O Coletivo Cultural Carolinas Leitoras, de Marabá, nasceu como um grupo escolar que discutiu a obra “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus, com alunos do Ensino Médio. Concebido pela professora Raimunda, o projeto tinha como cerne o estudo das obras de mulheres negras. Tamanha sua força, ele rompeu os muros escolares e chegou até espaços que não eram esperados.
Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a intencionalidade por trás da essência do Carolinas é um leme que transporta diversas mulheres por um mar de leituras, saberes e vivências. Contundente ao questionar o ambiente social em que elas estão inseridas, que é repleto de misoginia, desigualdade, violências e lutas diárias, o coletivo é um oásis de resistência para aquelas que o compõem e por aquelas que ainda não chegaram até ele. “Hoje tem estudantes, professoras da universidade, pessoas que estão em outros espaços e não só na escola”, explica Socorro Camelo, professora.
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OCUPANDO ESPAÇOS
O coletivo cresceu tanto, em números e em importância, que atualmente integra a Rede de Mulheres Teresianas, instituição que abraça grupos que trabalham com temáticas que envolvem a figura feminina.
Anitta Ferreira, também professora, ecoa uma fala que representa muito bem as discussões que permeiam os locais de debate sobre essas pautas femininas. Ela assinala que as mulheres vêm de um movimento em que estão alcançando cada vez mais lugares através desses diálogos e conversas. “As Carolinas Leitoras abraçam isso, levam para além do grupo”, exalta.
Mas ainda que o cerne de todo o projeto seja navegar por obras de mulheres, eventualmente, livros de escritores homens são levados para discussão. Mais precisamente aqueles que corroboram com as lutas e questionamentos do público feminino, uma vez que muitos deles reconhecem o valor e a importância da mulher.
Em uma cidade onde inúmeros casos de violência doméstica são registrados semanalmente, é emblemática a existência de um grupo cultural que busca combater essas violações com uma abordagem potente, levando informação e saberes, fazendo as mulheres questionarem as agressões sofridas, sejam elas físicas, psicológicas ou emocionais. Elas também constroem uma rede de apoio sólida, que se fortifica a cada livro lido e discutido.
LUTA E RESISTÊNCIA
Para que os debates aconteçam, cada integrante do Carolinas Leitoras adota um artifício particular para escolher o livro que apresentará ao grupo, conforme explica Karla Leandro, professora. “É uma escolha livre e depois nós fazemos um momento de socialização, que ocorre uma vez por mês”, aprofunda. Cada Carolina faz sua seleção pautada em momentos de vida, atravessamentos, pesquisas, estudos e questões que mais se aproximam de suas realidades de vida.
Mas nem só de diálogos se escreve a rotina de uma Carolina. O coletivo também trabalha com uma agenda política, de demandas do grupo e com desenvolvimento de atividades.
É através dessa simbiose de trocas que Carolina Nogueira, mais conhecida como ‘Iná’, observa um corpulento avanço na participação da mulher no universo literário. Seja como escritora, personagem ou leitora. “Estão tomando os espaços de protagonismo dentro das literaturas, tendo mais respeito sobre as mulheres, ao tratar das mulheres”, avalia.
Ao propor um olhar para o passado, Iná rememora que havia um cenário de baixa presença feminina e, atualmente, há um volume maior de mulheres tomando diversos lugares na literatura (e fora dela). E indo além, questões raciais, ancestrais, que são muito graves, também ganharam maior representatividade e respeito nesse ambiente. “As mulheres, nessa luta antirracismo, de defesa da ancestralidade, como Conceição Evaristo, Carolina de Jesus e outras, têm ocupado espaços maiores e sido mais respeitadas e legitimadas”, sustenta Iná.
Inclusive, foi Conceição Evaristo quem cunhou o termo “escrevivência”, descrito como a escrita que nasce do cotidiano, das lembranças, da experiência de vida da própria autora e do seu povo.
Não é atoa que a expressão rima com aquelas palavras que são bem dissecadas pelo Coletivo Cultural Carolinas Leitoras: existência e resistência.
Em um país que registrou, em média, um feminicídio a cada seis horas em 2023, nascer mulher é dolorido e às vezes desesperançoso. Mas são mulheres como as Carolinas que acalentam e abraçam corpos e almas femininas com um carinho tenaz e que diz: se fere a nossa existência, nós seremos resistência.
(Luciana Araújo)