O lançamento da campanha “Sou Livre da Escravidão”, promovida pela Fundação PanAmericana para o Desenvolvimento (PADF), na tarde desta quinta-feira (25) em Marabá, trouxe uma reflexão profunda sobre as realidades enfrentadas por muitos trabalhadores rurais no estado.
O evento, que contou com a presença de autoridades governamentais e representantes de organizações da sociedade civil, revisita a urgência de combater o trabalho análogo à escravidão, não apenas como uma questão social, mas como um desafio ético e humanitário.
Sendo a primeira a fazer o uso da palavra, a diretora do PADF, Irina Bacci, introduziu a discussão delineando sobre a essência da campanha: incentivar o público a se erguer como defensores do trabalho justo. Ela descreveu os horrores que espreitam nas sombras do trabalho escravo: trabalho forçado, jornadas sem descanso, condições degradantes e servidão por dívidas, uma teia de opressão que aprisiona os mais vulneráveis. “A campanha ‘Sou Livre da Escravidão’ é um grito de liberdade”, afirma.
Leia mais:A diretora explica que se trata de um convite para cada pessoa, cada ator nesta luta, se unir em defesa dos direitos humanos e da dignidade. “Não podemos aceitar um Pará marcado pelo desmatamento ilegal e pelo trabalho escravo”.
Representantes da sociedade civil, autoridades governamentais e líderes comunitários estiveram presentes. A campanha, financiada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, representa um farol de esperança em meio às sombras da exploração. “Juntos, podemos construir uma nova narrativa, onde cada trabalhador rural possa viver e prosperar com dignidade”, pontua Irina.
Natasha Greenberg, representante do Departamento de Estado dos Estados Unidos, compartilha que o programa americano de combate a escravidão contemporânea destinou um fundo para as ações realizadas no Brasil.
Em sua fala, ela ressaltou que as ações de conscientização realizadas pela PADF são de extrema importância e que esse é o principal objetivo da campanha de combate ao tráfico de pessoas e ao trabalho forçado no setor agropecuário no Pará. Também frisa que os canais oficiais de denúncia deve ser divulgados para todos, um esforço que se soma aos outros na luta contra a escravidão contemporânea.
Natasha finaliza destacando os 200 anos de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e o Brasil, principalmente na participação em campanhas como a “Sou Livre da Escravidão”.
COMISSÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Em uma denúncia contundente, Pedro Cavalero, representante da Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEIRDH), lança luz sobre uma realidade marcada por exploração e abuso, onde a atividade econômica gira em torno da produção de soja, pecuária e transporte de carvão. No entanto, por trás dessas atividades aparentemente legítimas, esconde-se uma face sombria: a persistência do trabalho escravo.
O representante destacou a angústia de testemunhar crianças envolvidas em atividades laborais precárias, inclusive montadas em cavalos para desempenhar tarefas pesadas. Essa situação, segundo Pedro, rivaliza com a morte em sua crueldade.
“É muito dolorido andar por essas estradas do Pará e ver crianças com carrinho de mão, trabalhando em cima de cavalos. E, para nos fortalecer com a sociedade civil, a gente tem que fazer mais disso. Eu acho que essa campanha de humanização, midiática, ela é de grande importância”, diz.
CLÍNICA DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO
Valena Jacob, coordenadora da Clínica de Combate ao Trabalho Escravo, destacou a importância em proporcionar experiência prática aos alunos de graduação e pós-graduação do curso de Direito. Ela agradeceu o convite e parabenizou a PADF pelo lançamento de uma campanha que visa fazer a diferença na luta contra o trabalho escravo.
“Nos últimos anos, o Estado do Pará tem figurado em quinto lugar na lista de resgates de trabalhadores em situação de escravidão contemporânea, um fenômeno atribuído em parte às políticas adotadas pelo governo anterior, que obscureceram a realidade do trabalho escravo”, levanta, enfatizando a necessidade de mais investimento em políticas públicas de combate, especialmente em regiões de difícil acesso, onde a fiscalização é escassa.
Ela ressaltou a importância de campanhas como a do PADF para conscientizar a sociedade sobre os direitos trabalhistas e encorajar os trabalhadores a denunciarem situações de exploração. Valena também apontou as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, como a falta de acesso a comarcas e varas do trabalho, especialmente em um estado com 144 municípios.
“A Clínica de Combate ao Trabalho Escravo tem buscado parcerias com diversos órgãos estatais, incluindo a Superintendência Regional do Trabalho em Brasília, e tem pressionado por um reforço na equipe de combate ao trabalho escravo no Pará”, garante. Valena também ressaltou a importância de sensibilizar advogados, juízes e legisladores para a gravidade da situação e para a necessidade de uma abordagem mais humanitária no tratamento das vítimas.
PROCURADORIA
Procuradora do Trabalho e Coordenadora Regional de Combate ao Trabalho Escravo do Pará e Amapá, Sílvia Silva da Silva, destacou os esforços conjuntos entre a sua instituição e a PADF para enfrentar o problema persistente do trabalho escravo na região: “É lamentável que o Pará ainda seja o estado que mais recruta trabalhadores para essa prática desumana, ressaltando a necessidade de uma abordagem tanto repressiva quanto preventiva”.
Ela afirma que nos últimos anos, a equipe tem se concentrado em municípios como Marabá, São Félix do Xingu, Dom Eliseu, Redenção e Ulianópolis, oferecendo capacitação para agentes públicos das diversas secretarias. O objetivo é familiarizá-los com os conceitos de trabalho em condições análogas à escravidão e orientá-los sobre como lidar com casos de exploração laboral contemporânea. “Muitos trabalhadores são atraídos para situações de escravidão devido à falta de educação e informação sobre seus direitos básicos”, destaca.
Além disso, ressalta a importância de campanhas de conscientização, tanto para a população quanto para os gestores municipais, enfatizando a necessidade de abordar as causas subjacentes do problema, como o trabalho infantil e a falta de acesso à educação de qualidade.
“É de grande importância a sensibilização dos municípios e a necessidade de uma abordagem holística para combater o trabalho escravo, incluindo o fortalecimento da legislação e a garantia de condições dignas de trabalho para todos”, disse, expressando gratidão pela parceria com a PADF e outras instituições, reconhecendo a importância do engajamento da sociedade civil e dos sistemas internacionais na luta contra essa violação dos direitos humanos.
Silvia concluiu destacando o compromisso contínuo da equipe em erradicar o trabalho escravo no Pará e Amapá, trabalhando em conjunto com colegas em Belém e em todo o estado para alcançar esse objetivo crucial de justiça social e dignidade para todos os trabalhadores.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
Francisco Alan Santos Lima, membro da Coordenação Colegiada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará, expressou sua preocupação com a persistência do trabalho escravo na região e em todo o Brasil. Ele ressaltou a importância de uma campanha focada no público geral, que muitas vezes é excluído das discussões sobre direitos trabalhistas.
Lima comparou as condições dos trabalhadores atuais com aquelas dos escravos do Brasil Colônia, destacando a falta de resgate de muitos trabalhadores ainda presos nessas situações de exploração. Ele enfatizou a necessidade de políticas públicas mais organizadas e planejadas para combater efetivamente o problema.
“Enquanto a CPT se prepara para comemorar 50 anos de existência e 30 anos de campanha contra o trabalho escravo, estamos totalmente engajados com a necessidade de uma abordagem contínua e a longo prazo para enfrentar as raízes do problema”, afirma. Ele apontou a desigualdade persistente no Brasil como um dos principais impulsionadores do trabalho escravo, enfatizando a importância do investimento em educação, saúde e acesso à terra.
A região amazônica, segundo Lima, é especialmente afetada pelos conflitos agrários, que forçam muitas pessoas a deixarem seus territórios e acabarem em situações de exploração. Ele destacou a importância do trabalho em rede entre diferentes atores da sociedade civil para enfrentar o problema de forma integrada e participativa.
SODIREITOS
Angélica Gonçalves, representante da SODIREITOS no Pará, abordou os desafios enfrentados pela organização ao longo de seus 17 anos de atuação no combate ao tráfico de pessoas e à violação dos direitos humanos. A luta pelo fortalecimento do controle social tem sido uma prioridade, pois a negação de direitos básicos como alimentação e saúde perpetua o ciclo do trabalho escravo.
“A PADF tem desempenhado um papel crucial no fortalecimento da Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo no estado, promovendo campanhas estratégicas que reúnem diversas organizações para debater e planejar ações eficazes contra essa grave violação dos direitos humanos.”, aponta.
Angélica ressalta a necessidade de fortalecer políticas públicas nos municípios mais sensíveis, destacando a importância da revisão do plano de erradicação do trabalho escravo e da descentralização do debate para alcançar as comunidades mais distantes e vulneráveis. (Thays Araujo)