Figura bastante conhecida em Marabá, Maria de Fátima Pereira Brito, ou apenas Fátima, como é chamada, trabalhou por mais de duas décadas no antigo Supermercado Alvorada, onde fez grandes amigos na cidade e encantava os clientes na lanchonete com seu sorriso e excelente atendimento.
Hoje, aos 69 anos, Fátima se dedica exclusivamente aos estudos. Incentivada pela família a fazer um curso superior, ela decidiu que voltaria à sala de aula. Estudou no Centro de Educação para Jovens e Adultos (CEEJA), fez a prova para concluir o ensino médio e entrou para um cursinho preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sonhando com a faculdade de Serviço Social.
Com as aulas acontecendo toda segunda, terça e quarta-feira, na Estação do Conhecimento, no Núcleo São Félix, Fátima enfrentou todos os desafios e, desde fevereiro de 2023, tem ido às aulas regularmente, sendo uma aluna exemplar e sem faltas.
Leia mais:“Fui passar férias na casa do meu irmão em Palmas (TO) e por lá todo mundo tem faculdade. Meu sobrinho disse ‘faz tia, tudo o que a gente conversa a senhora entende’. E eu disse ‘tá bom’. Quando voltei pra Marabá fui estudar. Recebi o diploma e alguém do CEEJA já tinha ligado para a Estação para eu fazer o cursinho e, desde então, venho estudando. Nunca faltei nenhum dia e não vou mais para lugar nenhum. O único lugar que saio é pra ir à sopa, que é um trabalho social que realizo voluntariamente no Centro Espírita que frequento”, detalha Fátima.
A estudante relembra que nos primeiros dias de aula sentiu vontade de desistir, pois olhava para os lados e só tinha pessoas jovens. E mesmo com seu espírito jovial que lhe é peculiar, ela afirma que sentiu o impacto. “Você tem que ser um velho não-arcaico, senão você fica pra traz. Fui conversando com um e com outro, conversa vai, conversa vem, e agora me sinto jovem igual a eles. É outra cabeça. Na nossa turma aqui não tem bullying de nada. Somos quase sessenta alunos. Vou te contar que no dia da prova do Enem, no último domingo, 5, me senti mal porque na sala que eu estava só tinha velho. Pensei ‘meu Deus não tem nenhum gatinho aqui’”, conta, aos risos.
Ao CORREIO, Fátima afirma que retomar os estudos foi maravilhoso e se sente muito bem no ambiente escolar. Além de prestar muita atenção, a estudante faz questão de sentar na primeira fileira e, sempre que possível, emenda perguntas aos professores.
“Faço algumas sátiras também. Tenho uma professora de química que é uma criança e eu a chamo de tia. A gente se diverte. Venho pra cá e esqueço de tudo. Nessa quarta-feira, 8, é o nosso último dia de aula e vou sentir muita falta daqui. Muita saudade”, diz, já com a voz embargada.
Me ensine que eu te faço um sanduíche
Os estudos não acontecem somente em sala de aula. Fátima ressalta que toda tarde tira um tempo para estudar e revisar os conteúdos. Com o apoio de tantos amigos, ela recebeu além de muitos livros, ajuda para estudar. “Um rapaz de 17 anos ia lá pra casa estudar comigo. Eu fazia sanduiche pra ele, porque adolescente gosta de comer, e ele me ensinava matemática”.
O desafio, que iniciou no último domingo, 5, ao realizar a primeira etapa do Enem, veio com uma crise de ansiedade assim que chegou ao local da prova. Ela relembrou de algumas dicas que recebeu no cursinho e foi fazendo mentalmente algumas coisas para ir se acalmando. “Quando olhei noventa perguntas e as horas que tinham para fazer a prova, foi difícil. É muito conteúdo. Mas, tentei relaxar. No final das contas, foi bom. Na hora que cheguei em casa meu irmão já me ligou querendo saber da redação”.
Questionada pela Reportagem sobre o tema “Os desafios para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidado das mulheres no Brasil”, Fátima disse que amou. “Coloquei que desde os tempos primórdios – fui chique escrevendo isso – que a mulher sempre trabalhou muito e não aparece. As pessoas acham que é só a mulher que trabalha fora. E a que fica em casa? Que lava roupa, que passa, cozinha, cuida do marido e cuida de tudo? Deixei esse questionamento, quem vai cuidar dessa mulher?”.
XÔ, PRECONCEITO!
Falando em desafios, para Fátima, além de retomar os estudos e todo o conteúdo programático do Enem, ela enfrentou o preconceito. Mesmo com o avanço significativo, os estereótipos sobre o envelhecimento ainda estão presentes na sociedade, apesar das diversas campanhas mostrando que idade não define a capacidade de uma pessoa. O etarismo, como é conhecida a discriminação e preconceito por causa da idade de uma pessoa, pode ser manifestado por violência verbal, física ou psicológica.
Fátima relembra que dentro da sala de aula foi super bem recebida pelos jovens e que nunca ouviu nenhum tipo de piada ou comentário sobre sua idade. Contudo, na rua e em outros lugares que frequentava, ao saberem que ela estava estudando para o Enem, teve de lidar com comentários maldosos e intransigentes.
“Ouvi muita gente mandando eu ir rezar, dizendo que eu só queria ser novinha. Tem muita gente que critica. Mas, o preconceito não me atinge porque não me importo o que o outro pensa. Não ligo. Mas, as pessoas precisam ter mais empatia pelos demais. E para os idosos que estão em casa sem fazer nada, venham estudar. Aprendi tanta coisa, fiz amigos, ocupei minha mente. Ficar em casa só vai adoecer”, aconselha.
Para o futuro, ela já sabe o que quer
“Ano que vem, passando no Enem ou não, eu vou estar na faculdade, pública ou particular. O curso que eu quero demora só três anos e meio, quando terminar estarei com 72 anos, lúcida. Ainda não vou estar com Alzheimer e vou trabalhar muito”, prevê Fátima.
Com a palavra, o professor de Biologia
Mesmo Com Fátima afirmando que suas disciplinas preferidas são Filosofia e Sociologia, o professor de João Paulo, de Biologia, é só elogios para a aluna Maria de Fátima.
Com a vida ligada aos trabalhos sociais, o professor conta que se encantou pelo projeto do cursinho gratuito desenvolvido pela Estação do Conhecimento. “É um público diverso, de faixas etárias diferentes, pessoas com deficiência, alunos que já trabalham e que viram no projeto uma forma de buscar o ensino superior”, detalha.
Questionado sobre a aluna Maria de Fátima, o professor João Paulo conta que ela é muito participativa. “É a aluna mais velha só de idade, porque a energia dela é de 18 anos e ela sabe disso. Trata-se de uma mulher muito participativa, anota tudo. E graças a alunos, como ela, que temos motivação para estar aqui trazendo esse conhecimento para eles. A dona Fátima é uma inspiração pra gente, para que possamos sempre trazer boas aulas”, diz o professor.
(Ana Mangas)