Guiada pelo tema ‘Democracia e direto à cultura’, a realização da 3ª Conferência Municipal de Cultura abre na noite desta sexta-feira, 15, e continua amanhã, sábado 16, trazendo à luz uma importante discussão para Marabá: quais os desafios do cenário cultural do município? Ainda que este não seja o foco do debate, é evidente que a pauta tem relevância na comunidade marabaense.
Sobre isso, o CORREIO conversou com Wilson Teixeira, mais conhecido como “Wilsão”, ex-secretário municipal de Cultura de Marabá e servidor da Câmara Municipal, uma figura de grande relevância no contexto cultural do município.
Ele é categórico ao afirmar que o cenário de Marabá está começando a se reinventar, após a pandemia de covid-19, período tido como nefasto. “Acho que a cidade pecou nesses últimos anos, então hoje ela está ressurgindo, se reinventando”, opina.
Leia mais:Para ele, parte do desmonte sofrido pelo meio artístico e cultural (para além das questões políticas de nível nacional, como a extinção do Ministério da Cultura entre 2019 e 2022) perpassa pelas mãos do governo – pela ausência de investimentos e valorização desse segmento – mas também dos produtores culturais e da própria comunidade marabaense.
“Eu acho que a gente tem um atraso de mentalidade cultural na cidade, que percorre tanto o governo quanto seus agentes culturais”.
Para Wilsão, falta investimento em políticas públicas que fomentem ações e manifestações artísticas. “Não existe mais o Maraluar, o Fecam. Os escritores marabaenses têm dificuldade para lançar um livro. Não temos um festival de poesia, a gente não trabalha o rock”. Ele destaca que o festejo junino – um dos maiores da região norte – é, atualmente, a maior força marabaense dentro do contexto cultural.
INVESTIMENTO DO GOVERNO
“Você não faz cultura sem dinheiro público. Nem esporte e turismo. Você não faz nada neste país sem que tenha participação do público e do privado”. Wilson Teixeira expõe ainda que muitos dos eventos da cidade são programados faltando pouco menos de um mês para que sejam realizados, como é o caso do carnaval e do Ano Novo, indo na contramão de outras prefeituras, que realizam essa organização com vários meses de antecedência.
Ele aproveita o gancho para citar uma outra problemática marabaense, no que diz respeito à cultura: o próprio povo. Quando há um aporte de dinheiro público nas ações artísticas, é comum ver na internet comentários negativos, reclamações e críticas direcionados a esse investimento, inclusive dos próprios produtores desse segmento.
“Quando a prefeitura faz um gasto, o cara diz ‘tinha que gastar na saúde’. É preciso que as pessoas entendam que gasto de saúde é saúde. Não tem que tirar de uma secretaria para a outra”.
Wilsão também pede por uma maior valorização dos elementos locais, como a ampla presença de povos originários, que poderiam ser suas manifestações ressaltadas por políticas públicas. A beleza dos rios Itacaiunas e Tocantins também deveriam, para ele, ser convertida em cenário e palco da arte marabaense.
A CONFERÊNCIA
O evento inicia com uma palestra de Zhumar de Nazaré, consultor cultural, na noite de sexta, a partir das 19 horas e encerrando com a eleição de delegados que irão representar o município na Conferência Estadual de Cultura (data ainda não divulgada).
“Nós iremos definir pautas a nível de município, de Estado e nacional. Cada eixo (cultural) terá agentes, produtores que irão debater essas demandas. Elas irão para o nosso relatório e depois encaminhadas para a Secretaria de Estado de Cultura”, detalha Genival Crescêncio, secretário Municipal de Cultura (Secult), interino.
Em seu escopo, a reunião intenta trabalhar cinco eixos temáticos pré-definidos pelo Conselho Nacional de Política Cultural: institucionalização, marcos legais e Sistema Nacional de Cultura; democratização do acesso à cultura e participação social; identidade, patrimônio e memória; diversidade cultural e transversalidade de gênero, raça e acessibilidade na política cultural; economia criativa, trabalho, renda e sustentabilidade e direito às artes e linguagens digitais.
Além das discussões, a conferência é o momento em que serão escolhidos os delegados para representar o município no evento estadual. A quantidade de delegados é calculada a partir do número de participantes da conferência, considerando um percentual de 5% destes. A partir de 500 pessoas, o número máximo de delegados é de 25.
Entre as atribuições que eles terão, está a defesa das pautas levantadas em Marabá, entre elas a questão da institucionalização e dos marcos legais, que são os eixos que possuem maior urgência no debate. Isso se dá porque em 2024, todos os municípios deverão aderir ao Sistema Nacional de Cultura.
“Para isso é preciso construir um Plano Nacional de Cultura, que é um plano para ser executado ao longo de 10 anos. Tem a questão também do Fundo Municipal de Cultura, a gente tem uma lei, precisa definir melhor e criar a conta do fundo. Nós precisamos reativar o Conselho Municipal de Política Cultural”, elenca o secretário.
O CONSELHO
Genival Crescêncio explica que durante a pandemia de covid-19, a formação do Conselho Municipal de Política Cultural foi paralisada e acrescenta que uma das ideias é que durante a conferência, seja criada uma comissão para dar início à discussão acerca da sua reativação. Um edital para composição do conselho chegou a ser lançado em 2022, mas não alcançou êxito.
Em simbiose com a Secretaria de Cultura, o conselho deve trabalhar desenvolvendo ações culturais que podem ser promovidas no município.
A intenção é que exista o fundo, ou seja, o financiamento para que as ações culturais possam ser desenvolvidas na cidade, bem como a capacitação dos conselheiros.
“Ele vai ser como um anexo da Secult. Cobrando, fiscalizando, gerindo ações para o município e dentro dessa normatização do sistema municipal, ela prevê a questão da participação popular, em uma política mais democrática”.
DIVERSIDADE CULTURAL
Eixo importante da conferência, o tema diversidade cultural é abordado por Pai Osias, representante da Umbanda, e que também deu entrevista para este CORREIO.
Ele faz essa reflexão levando em consideração que a cultura de sua religião é muito discriminada. “Ver, conhecer, participar junto com a gente, é muito importante”, reflete.
Por ser um eixo marginalizado pela sociedade, a divulgação de seus eventos e manifestações praticamente não acontece, fator que dificulta que essas informações cheguem até pessoas curiosas e daqueles que desejam saber um pouco mais sobre essa expressão cultural.
O preconceito é perceptível, reforça, e ainda é necessário avançar muito para quebrar essa barreira. O respeito, principalmente quando se fala da questão religiosa, é muito importante ser reforçado em todas as esferas da sociedade.
Recentemente a Praia do Tucunaré recebeu uma festa dedicada à Iemanjá, momento que reuniu diversas pessoas, ligadas ou não à religião. Devido aos preconceitos religiosos, as manifestações das religiões de matrizes africanas são invisibilizadas. “A ideia é dar publicidade para que eles possam ocupar seus espaços, que pertencem a toda a comunidade”, detalha Genival Crescêncio.
Sobre isso, e também sobre produção cultural de maneira abrangente, é importante destacar a fala de Wilson Teixeira: “Você só é percebido, você só é notado quando tem voz, se não tiver, não tem proposta cultural. Mas é um pouco de saudosismo, do que nós fomos e do que nós temos condição de ser”. (Luciana Araújo)