Correio de Carajás

Por que você não deve blindar seu filho contra a sujeira

Contato com uma quantidade segura de germes contribui para o fortalecimento do sistema imunológico. Evitar o convívio com microrganismos pode tornar a criança mais suscetível a alergias e doenças.

Brincadeiras em ambientes abertos são momentos importantes para o contato da criança com microrganismos. — Foto: Freepik

As vitaminas são essenciais para o desenvolvimento humano. Sejam as do complexo B, que dão energia, ou a vitamina D, que ajuda a fortalecer os ossos, essas substâncias contribuem diretamente para o crescimento das crianças.

E, talvez tão importantes quanto elas, seja uma muito conhecida dos pais: a vitamina S (de sujeira).

💊Apesar de não ser efetivamente uma vitamina, a sujeira muitas vezes é apelidada dessa forma porque também cumpre um papel fundamental no desenvolvimento das crianças.

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Isso porque o contato com microrganismos – ou, popularmente, a sujeira – permite que a criança fortaleça seu sistema imunológico. Assim, o excesso de cautela no cuidado dos pequenos pode fazer com que fiquem mais suscetíveis a alergias e outras doenças.

Imunidade infantil

 

Antes de entender o papel que o contato com microrganismos exerce no desenvolvimento infantil, é preciso lembrar que a imunidade das crianças é construída de diversas maneiras.

🦠O sistema imunológico tem a função de proteger o corpo de infecções causadas pela entrada de patógenos no organismo. Na infância é quando esse mecanismo de defesa se forma, com a produção de anticorpos podendo acontecer principalmente de duas formas distintas:

  • Inata: é a resposta imune que a criança possui desde o nascimento. É promovida pelas barreiras naturais do corpo, como pele, mucosa e glóbulos brancos e é considerada inespecífica, porque não demanda o contato prévio com um invasor;
  • Adquirida: é uma resposta imune mais especializada, que necessita do contato com algum microrganismo nocivo.

 

Renato Kfouri, pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), afirma que a formação da imunidade inata começa muito cedo, ainda com o bebê dentro da barriga da mãe.

“Evidências mostram que até dentro do próprio útero o bebê já tem contato com bactérias que futuramente vão para o intestino e auxiliam na formação da microbiota intestinal”, comenta.

 

👉A microbiota intestinal é o conjunto de microrganismos que vive em harmonia no intestino humano. Esses organismos ajudam na digestão de alimentos, na produção de vitaminas e no fortalecimento do sistema imunológico. O corpo também convive harmonicamente com microrganismos na pele, nariz, boca, entre outros.

Kfouri, que também é infectologista, ainda explica que a programação da resposta imune do corpo é muito influenciada pelo que acontece nos primeiros mil dias de vida. E, nesse contexto, é que surge a importância do contato com microrganismos.

Vitamina S

 

Cristiane Guzzo, microbiologista e professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, explica que é importante que a criança esteja em contato com a sujeira para a formação do sistema imune. Essa convivência ensina o corpo como é viver em sociedade.

Assim, o contato com outras crianças, com a areia nos parquinhos e com os brinquedos no chão são responsáveis por orientar o sistema imunológico para que ele funcione corretamente.

“É preciso ter uma diversidade biológica para que a resposta imune seja modulada”, analisa Kfouri.

 

Apesar desse convívio ser importante, os especialistas também ponderam que é preciso ter cuidado para não expor as crianças a microrganismos que podem ser nocivos, que podem causar alguma doença mais grave.

“Esse contato tem um limite. A criança tem que ser exposta ao meio em que vive dentro de uma naturalidade. Ela precisa ter contato com uma dose segura de microrganismo para que crie defesas”, alerta.

 

Superproteção é um problema

 

Se é necessário estar atento a situações em que as crianças possam ficar expostas a agentes patogênicos, por outro lado, a superproteção também pode ser um problema.

Segundo Cristina, a falta de contato com microrganismos pode fazer com que a criança desenvolva um sistema imunológico frágil, o que tende a gerar problemas de saúde no decorrer da vida.

“Criar uma bolha para a criança é tão ruim quanto ter contato com doses perigosas de microrganismos. A criança vai conviver em sociedade e precisa estar pronta para isso”, compara a microbiologista.

 

Kfkouri também pontua que a falta de exposição a microrganismos pode fazer com que a resposta a infecções seja mais demorada, levando a quadros mais graves de determinadas doenças.

Além disso, ele comenta que já se observa um maior número de crianças alérgicas, justamente pelo menor contato que se tem com ambientes externos, por exemplo.

“A diversidade dessas bactérias protetoras é o que vai nos proteger de infecções e também de doenças alérgicas no futuro. Então esse convívio, quando criança, é essencial”, comenta.

(Fonte:G1/Júlia Carvalho)