Um dia depois do Natal, o CORREIO foi até a Cúria Diocesana para conversar com o bispo Dom Vital Corbellini, sempre receptivo com a Imprensa. Há 11 anos à frente da instituição católica na região, que possui dezesseis municípios e mais de 80 mil quilômetros quadrados de extensão, ele falou sobre o fortalecimento do catolicismo, conquistas, movimentos sociais, bênção a casais do mesmo sexo, padres com fama na internet, participação da igreja na COP30 e a Campanha da Fraternidade 2024.
Em um apanhado geral sobre temas relevantes, o bispo diocesano enfatizou sobre a autorização concedida pelo Papa Francisco, no último dia 18 de dezembro, sobre bênçãos a casais homoafetivos, sendo esse um marco histórico da Igreja Católica que tem buscado aproximação com a comunidade LGBTQIAP+.
Dom Vital também falou sobre a fama de padres, como Patrick e Fabrício, nas redes sociais, comentando que já tiveram episódios desagradáveis e que foram feitas algumas considerações, tanto para um como para o outro, no sentido de que eles atuem nas redes sociais para evangelizar e não se endeusar e virar um pop star.
Leia mais:CORREIO: Desde que o senhor chegou a Marabá, qual avaliação que faz do fortalecimento da Diocese de lá para cá?
Bispo Dom Vital: Há 11 anos assumi a Diocese de Marabá e faço uma avaliação muito positiva, tanto da minha parte como do povo de Deus, dos nossos sacerdotes e colaboradores, no sentido de que atendemos as comunidades, visitamos e criamos novas paróquias. A Diocese está andando. Tem muitos desafios ainda, mas estamos tentando resolve-los aos poucos. O Espírito Santo está nos iluminando para que possamos atuar bem nessa grande Diocese que tem quase 80 mil quilômetros quadrados.
CORREIO: Quantos municípios estão sob a gestão da Diocese de Marabá?
Dom Vital: São dezesseis municípios contando com Marabá. São 29 paróquias, sendo duas que eu criei nesse período. Ano que vem criaremos mais uma ou duas paróquias para atender melhor o povo de Deus.
Uma paróquia de Água Azul do Norte passou para Tucumã, porque ficava a 350 quilômetros daqui, muito longe. A Diocese ainda tem uma extensão muito grande, de um canto a outro são quase 700 quilômetros, muita gente. Louvamos a Deus e trabalhamos muito a questão vocacional nesses lugares e aumentamos também o número de sacerdotes na Diocese.
CORREIO: Quantos padres, freiras, freires e outros missionários nós temos na Diocese de Marabá?
Dom Vital: A Diocese de Marabá conta hoje com 34 padres diocesanos. No próximo dia 31 de janeiro três novos diáconos irão assumir a ordem sacerdotal. Temos congregações que já estavam aqui quando cheguei e outras que pediram para ingressar, principalmente femininas. Temos congregações masculinas porque está dificil para essas grandes congregações virem aqui pela falta de vocação e sacerdotes. A nossa intenção é aquela de ‘beber pelo próprio poço’. Ou seja, atuar em favor das vocações, porque aqui temos condições de trabalhar a questão vocacional, e é isso que temos feito. Temos religiosos, religiosas e missionários que nos ajudam, e outras dioceses que nos enviam seminaristas ou padres.
CORREIO: Quais as maiores conquistas da Igreja Católica em Marabá e região na última década?
Dom Vital: Não diria uma única porque são diversas. Primeiro, o nosso Círio de Nossa Senhora de Nazaré que tinha um número expressivo e que no último ano, em 2023, bateu o recorde de 300 mil pessoas. Tivemos toda uma organização conjunta. Outro ponto é o atendimento nas paróquias, sobretudo nas periferias, porque dos centros está indo bem. Mas, precisamos atender mais as pessoas da periferia e, claro, marcar presença nas pastorais, movimentos, assembleias, conselhos da pastoral diocesana e na questão vocacional, que praticamente não tínhamos muita coisa e hoje temos. Mas, queremos ter muito mais.
CORREIO: Os tempos têm sido desafiadores em relação ao clima do planeta, e aqui na Amazônia, também sentimos a fúria da natureza. A igreja não deveria se engajar mais nessa causa, já que estamos próximos de sediar a COP30?
Dom Vital: A COP é um evento extraordinário, talvez até o Papa Francisco venha, não se sabe. A questão climática e da natureza é muito importante. Poderia dizer que essa questão está muito presente na nossa Diocese. Temos trabalhos muito importantes, como ajudar os moradores de rua, pobres e necessitados.
A COP que vai acontecer no Pará será uma oportunidade de podermos trabalhar a questão da natureza, do nosso empenho. Aqui a gente percebe que não está chovendo muito, secas estão acontecendo na região Norte. Então, tudo isso são as mudanças climáticas. Precisamos nos preocupar porque fazemos parte de todo um conjunto que Deus criou, a natureza não está fora de nós. Precisamos desse respeito mútuo. Certamente iremos marcar presença, seja com a pastoral da educação ou com a igreja, estaremos juntos porque queremos marcar presença nesse evento junto com as autoridades.
Na época da enchente em Marabá, sabemos que precisamos ajudar esse povo. As autoridades e o governo ajudam, mas nós não podemos ficar alheios a isso. Esse ano foram mais de 860 cestas básicas que foram distribuídas. Esse trabalho social dignifica, porque senão ficamos alheios.
CORREIO: Historicamente, a Diocese de Marabá sempre apoiou os movimentos sociais, auxiliando até mesmo com suporte de advogados pagos pela igreja. O senhor apoia invasão de propriedades supostamente improdutivas ou com problemas de documentação?
Dom Vital: Temos a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e ela não tem essa política de invasão. Talvez tenha tido essa ideia um pouco descabida no próprio passado. O que a Igreja fala, que a terra é um dom de Deus. A terra foi dada para todos e não para algumas pessoas. Então, nós jamais, como igreja, vamos possibilitar ou estimular a invasão. Tanto é verdade que nesses períodos estive em um despejo, mas nunca estimulando a invasão. Agente sabe que se o cara é dono, ele é dono e pronto. Mas, tem que ter ciência que a terra é para todos. Então, um pedacinho de terra todo mundo tem direito, para estimular, também, a questão da agricultura familiar que vem de pequenos agricultores.
Nós respeitamos o agronegócio, mas também estimulamos a agricultura familiar, que ajuda e mantem os alimentos na nossa mesa. Nós temos a CPT que trabalha muito bem e acompanha essas famílias que mais precisam. Um pedacinho de terra todo mundo tem direito, e é isso que nós estimulamos. Mas, não a invasão por si só, que gera conflitos e mortes. Essa não é a política da igreja. A CPT surgiu na década de 1970 no Brasil e tem o objetivo de que as pessoas possam ter um pedaço de terra. Deus criou os bens para todos e não só para alguns.
CORREIO: Na última semana, o Papa Francisco anunciou que a Igreja Católica permitiria a bênção a casais formados por pessoas do mesmo sexo. O senhor já reuniu com padres da Diocese para discutir essa temática ou acredita que a obediência a essa orientação deve ser natural no seio da igreja?
Dom Vital: Não se trata de casamentos, se trata de uma benção fora do ritual litúrgico. O matrimônio continua como é entre homem e mulher, fica bem claro isso. Trata-se de uma benção das pessoas do mesmo sexo. O casamento vai continuar entre homem e mulher, isso está claro, está na Bíblia. Claro que se tem dois rapazes ou duas moças que vem pedir uma bênção, e não um sacramento. O sacramento é a presença visível de Deus através da crisma, no matrimônio, batismo.
Talvez a mídia falou de casamento, mas não se trata disso, basta olhar o próprio documento. A bênção pode ser dada fora da missa, mas não se trata de uma questão sacramental.
Nós vamos tratar dessa forma, conforme aquilo que o documento diz, não vamos fugir disso. Os padres já estão cientes disso. Ainda não reunimos pra falar disso, mas talvez na próxima reunião do conselho presbiteral, que acontece em fevereiro ou março, nós vamos tratar disso. Mas, isso nao viola a questão sacramental, porque a sacramental é homem e mulher, e não dois homens e duas mulheres. Isso está claro. Ninguém é excluído, queremos que eles participem, mas o casamento é entre homem e mulher, senão estamos violando a palavra de Deus. Deus criou o homem a mulher para formar uma só carne e um só ser, e assim a família continua na história
CORREIO: Nós temos alguns padres da nossa região que viraram pop star, como padre Patrick e Fabrício Rodrigues. Como o senhor analisa essa nova geração de líderes religiosos que mergulham nas redes sociais?
Dom Vital: Eles têm as qualidades para isso, e a gente não impede. Jamais vou impedir um padre de fazer isso. Mas, é claro, tudo tendo em vista um bem comum da pastoral. Se aquela ação visa, de fato, chamar pessoas para Cristo, para o reino de Deus, tudo bem. Agora se for para si, eu não aceito, porque aí ela é endeusada, e a gente só adora a Deus. Nós colocamos algumas considerações tanto pra um como para o outro, no sentido de que possam atuar nas redes sociais que são muito importantes e um campo para evangelizar. E eles estão fazendo isso. Claro, que já tiveram alguns exageros, mas vamos atuar e não impedir. Isso leva a um engajamento, a uma evangelização comunitária. Se a pessoa se torna pop star só pra ele mesmo, aí não serve, porque ele vira um deus e se desvia. Eles devem ser um instrumento da graça de Deus através das redes sociais
CORREIO: A Campanha da Fraternidade 2024 deve ser lançada em breve, com o tema “Amizade Social”. O que significa isso?
Dom Vital: A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) quer trabalhar pela paz. O objetivo geral visa construir uma sociedade de paz. Menos violência contra a mulher, contra as pessoas. Amizade social baseia-se que somos todos irmãos e irmãs, no sentido de trabalhar pela amizade e lutar pelo mesmo bem comum, que é o bem de todos. Vai ser um tema muito bonito e vai mexer com as nossas consciências. Quem tem um amigo tem um tesouro.
CORREIO: Como líder religioso da maior igreja cristã de Marabá e região, que mensagem de esperança o senhor deixa aos católicos de nossa comunidade?
Dom Vital: Temos um ano novo pela frente. Agradecemos a Deus o dom da encarnação e do verbo. Que a gente possa encerrar bem este ano, trabalhando pela família, comunidade e sociedade, e lutemos pelo bem.
Amem a vida, amem a igreja e sobretudo, amem Jesus Cristo que é o caminho, a verdade e vida.
(Ana Mangas)