Em Os Vingadores: Guerra Infinita, que bateu recorde de bilheteria ao estrear no Brasil em abril deste ano, quase todos os heróis da Marvel são reunidos em um único filme para evitar que o titã Thanos (Josh Brolin) consiga seu objetivo de coletar as seis “Joias do Infinito” e assim destrua metade dos seres vivos do Universo.
Descritas como seis artefatos cósmicos extraordinariamente poderosos, as pedras apareceram em várias produções da Marvel na última década, mas nunca antes juntas.
Nos filmes, elas são capazes de voltar no tempo, abrir portais em diferentes galáxias e destruir planetas inteiros, e a possibilidade de um vilão por as mãos nas seis pedras representaria uma grande ameaça para os heróis da Marvel.
Leia mais:Apesar da ameaça da combinação das pedras ser a novidade desse último lançamento dos Vingadores, a mitologia por trás dessas pedras místicas não é nada nova.
As mentes criativas da Marvel diversas vezes incorporaram influências mitológicas em suas histórias, desde o conceito da jornada do herói do mitólogo Joseph Campbell em Homem Aranha até a cooptação direta de figuras mitológicas como Thor, Loki e Odin. As Joias do Infinito fazem parte dessa tendência e são apenas o mais recente exemplo da celebração humana das pedras mitológicas.
Desde a crença viking relacionando trovões à criação de pedras (as chamadas “thunderstones“, ou pedras de raio) até a medieval Ordem dos Lapidários, que acreditava que pedras preciosas podiam afastar o mal, praticamente toda cultura crê em alguma lenda sobre pedras místicas.
Um exemplo é a pedra filosofal, a joia da alquimia que é capaz de tornar chumbo em ouro e produzir o elixir da vida, que se manteve tão universalmente relevante que é um ponto principal de obras tão diversas quanto os livros de Harry Potter, o mangá japonês Fullmetal Alchemist, um desenho do Tio Patinhas com participação do Pato Donald e um filme do cineasta indiano Satyajit Ray.
A pedra filosofal até virou título de um álbum do Van Morrison.
Mas isso é só a ponta do iceberg. As pedras procuradas pelos super-heróis de hoje são conhecidas por seu poder de dobrar as leis da natureza e são joias que poderiam dar a seu dono o controle das marés, por exemplo.
Os romanos até disseram ter a posse desse tipo de artefato, mergulhando uma pedra especial conhecida como “lapis manalis” na água com a esperança de que isso trouxesse chuva em um ritual conhecido como aquaelicium.
Buscando sentido
Apesar de ser difícil dizer se essas lendas precursoras tiveram alguma influência sobre os autores dos livros em quadrinhos hoje, sua abrangência geográfica aponta que as pedras místicas não pertencem a nenhuma cultura em particular, mas vêm das profundezas da consciência coletiva humana.
Portanto, a verdadeira questão não é se essas pedras lendárias são tão comuns no mundo todo, mas sim por quê. De acordo com os escritos do historiador de religiões George F Moore, as pedras herdaram um papel de significância religiosa bem cedo na História humana.
Moore explica que as pedras conquistaram sua posição elevada no mundo do divino servindo como substitutos de altares para os primeiros fiéis, com uma predileção especial por pedras que ou eram enormes ou tinham uma forma peculiar, já que se acreditava que elas haviam sido esculpidas assim intencionalmente pelas mãos de forças divinas.
No entanto, um dos primeiros registros escritos vem dos gregos, que mencionavam repetidamente as pedras Baetylia, talvez as primeiras “pedras da alma”.
Acreditava-se que essas pedras tinham dentro de si a força de vida dos deuses, com um espírito que podia lhes dar a habilidade de se mover por vontade própria e, em alguns casos, até de falar.
É compreensível que povos antigos cultuassem essas pedras considerando que, de tempos em tempos, elas de fato caíssem do céu.
Para os que ainda não haviam explorado os segredos da galáxia, uma chuva de meteoros sem dúvida seria vista como uma bênção da natureza, então qualquer meteorito que se conseguisse coletar seria visto naquela época como algo com uma conexão com o divino.
Enquanto as Joias do Infinito são uma referência a um dos nossos mais antigos mitos, o vibranium de Wakanda diz respeito a nossa história. A mineração de meteoritos não é meramente uma invenção de quadrinhos, mas uma prática que existiu de verdade há milhares de anos.
Há evidências de que os inuítes da Groelândia tentaram explorar meteoritos que caíram na região de Cape York através da mineração, enquanto o meteorito Descubridora, achado no México no século 19, tinha uma talhadeira de cobre em uma fenda, o que sugere que havia mineração do meteoro ali também.
Pesquisadores dizem até que uma das adagas encontradas na tumba de Tutancâmon seria feita de ferro tirado de um meteoro, devido à sua incomum concentração de níquel, uma marca típica de ferro de fontes extraterrestres.
No caso do Egito, muitos dos artefatos feitos a partir do ferro de meteoros vêm de uma época anterior à da popularização da fundição do ferro, o que significa que o bronze ainda era a alternativa mais comum.
Assim como o vibranium de Wakanda, o ferro de meteoritos era considerado tremendamente valioso devido a sua raridade e relativa boa durabilidade.
Como escreveu Virginia Woolf certa vez, “a própria pedra que alguém chuta com a bota vai durar mais que Shakespeare”.
O fato de que a busca por pedras mágicas continua sendo um ponto crucial de enredos nos mais famosos blockbusters da sociedade contemporânea sugere que não é só a pedra que é destinada a durar uma eternidade, mas também nossa devoção a ela.
No entanto, apesar de hoje olharmos para as mais antiquadas crenças sobre pedras e joias com a curiosidade que nos é permitida apenas por viver na época em que vivemos e apesar da maioria dessas religiões terem morrido, a crença genuína em propriedades mágicas das pedras continua ainda hoje.
Visitantes vão em bandos ao Castelo Blarney, na Irlanda, beijar uma pedra na esperança de que ela lhes dê uma boa eloquência. A lendária Pedra de Londres é mantida em segurança em um museu, em meio a lendas segundo as quais sua remoção causaria o colapso da cidade. Torcemos o nariz para práticas medicinais medievais, mas há um mercado online em ascensão de “pedras que curam”, como a ametista ou a água marinha, uma versão moderna da medicina lapidária.
Por outro lado, vale notar que nossa devoção a pedras não é de todo infundada. Apesar de não possuirmos pedras que nos permitam domar as marés, minerais como a pederneira podem ser usados para acender fogos e o quartzo, com propriedades de gerar tensão elétrica, deram aos humanos, de certa forma, algum grau de domínio dos elementos.
Mesmo distante da crença de que algumas pedras poderiam repelir venenos quando usadas em volta do nosso pescoço, suplementos minerais têm se mostrado bastante úteis no tratamento de uma variedade de doenças na medicina moderna.
Isso certamente é menos místico que nossas superstições arcaicas, mas talvez essas aplicações mais práticas das pedras tenham deixado uma marca indelével na humanidade.
Talvez agora as pedras poderosas da Marvel pareçam menos uma fantasia e mais uma referência a uma crença consolidada.
No centro do filme está uma das mais antigas e perpetuadas fascinações humanas, uma camada a mais sobre a rica tapeçaria de alusões a muitas lendas do passado. Com uma história que vai da Idade da Pedra às Pedras do Infinito, parece que nossa obsessão coletiva com esses objetos místicos não deve acabar tão cedo. (Fonte: BBC)