Correio de Carajás

Crise climática pesou mais que El Niño para seca na Amazônia, diz estudo

Pesquisa da World Weather Attribution (WWA) também concluiu que o fenômeno climático El Niño teve influência muito menor no episódio. Estudo teve a participação de cientistas brasileiros.

Barco viaja por trecho do rio Amazonas afetado pela seca, perto de Manacapuru, na Região Metropolitana de Manaus, em 27 de setembro de 2023. — Foto: AP Photo/Edmar Barros

A seca histórica que assolou a região da Amazônia em 2023 teve sua principal origem na mudança climática causada pela atividade humana. Isso é o que aponta um novo estudo, divulgado nesta quarta-feira (24), realizado pelo World Weather Attribution (WWA), um grupo internacional de cientistas especializados em assuntos climáticos.

Segundo a pesquisa, o fenômeno natural El Niño, conhecido por trazer condições secas à região, teve uma influência consideravelmente menor no episódio.

  • Desde meados de 2023, a Bacia Amazônica enfrenta uma prolongada estiagem, impulsionada pela escassa precipitação (como chuva ou orvalho) e pelas elevadas temperaturas constantes na região. Em alguns lugares, os rios atingiram seus níveis mais baixos em mais de um século, causando impactos severos em comunidades ribeirinhas.
  • A seca também desencadeou o aumento de incêndios florestais e contribuiu para a poluição do ar devido à disseminação de fumaça. As temperaturas elevadas da água foram associadas à morte significativa de vida aquática, incluindo mais de 150 golfinhos cor-de-rosa, uma espécie ameaçada de extinção.

 

Ainda de acordo com a investigação da WWA, que teve a participação de universidades e agências meteorológicas no Brasil, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos, a mudança climática está provocando uma diminuição na precipitação e um aumento nas temperaturas na Amazônia.

Com isso, esses fatores tornaram a seca sem precedentes de 2023 aproximadamente 30 vezes mais provável do que se apenas o El Niño estivesse atuando.

Embora o El Niño tenha levado a níveis ainda mais baixos de precipitação, nosso estudo mostra que as mudanças climáticas são o principal impulsionador da seca por meio de sua influência nas temperaturas mais elevadas.— Ben Clarke, pesquisador do Grantham Institute – Climate Change and the Environment, do Imperial College de Londres.

“Com cada fração de grau de aquecimento causado pela queima de combustíveis fósseis, o risco de seca na Amazônia continuará a aumentar, independentemente do El Niño”, alerta ele.

Como foi feito o estudo

 

Para chegar a essa conclusão, os cientistas examinaram o impacto das mudanças climáticas na seca, usando dados meteorológicos e simulações de modelos. Eles compararam o clima atual, com cerca de 1,2°C de aquecimento global, com o clima mais frio pré-industrial, sem os impactos do ser humano, usando métodos revisados por especialistas.

O foco do estudo foi na Bacia Amazônica, analisando a seca de junho a novembro de 2023. Os pesquisadores usaram dois índices para avaliar a gravidade da seca:

  1. O primeiro é o Índice Padronizado de Precipitação (SPI), que considera a baixa precipitação e mede a seca meteorológica.
  2. O segundo é o Índice Padronizado de Precipitação Evapotranspiração (SPEI), que considera baixa precipitação e evapotranspiração, medindo a seca agrícola. Estudar ambos os índices ajuda a entender os fatores climáticos por trás do evento.

 

Usando modelagem estatística, os pesquisadores separaram as influências do El Niño e das mudanças climáticas na seca. Foi aí, então, que descobriram que tanto o El Niño quanto as mudanças climáticas reduziram a chuva em proporções semelhantes.

No entanto, eles constataram que o aumento nas temperaturas foi principalmente causado pelas mudanças climáticas ao analisar dados meteorológicos históricos. Assim, embora o El Niño tenha contribuído para agravar a seca, as mudanças climáticas foram o principal impulsionador.

À medida que o clima se aquece, uma potente combinação de diminuição da precipitação e aumento do calor está impulsionando a seca na Amazônia. — Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Trecho seco do rio Coari Grande devido à estiagem de 2023, em Coari, no Amazonas. — Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace
Trecho seco do rio Coari Grande devido à estiagem de 2023, em Coari, no Amazonas. — Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace

⛈️☀️️ Relembre o que é o El Niño:

  • O El Niño é a fase positiva do fenômeno chamado El Niño Oscilação Sul (ENOS). Quando ele está em atuação, o calor é reforçado no verão e o inverno é menos rigoroso no Brasil. Isso ocorre porque ele dificulta o avanço de frentes frias no país, fazendo com que as quedas sejam mais sutis e mais breves.
  • Em resumo, o fenômeno causa secas no Norte e Nordeste do país (chuvas abaixo da média), principalmente nas regiões mais equatoriais, e provoca chuvas excessivas no Sul e no Sudeste.

Alerta para o mundo

 

No estudo em questão, os especialistas advertem ainda que, em um cenário ideal com temperaturas 1,2°C mais baixas em todo o mundo (ou seja, sem as alterações climáticas atribuíveis à atividade humana), a ocorrência da seca teria sido consideravelmente menos intensa.

👉 Isso ressalta que as emissões de gases do efeito estufa provenientes da queima de petróleo, gás e carvão desempenharam um papel crucial na transformação desse fenômeno em um evento de proporções devastadoras.

🚨 Os cientistas alertam que, em caso de um aumento global de 2°C na temperatura, a probabilidade de eventos semelhantes de precipitação extremamente escassa aumentará quatro vezes, ocorrendo aproximadamente a cada 33 anos.

Da mesma forma, secas agrícolas comparáveis se tornarão três vezes mais propensas, com uma ocorrência esperada a cada 13 anos.

Vale ressaltar que no ano passado, pela 1ª vez, o mundo registrou um dia com uma temperatura média global 2°C acima da era pré-industrial.

Nossas escolhas na batalha contra as mudanças climáticas permanecem as mesmas em 2024 – continuar destruindo vidas e meios de subsistência queimando combustíveis fósseis, ou garantir um futuro saudável e habitável substituindo-os rapidamente por energia limpa e renovável. — Friederike Otto, professor sênior em Ciência do Clima no Grantham Institute – Climate Change and the Environment, da Imperial College de Londres.
(Fonte:G1)