Correio de Carajás

Mãe de Crisan esclarece morte do filho e ONG Viver LGBT debate assunto

"O que eu mais queria hoje era que esse pesadelo acabasse e eu tivesse o meu filho para me abraçar," desabafa Leiliane Costa, a mãe/ Fotos: Evangelista Rocha

A morte de Crisan César Costa dos Santos, de 19 anos, em Marabá, gerou uma onda de indignação após o Grupo Atitude LGBT+ apresentar uma denúncia em formato de reportagem contra a mãe do jovem por suspeita de injúria racial, tentativa de homicídio e instigação ao suicídio. No entanto, a publicação que circula nas redes sociais carece de uma análise crítica, falhando em apresentar a versão da família e divulgando acusações sem comprovação. Este comportamento não só ignora os princípios básicos do jornalismo responsável como, também, agrava a dor de uma mãe que já enfrenta a perda do filho.

A reportagem do Correio de Carajás foi à residência de Leiliane Antônia Rocha Santos, a qual contou que, desde março de 2023, sua vida e a de Crisan mudaram radicalmente. Até o início do ano passado, Crisan foi descrito por ela como um jovem tranquilo, que levava uma vida normal. “Eu já sabia da orientação sexual dele, e nunca dei um tapa por causa disso. A única coisa que eu sempre pedi foi para ele se cuidar,” relembra. A situação começou a mudar quando o jovem foi diagnosticado com HIV, levando a uma deterioração em sua saúde mental.

ACUSAÇÕES DE HOMOFOBIA E DEFESA MATERNA

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Nas redes sociais e até por portais de notícias, surgiram acusações de homofobia contra Leiliane, alegando que ela havia agredido seu filho devido à orientação sexual dele. À reportagem, ela nega veementemente essas acusações. “Eu nunca agredi meu filho devido à sua orientação sexual. Eu o acolhi e a família toda também,” afirma. Ela reconhece que houve momentos de conflito, mas esclarece que as agressões não estavam relacionadas à orientação sexual de Crisan, e sim a outros problemas, como a rejeição do próprio filho ao diagnóstico de HIV.

O DIAGNÓSTICO E A SAÚDE MENTAL DE CRISAN

Crisan passou a enfrentar problemas psicológicos significativos após a descoberta da doença. Leiliane explica que ele estava em tratamento psicológico e psiquiátrico. “A psicóloga me alertou para tomar cuidado para ele não fazer nada contra mim, minha filha ou ele mesmo,” relata. Ela também compartilha um incidente em que Crisan a agrediu fisicamente durante uma tentativa de retirar seu celular à noite, conforme orientação médica para reduzir seu tempo de tela. “Eu bati nele com uma vassoura em autodefesa. Ele teve um corte superficial e postou sobre isso nas redes sociais,” disse.

O jovem Crisan Santos morreu na segunda-feira, 15, no Hospital Municipal de Marabá

A ÚLTIMA NOITE: DETALHES DO TRÁGICO EVENTO

Na madrugada do dia 14, Crisan foi encontrado inconsciente após enviar mensagens e fotos alarmantes a amigos, incluindo imagens de remédios e sangue. “Eu fui acordada pela minha sobrinha, que recebeu uma ligação de uma amiga em comum. Quando cheguei ao quarto dele, Crisan estava caído com sangue ao redor,” conta. Ele foi rapidamente levado ao Hospital de Guarnição de Marabá (HguMba) e, posteriormente, transferido para o Hospital Municipal de Marabá, onde foi internado na UTI.

COMPLICAÇÕES MÉDICAS E A CAUSA DA MORTE

No hospital, Crisan enfrentou uma série de complicações médicas. Segundo Leiliane, ele sofreu falência renal, pressão arterial baixa e uma infecção que estava sendo investigada. “A causa da morte dele foi broncoaspiração, pneumonia e complicações relacionadas ao HIV,” esclarece. “Ele foi internado na sexta-feira, transferido para a UTI no sábado e faleceu no domingo à noite”, detalha.

REAÇÃO E PROVIDÊNCIAS LEGAIS

O advogado da família, Kleiton Barbosa, informou que tomará providências legais em resposta às acusações de homofobia e ao linchamento virtual sofrido pela família. “Vamos à Seccional (de Polícia Civil) realizar os procedimentos necessários. Ficamos sabendo que dois grupos foram prestar queixa, e nós também vamos prestar queixa por denúncia caluniosa e em relação ao linchamento virtual que a família está sofrendo. A internet não é terra de ninguém; as pessoas precisam ter compromisso e responsabilidade,” afirma o advogado.

A morte de Crisan revisitou questões delicadas e gerou um debate acalorado nas redes sociais. A família, agora, busca esclarecer os fatos e lidar com as consequências dessa tragédia. “O que eu mais queria hoje era que esse pesadelo acabasse e eu tivesse o meu filho para me abraçar,” desabafa Leiliane.

Em meio à dor e à controvérsia, a busca por justiça e verdade continua, enquanto a comunidade de Marabá reflete sobre as complexas dinâmicas de aceitação, saúde mental e responsabilidade social.

Enquanto o Grupo Atitude LGBT+ foca em apresentar denúncias contra a mãe de Crisan, a ONG Viver LGBT busca um panorama local e social sobre as circunstâncias que levaram Crisan a esse desfecho trágico.

Desde que tomou conhecimento do caso, a organização iniciou uma busca por informações junto a amigos e familiares de Crisan. Segundo Tay Marquioro, à frente da entidade, muitos têm atribuído a culpa a terceiros sem provas concretas, mas é importante investigar a fundo os eventos que levaram à morte do jovem. “É natural que as pessoas procurem um culpado em momentos de tragédia, mas queremos que se investigue quais eram as circunstâncias da vida do Crisan”, afirma.

“Nós falhamos enquanto sociedade”, afirma Tay Marquioro, coordenadora da ONG Viver LGBT

CONDIÇÕES DE VIDA E SUPORTE PSICOLÓGICO

Crisan vivia sob grande sofrimento psicológico e usava medicação, fato confirmado por familiares. A ONG destaca que, apesar de a causa da morte ter sido pontuada inicialmente como suicídio, o mais importante é entender as condições de vida e o tipo de suporte que ele recebia. “Precisamos investigar qual era a circunstância em que esse garoto vivia. Ele preferiu tentar contra a própria vida do que voltar para a vida que tinha antes”, diz.

CONTEXTO DE DISCRIMINAÇÃO E FALHAS SOCIAIS

A coordenadora da ONG aponta que a sociedade marabaense, descrita por ela como de maioria fervorosamente religiosa, coloca frequentemente a comunidade LGBT em oposição aos valores de fé e religiosidade, o que agrava a discriminação. “Falhamos como sociedade quando preferimos discriminar em vez de acolher. Levar um jovem LGBT à força para uma igreja, esperando que ele mude, é uma falha grave. Devemos acolher e dizer que ele é amado”, destaca.

A ONG, em colaboração com a Comissão da Diversidade da OAB, compilou um relatório detalhado sobre o caso e notificou o Ministério Público Estadual. A entidade defende que, mesmo que a morte não tenha um responsável direto, é crucial investigar se houve instigação ou falta de apoio adequado, seja por familiares, colegas de trabalho ou outras pessoas em convívio com Crisan. “A pessoa LGBT sofre discriminação em todas as esferas. Precisamos responsabilizar quem instigou ou deixou de prestar apoio” aponta Tay.

REFLEXÃO E PREVENÇÃO

A ONG conclui que a morte de Crisan deve servir como um alerta para a sociedade e as autoridades sobre a necessidade urgente de acolhimento e suporte adequado para jovens LGBT. Prevenir futuros casos semelhantes requer um esforço conjunto para entender e melhorar as condições de vida desses jovens, garantindo que recebam o apoio necessário para viver com dignidade e respeito. (Thays Araujo)

NOTA DA COMISSÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL DA OAB SUBSEÇÃO MARABÁ

Leia, abaixo, a nota divulgada esta semana pela Comissão da Diversidade Sexual da OAB Subseção Marabá sobre o caso:

“A Comissão da Diversidade Sexual da OAB Subseção Marabá lamenta profundamente a morte do jovem Crisan César Costa dos Santos. Desde que fomos informados do ocorrido, temos, dentro de nossas competências, apurado os fatos e acompanhado as investigações. Infelizmente, a homofobia é uma realidade em nosso País, e está presente em muitas famílias, contribuindo para o alto índice de suicídio entre jovens LGBTQ+, há pesquisas que indicam que pessoas LGBTQ+ tem 6x mais chances de cometerem suicídio.

 Há suspeitas de que a falta de apoio e homofobia possam ter sido causas do óbito de Crisan, uma hipótese que, se confirmada pela investigação da Polícia Civil, poderá levar à responsabilização dos envolvidos. Neste momento, pedimos respeito e prudência, para que, na ânsia por justiça, não promovamos justiçamento e linchamento virtual.

Prestamos nossas condolências a todos que conheciam, conviveram, tinham carinho e respeito pelo Crisan. Que sua memória inspire uma reflexão sobre a importância do apoio e da aceitação em nossas famílias e comunidades”.