No panorama da diversidade cultural marabaense, os indígenas desempenham um papel central, carregando consigo tradições milenares, sabedorias ancestrais e uma conexão profunda com a natureza. Em um mundo cada vez mais globalizado, a preservação e celebração dessas culturas tornam-se imperativas. Uma forma de alcançar isso é através da moda, uma expressão artística que transcende fronteiras e narra histórias por meio de tecidos, cores e formas.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), emergindo como um catalisador dessa narrativa, promovendo o encontro entre tradição e inovação, decidiu realizar um desfile da moda indígena neste sábado (2). Atuando como um agente transformador, oferecendo oportunidades para a valorização das culturas indígenas no contexto da moda, isso só foi possível, também, graças à cacique Kátia Cilene, da comunidade Akrãtikatêjê Gavião.
Este desfile inaugural, que aconteceu no Partage Shopping, às 19h, contou com a presença de cerca de 500 pessoas. O sucesso do evento não apenas ressalta a qualidade das peças apresentadas, mas também sinaliza o potencial para futuras edições do projeto. A intenção é clara: continuar a explorar a interseção entre moda e cultura, construindo pontes que conectem tradição e contemporaneidade.
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O Projeto “Raízes Vivas” é uma iniciativa do SENAI, desenvolvida em parceria com a renomada “Ponto da Moda”, de São Paulo. Essa colaboração entre instituições tão distintas evidencia o comprometimento em unir expertise técnica e paixão pela moda, resultando em um projeto que transcende o simples ato de vestir, abraçando a riqueza cultural dos povos indígenas.
A diretora do SENAI, Carliane Saraiva, conversou com o Correio de Carajás e contou que o curso de corte e costura não apenas capacita profissionais na arte da confecção, design e gestão, mas também se compromete a preservar e promover a rica herança cultural dos indígenas.
PROTAGONISTAS
“Os protagonistas desse empreendimento são os instrutores e alunos do Curso Técnicas em Design de Moda do SENAI. Juntos, eles mergulharam nas tradições indígenas, transformando inspiração em criação”, garante Carliane, acrescentando que todas as peças exibidas no desfile foram cuidadosamente elaboradas pelos próprios alunos, dando vida a uma coleção que agora encontrará um propósito nobre.
Kátia Cilene informou em primeira mão a este CORREIO que após o espetáculo de moda, todas as peças foram doadas à Aldeia Akrãtikatêjê Gavião, para que na quarta-feira (6), as peças também sejam apresentadas em novo desfile, às 19h, na comunidade.
Segundo Carliane, no desfile, 80% dos modelos que desfilaram eram indígenas, proporcionando uma autenticidade única à passarela. A escolha do tema indígena não foi casual, mas sim uma resposta ao chamado da Ponto da Moda: O SENAI, por meio do Curso Técnicas em Design de Moda, comprometeu-se a explorar e homenagear as riquezas culturais da região, dando voz e visibilidade à comunidade”, conta.
Indo além das tendências e estilos, o evento é uma manifestação da valorização da cultura, proporcionando aos povos originários um espaço relevante na sociedade. Falar de moda, nesse contexto, é falar sobre o ser humano e sua relação com o mundo, uma oportunidade de promover inclusão, respeito e reconhecimento das diversas vozes que compõem o tecido social.
O “Raízes Vivas” é, portanto, mais que uma coleção de moda, é um tributo à diversidade e um convite para que todos possam celebrar juntos as riquezas de nossa herança cultural. “A formação vai além do ensino técnico, incorporando elementos que respeitam e valorizam as tradições, fomentando um diálogo construtivo entre o conhecimento ancestral e as tendências contemporâneas”, diz.
PARCERIA
É visível que a interação entre a comunidade gavião e o SENAI cria um ambiente único de aprendizado, onde a diversidade cultural se transforma em inspiração. Os alunos têm a oportunidade de mergulhar nas técnicas tradicionais indígenas, entendendo os significados por trás de cada padrão e símbolo. Esse intercâmbio cultural não só preserva o patrimônio indígena, mas também alimenta a criatividade dos futuros profissionais da moda.
“O resultado desse empreendimento vai além da criação de peças de roupa; ele promove a conscientização sobre a importância da diversidade cultural e da sustentabilidade na indústria da moda. As coleções desenvolvidas pelos alunos refletem a harmonia entre a modernidade e a tradição, proporcionando uma visão autêntica e respeitosa da cultura indígena”, diz Carliane.
Além disso, a iniciativa do SENAI contribui para o desenvolvimento econômico das comunidades indígenas, incentivando a produção local e criando oportunidades de emprego. A valorização da mão de obra e dos materiais autênticos fortalece não apenas a identidade cultural, mas também a base econômica das comunidades envolvidas.
Cacique Kátia elogia olhar sensível sobre a comunidade
É com entusiasmo que a cacique Kátia Silene Vandenilson expôs sua visão obre o projeto desenvolvido em parceria com o SENAI, a Quest, uma empresa de São Paulo, e diversas outras entidades comprometidas com a construção de um futuro mais sustentável e inclusivo.
A maioria das modelos indígenas que participam desse projeto é proveniente das comunidades Gavião: “Nosso interesse, ao estabelecer essa colaboração com o SENAI, vai além das passarelas da moda; é um compromisso com a sustentabilidade das famílias e comunidades carentes”, diz.
Segundo ela, este é um esforço conjunto para formar profissionais não apenas na costura e modelagem, mas também em diversas outras áreas, como eletricidade, mecânica, nutrição e culinária, abraçando as riquezas culturais presentes nas comunidades. Vale ressaltar que o projeto não se restringe apenas aos indígenas; é destinado a todas as comunidades carentes.
“Carliane, a dedicada diretora do SENAI, teve a visão de abrir as portas para esse projeto em colaboração com outros parceiros valiosos, incluindo Atacadão, Fio a Fio e Regilane Guajajara, uma estudante engajada”, relata.
Kátia conta que quando foi convidada, percebeu que essa iniciativa se alinhava perfeitamente com os interesses da Gavião em formar profissionais do mercado, mas com um foco especial na preservação da cultura indígena: “Acreditamos que esse é um caminho para o crescimento contínuo, fortalecendo o projeto para que não só gere renda para as famílias, mas também estabeleça uma presença própria no mercado”, levanta.
A cacique aproveita para acrescentar também que há uma expectativa para dar continuidade ao projeto em 2024, com a esperança de chamar mais moças, meninas indígenas não apenas da comunidade Gavião, mas tdos Xicrin, Guarani, Guajajara e outras etnias da região do Pará. E dispara: “Não indígenas também são bem-vindas, representando as diversas comunidades carentes da região.”
SUCESSO
Para ela, o papel é claro: fortalecer o projeto para que ele cresça e proporcione oportunidades para mostrar os talentos indígenas e modelos incríveis que temos em suas comunidades.
“Eu sempre digo que não quero meu povo aprisionado no capitalismo, tornando-se sedentário desse sistema, dependendo do dinheiro fácil que vem da Vale. Quero que as pessoas acordem para a vida e trabalhem. Que valorizem a si mesmas e ao que têm”, desabafa.
Ela explica que é por isso que busca meios de trazer projetos como este, de trabalho, para agregar valor ao que já possuem. Kátia também acrescenta que há uma cultura forte e bonita, indígenas capazes, talentos escondidos dentro da aldeia.
“Eu acredito que podemos alcançar nossos objetivos como grandes empresários, empreendedores. Nós, indígenas, somos capazes de crescer no mercado sem agredir nosso território, sem derrubar, sem explorar, utilizando a riqueza que já possuímos. Quero que o povo Gavião desperte para isso”, finaliza.
(Thays Araujo)