Uma escola simples, rústica e precisando de reforma. Ela está localizada na zona rural de Marabá, mas mesmo assim tem alcançado feitos notáveis com seus estudantes. Para celebrar não só esses resultados, mas também seus 10 anos de (re)existência, a Escola Família Agrícola da Região de Marabá (EFA) realizou um evento especial.
Todo o sábado, 18, foi dedicado ao “Dia D da Família na Escola” e reuniu servidores da EFA, alunos, pais e familiares. Localizada no km 23 da BR-230, a escola preparou uma programação singular, que contou com leitura de cordéis, apresentações de dança e música, sessão de autógrafos, almoço e até um bingo.
O momento em que os 22 alunos do 8º e 9º ano assinaram o livreto com seus cordéis foi um dos mais aguardados do dia. Além de guardarem para si um exemplar da obra, as famílias dos autores também foram presenteadas com o pequeno livro, uma maneira de conservar em casa a memória física de um dia que jamais será esquecido.
Leia mais:Um dos livretos recebe o título “Uma história entre versos: 10 anos de lutas, conquistas e persistências”, e reúne os textos produzidos pelos alunos a partir de temáticas trabalhadas em sala de aula. O projeto é encabeçado por Laís de Nazaré dos Santos, 31, e Kamila Oliveira Lopes, 28, professoras de língua portuguesa e geografia, respectivamente.
Na obra, os jovens cordelistas retratam os 10 anos de história recente da EFA, passando pela trajetória da liderança quilombola Fátima Barros, e memória de lutas e resistência das pessoas que atuam pela Amazônia, como os ativistas ambientais Zé Cláudio e Maria, Chico Mendes e Irmã Dorothy. Os textos homenageiam o lugar que é muito mais que uma escola, pois a EFA é um verdadeiro lar para essas crianças.
É Laís quem conta sobre as adversidades que os alunos tiveram que superar até que seus trabalhos, enfim, virassem um livreto. Ao longo do projeto eles tiveram que aprimorar a escrita e o letramento.
“No decorrer do projeto a gente vê que eles se desenvolvem bastante, até pela nossa metodologia, nós temos como dar mais atenção para eles. É questão de leitura, de interesse, e de sonhos também”, compartilha.
Laís também se orgulha em falar que os alunos se inspiram uns nos outros, principalmente naqueles que já são conhecidos na EFA como escritores. Eles se reconhecem nos colegas que partilham da mesma vivência.
Para Kamila o sentimento é de completude. “Nós estamos felizes que eles e o projeto chegaram até aqui. Eles conseguiram alcançar um nível que a gente esperava e até mesmo além”, celebra.
DE ITUPIRANGA PARA A EFA
O jovem Marcos Vinícius Ferreira Souza, 15 anos, estudante do 9º ano, é um dos cordelistas que distribuíram autógrafos no sábado. Para a reportagem do CORREIO, ele revela que em um primeiro momento não houve muito interesse em produzir um cordel, mas, quando a vontade surgiu, a experiência foi muito boa.
“Agora eu tô me sentindo muito importante”, diz, sorrindo. O menino tece elogios ao lugar onde estuda há três anos e afirma que recomenda a escola para todos os colegas.
Ao lado dele estava a madrasta, Lucilene Gomes dos Santos, servente e estudante de pedagogia, que não esconde a admiração pelo enteado, os dois filhos (Everson e Leverson) e as duas sobrinhas (Milena e Érica), que ela cria após a morte da irmã. Questionada sobre a escolha de matricular as crianças em uma escola fora do seu município, ela explica que tudo se resume à qualidade do ensino. E a sessão de autógrafos é apenas a cereja do bolo.
“É um incentivo, as crianças estão felizes porque vão autografar algo que eles produziram. Teve uma pessoa que olhou para eles com carinho e pensou ‘eu vou colocar isso aqui, vou mandar para uma gráfica e vocês vão ser escritores’. Não tenho palavras para expressar como é que eu tô me sentindo hoje”.
Durante a cerimônia, Lucilene e os filhos Leverson e Everson, gêmeos que estão no 7º ano, receberam das mãos da professora Laís uma caixa especial, contendo um livreto de cordel feito com produções dos alunos e com registros da evolução deles na escrita e alfabetização.
SOBRE A EFA
O diretor da escola, Rafael Marques Soares, explica que a história da EFA pode ser dividida em dois momentos: o primeiro, de 1994 até 2010, marcado pelo início do plano até o seu fechamento, na antiga FATA. O segundo momento teve início no dia 19 de maio de 2014 e segue com as atividades até hoje, mantidas por uma equipe de professores dedicada e com apoio da Prefeitura de Marabá, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SEMED).
A rotina escolar dos alunos se divide em “tempo escola” e “tempo comunidade”, uma vez que eles alternam duas semanas morando na EFA e outras duas em casa. A alternância é feita em rodízio, enquanto alunos do 6º e 7º permanecem na instituição, os de 8º e 9º estão com suas famílias, e vice-versa.
Durante a celebração de sábado, Rafael relembrou os momentos difíceis que a instituição viveu em seus anos iniciais e relembrou nomes importantes na primeira fase dessa jornada. O sentimento de gratidão e de luta transpareceu em toda a fala e no semblante de todos que estavam presentes ao evento.
Da hidroponia para o gado: os sonhos dos gêmeos de S. João
Antônio e Joaquim têm 12 anos. Como gêmeos, compartilham mais do que o sobrenome Santos da Silva, mas também a escola onde estudam (EFA), o trabalho na roça do pai com hidroponia e cuidados com o gado. Além disso, ainda os sonhos: os dois desejam ir para o IFPA e, depois, entrar em um curso na área de cuidados com animais, possivelmente técnico agrícola. Fazem parte de uma família de seis irmãos – todos homens.
A cada 15 dias, os gêmeos saem de casa, na zona rural de São João do Araguaia, para a Escola Família Agrícola, em Marabá, onde cursam o 7º ano do ensino fundamental. O pai cultiva a hidroponia e eles se dizem responsáveis por ajudar nos cuidados com alface e também com a horta. “Nós vendemos bem. Já fizemos entregas de até 400 pés de cebolinha e umas 750 alfaces”, orgulha-se Antônio.
A função de Antônio e Joaquim no cuidado do dia a dia é realizar a adubação e vistoriar se os caninhos que transportam a água não estão entupidos.
Na EFA, os dois aprenderam a usar extrato de neem, que elimina os insetos que atacam as lavouras, levando-as à morte por causa de sua ação repelente. A ideia foi levada e aplicada em casa e os dois irmãos esperam aprender ainda mais para levar boas sugestões para a propriedade do pai.
Mas os meninos têm muitos outros ensinamentos a aprender e a compartilhar – em casa e na escola. Para eles, os dois ambientes são especiais, porque em um convivem com a família e trabalham com o que gostam; no outro, fortalecem as amizades com os colegas, aprendem na EFA e amadurecem ainda mais. “Aqui nós também jogamos vôlei, futebol e ping-pong. Inclusive, somos os melhores da escola”, garante Antônio.
Na escola atual, Antônio de matemática e Joaquim de educação física e juram que não costuma brigar, nem em casa nem na escola. “Eu prefiro ficar aqui na EFA do que em casa, com meus irmãos, porque eles são mais velhos e batem na gente”, revela Joaquim.
(Luciana Araújo)