Cientistas do Centro VIB-KU Leuven de Pesquisa sobre Cérebro e Doenças, na Bélgica, descobriram um novo mecanismo envolvido nos estágios iniciais do Alzheimer, antes mesmo da formação das placas de proteína no cérebro. Segundo os pesquisadores, isso pode levar a novos rumos para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes contra a doença.
O Alzheimer representa de 60% a 70% de todos os casos de demência, declínio cognitivo que deve atingir 139 milhões de pessoas até 2050, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, há poucos tratamentos efetivos – nenhum consegue interromper ou reverter os sintomas – e ainda se sabe pouco sobre o que de fato causa a doença em primeiro lugar.
Um dos únicos mecanismos ao qual o Alzheimer tem sido associado nas últimas décadas é a formação de placas de proteínas, principalmente a beta-amiloide, no cérebro. Ao não serem devidamente descartadas pelo organismo, elas se acumulam em pacientes com a doença e destroem os neurônios.
Leia mais:Por isso, o desenvolvimento de medicamentos tem se voltado, em sua maioria, ao uso de anticorpos monoclonais para eliminar essas placas na esperança de atenuar ou reverter o quadro clínico característico do Alzheimer, como a perda de memória.
A alternativa que demonstrou maior potencial até agora, aprovada no ano passado nos Estados Unidos, foi o lecanemabe, vendido sob o nome comercial de Leqembi pelas farmacêuticas Biogen e Eisai. No entanto, ainda que tenha eliminado as placas amiloides do cérebro, o impacto clínico foi limitado – o tratamento somente retardou o ritmo do declínio cognitivo em 27% durante um período de 18 meses para pacientes no começo da doença.
Por isso, cientistas têm buscado identificar outros mecanismos mais iniciais que possam ser alvos de estratégias terapêuticas mais eficazes e, com isso, vislumbrar um futuro em que a doença pode até mesmo ser impedida. Agora, os pesquisadores belgas publicaram na revista científica uma descoberta que leva a ciência mais perto desse objetivo.
Eles identificaram uma molécula que interrompe a comunicação entre partes da célula cruciais para o armazenamento de cálcio e a eliminação de resíduos, o que precedeu a formação das placas de proteína e a morte de células neuronais. Para os responsáveis pelo estudo, as descobertas “sugerem que a prevenção do acúmulo de APP-CTF (a molécula identificada) precisa ser levada em consideração para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes”.
Para entender o que é a APP-CTF, os pesquisadores explicam que existe uma proteína chamada precursora de amiloide (APP), que é encontrada nas membranas celulares dos neurônios. Ela é constantemente quebrada pelo cérebro e substituída por unidades novas. Esse processo de degradação envolve uma “tesoura enzimática”, a gama-secretase, e os resíduos da APP são justamente os peptídeos beta-amiloide, que se acumulam nos pacientes com Alzheimer.
Por isso, imaginava-se que bloquear a ação da gama-secretase poderia evitar a formação das placas características do Alzheimer. No entanto, os cientistas observaram que, ainda assim, ocorria o acúmulo de uma outra substância, um fragmento da própria APP, no interior da célula: o o APP-CTF. Ao analisar a fundo, observaram que essa molécula também era tóxica para o neurônio.
Isso porque ela se aloja entre o retículo endoplasmático (ER), que produz lipídios e armazena cálcio, e os lisossomos, as chamadas “lixeiras” dos neurônios, essenciais para a degradação dos resíduos da célula. “Ao fazer isso, os APP-CTFs interrompem o delicado equilíbrio de cálcio nos lisossomos”, explica a pesquisadora Marine Bretou, primeira autora do estudo, em comunicado.
“Essa interrupção desencadeia uma cascata de eventos. O ER não consegue mais reabastecer os lisossomos com cálcio, o que leva a um acúmulo de colesterol e a um declínio na sua capacidade de decompor os resíduos celulares. Isso resulta no colapso de todo o sistema endolisossômico, uma via crucial para a manutenção de neurônios saudáveis”, continua.
Os cientistas sustentam que essa ação do APP-CTF ocorre antes mesmo da formação das placas amiloides e do surgimento de sintomas da doença, podendo representar uma das primeiras disfunções nos neurônios ligadas à doença de Alzheimer.
“Essa pesquisa avança significativamente nossa compreensão das possíveis causas da doença nos estágios iniciais do Alzheimer. (…) Isso tem implicações significativas para as abordagens terapêuticas atuais que visam a eliminar as placas amiloides do cérebro da doença, pois elas tendem a ignorar os efeitos tóxicos de outros fragmentos”, dizem em comunicado.
(Fonte: O Globo)