Departamento de Inteligência e Investigações que a ameaça à segurança era crível). O doping do atleta, portanto, nunca foi tornado público.

Em outro caso de um atleta de alto nível, a USADA nunca notificou a WADA sobre sua decisão de suspender a suspensão provisória de um atleta, o que é uma decisão apelável, apesar de ser obrigada a fazê-lo sob o Código. Se a WADA tivesse sido notificada, ela nunca teria permitido isso.

Como outros atletas devem se sentir sabendo que estavam competindo de boa-fé contra aqueles que eram conhecidos pela USADA por terem trapaceado? É irônico e hipócrita que a USADA grite quando suspeita que outras Organizações Antidoping não estão seguindo as regras à risca, enquanto não anunciou casos de doping por anos e permitiu que trapaceiros continuassem competindo, na remota possibilidade de que pudessem ajudá-los a pegar outros possíveis violadores. A WADA se pergunta se o Conselho de Diretores da USADA, que governa a USADA, ou o Congresso dos EUA, que a financia, sabiam sobre essa prática não conforme que não apenas minou a integridade da competição esportiva, mas também colocou a segurança dos atletas cooperantes em risco”.

(Fonte:G1)