Emprego novo, cursando o fim do ensino médio, visual repaginado e livre do vício. Desde que viralizou em 2020, ao dançar “Holiday”, de Madonna, em um bar em Manaus, Amazonas, a ex-usuária de drogas Maria Solange Amorim vive uma realização atrás da outra, aos 54 anos.
Atualmente morando em Guarulhos, na Grande São Paulo, a mulher que ficou conhecida como “Marina Silva de Manaus” ainda sonha em conhecer a rainha do pop.
As expectativas de ao menos ver a cantora aumentaram com os rumores de um show na Praia de Copacabana, em maio deste ano, apesar de não ter anúncio oficial.
Leia mais:“Quero muito conhecer essa mulher de perto, quem sabe dar um abraço e agradecer pessoalmente. Olhar no fundo do olho e dizer o quanto eu oro por ela e a vida dela”, disse Maria ao g1.
O vídeo viralizado há quatro anos de Maria no bar chegou até Madonna. Maria Solange foi gravada quando resolveu enfrentar o luto do filho assassinado aos 24 anos com uma homenagem em forma de dança e música.
A artista repercutiu o registro no perfil dela em uma rede social e mobilizou uma força-tarefa entre brasileiros que ajudaram a mudar a vida da ex-usuária.
“Você está se sentindo sem esperança hoje? A vida parece ser uma notícia ruim atrás de outra? O apocalipse parece estar perto? Eu acho que muitos de nós nos sentimos do mesmo jeito. Em dias como esses, nós só temos que aumentar a música e dançar”, escreveu a cantora na legenda da postagem.
Naquele ano, o projeto social Parceiros Brilhantes, de Manaus, viu a postagem de Madonna e ofereceu o apoio.
Maria passou oito meses por tratamento contra a dependência química em uma clínica em Araçoiaba da Serra, no interior de São Paulo. Ela também ganhou tratamento odontológico e reencontrou a família ao fim do procedimento.
“Sou uma mulher realizada, sóbria e limpa há 4 anos. O meu propósito era voltar à rotina, estudar, trabalhar e caminhar com as minhas próprias pernas. E tudo isso está acontecendo na minha vida. Estou já no ensino médio, depois de anos longe da sala de aula, mas nada que não possa ser recuperado. Ainda estou viva.”
‘Eu vou dançar pro meu filho!’
Maria nunca velou Pedro Paulo, o filho, mas sabe que o rapaz foi executado em Manaus. Ele também era usuário, segundo ela. Três meses depois da morte, ela foi ao bar de conhecidos, pediu que tocassem uma música e disse que dançaria para Xavier, como chamava o filho.
“Por dentro era como se eu permanecesse viva, mas sem coração. Era como se um trator tivesse passado por cima do meu coração. Cheguei para o dono bar e disse para colocar uma música para eu dançar para o meu filho. Pois não é que saiu ‘Holiday’? Estava escrito nas estrelas. Desde os 14 anos eu sou apaixonada pela Madonna”, revela.
“Aquela dança era para ele, era a minha dor que eu queria transbordar. Era meu sentimento de culpa. Até então eu me culpava pela morte, por não ter dado um bom exemplo. Somos os espelhos dos nossos filhos. Vão querer ser o que a gente é. Foi assim que aconteceu comigo. Meu filho dizia para eu não me culpar, porque ele usava porque ele queria usar, que eu não tinha colocado na boca dele. Não quero que mãe nenhuma passe pelo que eu ainda passo hoje. Os filhos foram feitos para enterrar os pais”, disse ao g1 na segunda-feira (11).
Mãe e filho não chegaram a ficar em situação de rua, afirma Solange. Ela pagava uma diária de R$ 30 a um hotel onde moravam também outras pessoas que eram usuárias de drogas.
32 anos de vício e ‘mula do tráfico’
Maria é a caçula de quatro irmãos e ficou sem contato com parte da família por 30 anos. O vício no crack e em outras drogas transformou a mulher de Fortaleza, no Ceará, em uma “mula” — o termo usado para pessoas que transportam entorpecentes de forma consciente ou não.
A rota era entre Fortaleza e Manaus, e foi feita quatro vezes. Na última, ela não voltou mais ao Nordeste e permaneceu com o filho no Norte do país.
“Infelizmente, no meu passado, eu tive essa péssima escolha. A escolha de viver um mundo obscuro. Teve gente da minha família que chorou minha morte. Foram muitos anos sem contato, sem telefone.”
Quando chegou a Manaus e ficou, em 2009, “tudo desandou”, lamenta. Ela tinha 39 anos, e o filho era adolescente.
“Eu via muitas mortes, pessoas que perdiam suas pernas, seus braços, seus olhos, sua língua por falar demais. Eu vi gente morrer ao meu lado. Eu sempre tive fé. E eu oro muito e quando acabava [a droga], eu dobrava o meu joelho e orava a Deus. Eu dizia assim: ‘Deus, eu sei que não é do seu agrado, mas eu sou tua filha, então, segura a minha onda. Não permita que eu saia pelas ruas de Manaus para roubar, para matar.”
Retorno à sala de aula
Maria retomou o contato com a família em 2021 e permaneceu até novembro na casa de uma irmã, em Fortaleza, quando recebeu propostas de trabalho e moradia em Manaus. Ela decidiu retornar à capital amazonense. “Quando cheguei lá, foi tudo por água abaixo”, lembra.
Em 2022, um amigo de Manaus pagou um curso de oratória e a ajudou a ficar com a irmã em Guarulhos, onde permanece até hoje.
“Hoje, sou a mulher mais feliz do mundo. Até conheci a Europa”, conta.
Ela ganhou a viagem de amigos. Quando voltou, arranjou emprego na produção da Fox For Men, uma empresa que fabrica produtos de cuidados para homens.
“Sou muito agradecida por darem oportunidade a pessoas com idade avançada. Isso é muito difícil no mercado de trabalho. Às vezes, não recebem nem seu currículo. Amo trabalhar. É minha maior diversão. Acordo 4h30 todos os dias e chego em casa 23h30, porque do trabalho eu vou para a escola. Não desafiem as drogas. Não queiram desafiar as drogas. Digam sim à vida”, aconselha.
(Fonte:G1/Carlos Henrique Dias)