Correio de Carajás

Alunos se inspiram em notícia do CORREIO e produzem cordel em livro

A obra “O Pequeno Davi” foi produzida de forma coletiva pelos estudantes e é vendido no site Estante Mágica; cada criança assina como ilustradora de sua própria obra

Seane, Imilly, Lusa e Andréa representam, com orgulho, o projeto Cordel do Bico Doce/ Fotos: Evangelista Rocha

Nos versos e rimas da literatura de cordel, reportagens do CORREIO viraram arte, desenrolando como um carretel. A criação nasceu da criatividade de estudantes do 6º ano da Escola Paulo Freire (Bairro Novo Horizonte, Núcleo Cidade Nova), mas foi pelas mãos das professoras Luzinete Bezerra Silva (a ‘Lusa Silva’) e Seane Oliveira Xavier, que o projeto ‘Cordel do Bico Doce’ teve sua trama enredada.

Em meio às dificuldades que a educação pública de Marabá tem passado recentemente, com greve contra a gestão atual, a comunidade escolar tem feito de um pedaço de linha, um novelo. Com um projeto multidisciplinar, a equipe da escola encarou o desafio de ensinar cordel para três turmas do 6º ano do Fundamental.

O ‘Cordel do Bico Doce’ foi desenvolvido ao longo do primeiro semestre de 2023. Durante o processo, os alunos do 6º ano A conheceram o livro ‘A menina dos sonhos de renda’, além de aprenderem sobre o gênero reportagem. Oficinas de produção de cordel e xilogravura foram realizadas, para que, enfim, os estudantes colocassem a mão na massa.

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Agora, depois de pronto, o livro é vendido na plataforma digital ‘Estante Mágica’. Cada aluno assina como ilustrador de sua própria edição. A escola planeja realizar uma sessão de autógrafos com os pequenos leitores, para que cada um sinta o sabor de ter sua obra sendo apreciada por todos.

 

“Esse projeto vai para a Feira do Livro, em Belém. Eu vou fazer parte da mesa dos cordelistas da Amazônia e vou apresentá-lo aos visitantes”, adianta Lusa Silva.

 

O PROJETO

Escrito em conjunto pelas crianças – que compunham seus versos desafiadas por um bingo de rimas -, o livro ‘O pequeno Davi’ foi grafado. A cada rima criada, um pirulito era trocado e ao final das 18 estrofes, muitos doces foram apurados.

Seane Oliveira Xavier é professora de leitura no Colégio Paulo Freire e foi com ela que o primeiro capítulo do projeto teve início. Ao longo de dois meses, ela trabalhou o cordel ‘A menina dos sonhos de renda’ com o 6º A, intermediando o contato entre o gênero e os cordelistas iniciantes. “O nosso objetivo maior é formar leitores, que sejam autônomos e que tenham a competência de fazer críticas”, explica.

Durante a mediação da leitura, Seane incentivou os alunos a conhecerem a língua, o tipo textual e suas particularidades.

O gênero reportagem também foi trabalhado por ela, que usou como fonte de pesquisa os conteúdos do CORREIO. Além da história do menino Davi – que estampou várias notícias em maio de 2022 – matérias sobre as enchentes que assolam o povo marabaense também foram objeto de estudo para os alunos.

Após esse período, o carretel foi passado para Lusa Silva, professora e cordelista pertencente à Academia Paraense de Literatura de Cordel. A partir daí, a técnica do cordel foi trabalhada (não só no 6º A, mas também no B e no C).

 

A professora Lusa Silva contou com o apoio dos colegas de trabalho para a revisão do livro

 

Especialista nessa arte, Lusa ensinou sobre versos, rimas, métrica e oralidade. E, para incentivar os estudantes na produção do texto, ela criou o ‘bingo de rimas’, uma espécie de jogo onde a cada rima formada (e combinada na estrofe), seu autor recebe um pirulito como recompensa.

“Até hoje eu tô devendo doce para alguns alunos e eles cobram, viu?!”, brinca a educadora.

A ARTE

O processo de produção do livro ‘O pequeno Davi’ também contou com o trabalho das professoras de língua portuguesa Andréa Nogueira e Luciane Ribeiro. O professor de artes, Waldineis Brito, foi o responsável por desenvolver oficinas de ilustração com técnicas variadas, enriquecendo ainda mais todo o aprendizado da meninada.

Ainda que seja uma construção coletiva, cada estudante foi responsável por ilustrar sua própria versão do livro. Foram entregues para eles pequenos livretos em branco, para que copiassem as histórias e desenrolassem no papel as linhas de sua criatividade.

“É interessante porque cada um trouxe desenhos diferentes, alguma coisa distinta. Quando comecei a receber (as ilustrações) eu fiquei encantada”, rememora a professora Lusa Silva.

Uma das edições que estão à venda na plataforma ‘Estante Mágica’ é a que foi ilustrada por Imilly de Oliveira Jorge Pimentel. Arte que chama a atenção por sua empatia ao reconstruir cenas do triste acidente.

A ilustradora que quer ser estilista e trabalhar em Paris

 

Imilly de Oliveira Jorge Pimentel tem 12 anos e cursa o 6º ano na Escola Municipal Paulo Freire. Carismática e bastante segura em suas palavras, a menina contou para a Reportagem que seu sonho é ser estilista e ir para Paris. Enquanto sua maior ambição não se concretiza, a jovem se realiza criando roupinhas para seu gato e dando vida, através dos desenhos, às imagens da sua imaginação.

O lado artístico da menina é expresso nas ilustrações sensíveis que ela produziu para ‘O pequeno Davi’. “Eu gosto muito de desenhar, então a parte que eu mais apreciei foi ilustrar o livro”, revela, com um brilho no olhar.

 

Com sonhos ambiciosos e mãos de artista, a adolescente Imilly mostrou todo o seu talento nas ilustrações do livro

 

E, claro, para criar imagens tão sensíveis e emocionantes, sua principal fonte de inspiração foi o cerne da melancólica história de Davi. A sensibilidade de Imilly é exposta quando ela conta à Reportagem a emoção que experimentou ao ler o texto.

 

“Eu podia sentir o que o pai dele sentiu no momento em que ele caiu do jet-ski e aconteceu toda a história. Eu fui lendo e me inspirando para ilustrar o livro”.

Em meio às cores que se entrelaçam e se confundem nas artes criadas por Imilly no papel, o gosto pela escrita e pela leitura também é cultivado. A pequena ilustradora conta que tem bastante apreço pelas duas coisas – e consome muitos dos livros guardados na biblioteca da escola – mas o que ela mais gosta mesmo, é de ilustrar.

“Eu quero ser estilista. Eu gosto muito de desenhar e de corte e costura. Um dos meus maiores sonhos é fazer moda e ir para Paris. Acho que vai ser uma caminhada difícil, mas com fé em Deus eu chego lá”.

A HISTÓRIA DE DAVID

A crônica ‘A última dança de David Luiz num maio despedaçado’, do jornalista Ulisses Pompeu, foi um dos textos que serviu de consulta para o projeto ‘Cordel do Bico Doce’. Além dela, outras reportagens do CORREIO, sobre o assunto, também foram utilizadas como objeto de pesquisa.

Em 14 de maio, o pequeno Davi Luiz caiu de uma moto náutica, quando passeava pelo Rio Tocantins, na madrugada, com seu pai, Luciano Alves Ferreira. À época, as buscas pelo pequeno menino de apenas três anos geraram comoção em Marabá e região, mas seu corpo nunca foi encontrado.

Poucas horas antes da tragédia, o menino bailou e encantou quem o assistiu ensaiar seus primeiros passos da dança típica do São João.

 

“O divertido Davi Luiz foi batizado com nome de jogador de futebol. Mas em sua curta trajetória de apenas três anos, destacou-se mesmo foi na dança. Aprendeu a falar, andar e correr vendo os pais como um casal de destaque da Quadrilha Fogo no Rabo”, diz um trecho da crônica.

“E inclusive, a família dele não sabe (sobre o livro), nós não os conhecemos. Tivemos um cuidado para não ferir ninguém”, frisa a professora Lusa.

 

O cordel e a xilogravura

Em uma das definições do dicionário ‘Oxford Languages’, cordel significa uma corda bastante fina e flexível. O nome deste gênero literário deriva da forma como eles eram pendurados em barbantes pelos cegos de Lisboa, em Portugal.

O cordel é uma das mais antigas formas de literatura popular. Em suas páginas, o folheto apresenta as mais diversas histórias – reais ou fictícias – com versos humorísticos e até mesmo religiosos.

Xilogravura, por sua vez, é a arte de fazer gravuras em relevo sobre madeira. As imagens criadas são gravadas no papel e estampam os folhetos de cordel. Essa técnica foi trazida pelos portugueses para o Brasil.

(Luciana Araújo)

 

 

 

O PEQUENO DAVI

Amigos, peço licença,

Para uma história contar.

Vou falar de um menino,

Que partiu sem avisar.

 

Essa história aconteceu,

Aqui mesmo em Marabá.

É algo assim tão triste,

Que choro só de lembrar!

 

Davi Luiz era seu nome,

Um garotinho bem esperto,

Que gostava de dançar.

Neste mundo tão incerto!

 

Numa noite divertida,

No rio foi passear.

Com o pai no Jet ski,

Para nunca mais voltar!

Davi caiu do Jet ski

E afundou no rio.

E antes que o pai socorresse,

O garotinho sumiu!

 

O pai entrou em desespero.

E começou a gritar!

Dizendo: “Alguém me ajuda!

Preciso o Davi encontrar!”

 

O pai tão desesperado,

Não sabia o que fazer!

Lançava os olhos no rio,

Esperando-o aparecer…

 

Alguém querendo ajudar,

Ligou para os bombeiros,

Mas quem começou as buscas,

Foram os bons rabeteiros!

Os pescadores também,

Logo entraram em ação!

Lançaram redes no rio,

Fazendo um grande arrastão!

 

E foram dias terríveis!

Muita dor, choro e lamento

A esperança diminuída,

Aumentando o tormento…

 

Dias e noites de buscas,

Em peso a população.

Todos querendo ajudar,

Sem encontrar solução!

 

E após oito dias de buscas,

E de muito sofrimento,

Os bombeiros desistiram,

De procurar o inocente!

Davi foi morar no céu!

Ao lado do Salvador.

Os anjos fizeram festa,

No dia que ele chegou!

 

Dele guardamos somente,

As mais belas lembranças.

Interceda aí, anjinho bom,

Pelas nossas crianças!

 

Por você aqui pedimos:

Aos pais muita atenção!

Cuidado com seus filhos,

Em qualquer situação!

 

Se for passear de moto,

Sempre use o capacete!

E quando for de jet-ski,

Nunca esqueça o colete!

No carro use cadeirinha

Ou o cinto de segurança!

Todo cuidado é pouco,

Pra proteger as crianças!

 

A família do Davi,

Desde já pedimos perdão!

Se fizemos algo errado,

Não era essa a nossa intenção!