O que fazer para promover a leitura entre alunos de uma escola da zona rural que não tem espaço sequer para a sala de leitura? O jeito é colocar a criatividade para trabalhar e pôr a mão na massa. Foi exatamente isso que fez a professora Leidinalva Moura de Sousa ao receber o desafio em março deste ano.
Chegando ao final do ano letivo, ela já coleciona várias histórias bonitas e marcantes entre alunos e os livros paradidáticos. Uma delas é de Ludmila Lima de Sousa, 11 anos, que garante que já leu 29 livros em 2023. A menina faz o 6º ano do Ensino Fundamental na Escola Santa Maria, no Projeto de Assentamento (PA) Santa Vitória (KM 21 da rodovia Transamazônica, sentido Itupiranga).
O sucesso de Ludmila como leitora passa pelas mãos de Leidinalva Moura de Sousa, pedagoga e professora de leitura da instituição.
Leia mais:“Eu comecei a ler com cinco anos de idade, mas eram aqueles livros com figuras”, relembra Ludmila. Seis anos depois, aos 11, o amor da jovem leitora pelos livros permanece intacto. Talvez até mesmo maior.
Moradora da Vicinal da Carline, distante 3 km do “21” (como é conhecido o PA), a pequena é filha única e prefere as histórias românticas.
Com um sorriso semelhante ao do Gato de Cheshire (de Alice no País das Maravilhas), Ludmila fala para a reportagem do CORREIO que sua maior aventura literária até agora, foi o desbravamento de um livro de 272 páginas.
O título da leitura não poderia ser mais sugestivo: Era uma vez… “Conta sobre uma menina órfã, que vai em busca de seus pais. Só que no final do livro ela descobre que não tem pais”, resume laconicamente.
Ela relembra que em sua antiga escola não havia biblioteca e sua sede pelas palavras era saciada através dos livros didáticos. “Depois que cheguei aqui, eu vi que tinha uma biblioteca e fui me aproximando mais e conhecendo melhor os livros”.
Surpreendentemente (mas demonstrando as diversas facetas de alguém que gosta de ler), ela revela que é apaixonada por geografia – e pela estrutura da terra – e sonha em ser advogada. “Para proteger os fracos”, argumenta, mostrando que sabe o que quer.
DIGITAL E DE PAPEL
Apenas dois anos mais velha que Ludmila, a estudante Evellyn Medrado Lopes do Nascimento, de 13 anos, pode ser chamada de “leitora tecnológica”. Sua jornada no mundo da leitura não começou com livros físicos, mas por meio de um aplicativo para celular, o ‘Play Livros’.
Evellyn estuda na Santa Maria desde os anos iniciais e agora, no 8º ano do Ensino Fundamental, ela garante que já incentivou colegas a lerem, mesmo que indiretamente, ao compartilhar sobre suas leituras com eles.
E tal qual Dorothy ao enfrentar desafios enquanto percorria a ‘Estrada de Tijolos Amarelos’, no livro ‘O Mágico de Oz’, Evellyn foi uma andarilha persistente em sua viagem pelo universo literário.
“Já perdi as contas de quantos livros li esse ano”, compartilha entre risos. Apesar de não poder afirmar precisamente, ela chuta que já leu 30 títulos até agora e confessa que o melhor lugar para isso é dentro de casa, quando está sozinha, por ser um ambiente que favorece a sua concentração.
Com um brilho no olhar, Evellyn confidencia que algumas leituras têm o poder de atraí-la em demasia, sobretudo as que narram histórias de amor. São essas as suas preferidas.
PROFESSORA PERSISTENTE
Foi através de Leidinalva Moura de Sousa que a “Sala de leitura itinerante” da Escola Santa Maria ganhou vida em março deste ano. “Nós fizemos a cerimônia de abertura para dar a largada inicial com as crianças e elas perceberam que haveria algo novo na escola”, relembra.
A atividade é realidade dentro da sala de aula, momento em que a professora leva o acervo para o recinto e desenvolve atividades ligadas a essa prática. Um de seus objetivos é que os estudantes despertem para o universo da leitura. E tem conseguido com sucesso.
Ela conta que no início alguns não demonstraram muito interesse pelo projeto, principalmente do 6º ao 9º ano, mas avalia que atualmente os resultados são positivos. “Eles (os resistentes) foram os que mais demoraram a se encaixar, mas agora já estão envolvidos, gostam de estar no espaço da leitura”, orgulha-se.
A resistência foi percebida em alunos mais velhos e, com o tempo, Leidinalva conseguiu mostrar para eles que aquele espaço e o momento com os livros pertencem a todos, não só aos pequenos.
Além de fazerem a leitura na escola, os jovens têm a oportunidade de pegar um exemplar emprestado e levar para casa e, no retorno, uma missão é dada: devem fazer a indicação literária para a turma.
“É um trabalho que foi desafiador inicialmente, mas que agora tá legal, tá bacana. E é uma atividade prazerosa também”, diz a educadora.
Com as crianças menores, a história é diferente. Os mais novos se encantam com mais facilidade e o mergulho que fazem no universo da leitura, é tão profundo quanto aqueles dados por Moby Dick na obra homônima.
PARCERIA
A sala de leitura itinerante é também uma atividade multidisciplinar, pois em turmas de 6º ano, Leidinalva Moura de Sousa atua em parceria com o professor de português.
“Há as estratégias de leitura, porque o professor já trabalha alguns gêneros textuais e eu levo (para os alunos) algum material que seja desse gênero”. Essa imersão é importante para transferir cada vez mais conhecimento às crianças sobre obras e autores.
Maletas, cestas e baús são os responsáveis por guardar os preciosos livros de Leidinalva e, também, são o recurso utilizado para levar a sala de leitura pelos ambientes da escola, transportando cerca de 30 exemplares. Livros diferentes para atender um público tão diverso, mas no geral, ela avalia que o acervo ainda é pequeno.
O trabalho segue um roteiro, onde uma leitura é pré-definida e depois desenvolvida com turmas do jardim de infância ao 9º ano do Ensino Fundamental. Na sequência, a professora permite que os jovens folheiem outros títulos e até mesmo levem para casa.
Ela narra que hoje em dia um dos maiores desafios é o celular, aparelho que acaba tirando o tempo dos alunos e por isso a importância dessas crianças e adolescentes serem incentivadas a ler.
“Quando eu iniciei aqui, sempre tive meu cantinho de leitura dentro da sala de aula. Em um primeiro momento, o objetivo era que eles (alunos) observassem como é o comportamento leitor. Quando a criança vê o professor que lê, ela aprende a se comportar diante de uma leitura”.
A sala de leitura recebe apoio e supervisão do Programa Marabá Leitora, da Secretaria Municipal de Educação. Quem desejar doar livros para a Sala de Leitura Itinerante da Escola Santa Maria pode entrar em contato com a professora Socorro Camelo, coordenadora das salas de leitura da Escola do Campo, por meio do telefone (94) 99280-5605. (Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)