Na última semana de agosto de 2016, os brasileiros acompanharam pela televisão os senadores em ação naquela que é uma de suas atribuições específicas: julgar processos de impeachment de presidente da República.
Ao longo de seis dias, o país não desgrudou os olhos das sessões, que terminaram com o impeachment de Dilma Rousseff.
Foi o Senado que deu a palavra final sobre a perda do mandato da petista.
Leia mais:Em julho de 2017, novamente os brasileiros acompanharam de perto os senadores no plenário, votando um projeto de lei que afetava diretamente a vida da grande maioria dos cidadãos: a reforma trabalhista. Após uma longa sessão com direito a bate-boca, protesto e gritos, o Senado aprovou o texto que alterava algumas das leis trabalhistas.
Os dois episódios ilustram o papel que os senadores exercem na política nacional.
Além de julgar processos de impeachment de presidente e vice – cujo pedido de instauração precisa, antes, ser aprovado pela Câmara dos Deputados – e de propor e votar novas leis, contudo, os senadores têm outras atribuições específicas, que muitos eleitores desconhecem – e que a BBC News Brasil apresenta a seguir.
Qual o papel do Senado no Brasil?
Se o Brasil não tivesse um Senado, os interesses dos quatro Estados com mais habitantes do país poderiam prevalecer nas decisões do país, já que, na Câmara dos Deputados, o número de parlamentares é proporcional à população de cada unidade federativa (São Paulo tem 70 deputados, enquanto o Amazonas, por exemplo, tem 8).
Para que isso não aconteça em países politicamente divididos em Estados, que adotaram o chamado federalismo, como o Brasil e os Estados Unidos, surgiu a necessidade de um poder que representasse cada uma dessas unidades federativas. É assim que funciona o Senado brasileiro.
Quantos são?
No total, o Senado tem 81 senadores, com uma divisão igualitária de cadeiras – cada um dos 26 Estados do país mais o Distrito Federal têm direito a 3 senadores cada um.
“A ideia de Senado surgiu para garantir esse equilíbrio federativo. É um poder que termina sendo moderador naquilo que a decisão dos deputados poderia colocar em risco”, diz o cientista político e professor da PUC Ricardo Ismael.
Segundo Ismael, o Senado representa a relação entre Estado e unidades territoriais, enquanto a Câmara simboliza a relação entre Estado e sociedade.
“Os senadores não vão vetar projetos aprovados na Câmara, como, por exemplo, a questão da Previdência”, fala, referindo-se à função revisora da Casa, que tem a prerrogativa de avaliar e rever as propostas já votadas pelos deputados.
Atribuições específicas dos senadores
Assim como os deputados, os senadores podem propor novas leis, normas e alterações na Constituição.
Cabe a eles também, como destacado pelo professor da PUC Ricardo Ismael, revisar os projetos votados pela Câmara, pedindo eventualmente alterações.
“O Brasil tem um dos Senados mais fortes do mundo. A gente costuma falar que o Senado é a Casa Revisora, como se os senadores só revisassem os projetos de lei. E isso não é verdade, os senadores propõem leis, emendas constitucionais. Eles dividem com os deputados o papel de legisladores”, afirma a cientista política Carolina de Paula, autora do livro O Que Faz um Senador? Um Estudo Sobre a Representação Política dos Senadores Brasileiros.
Ela, que atualmente integra o Núcleo de Estudos Sobre o Congresso do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, elenca algumas das atribuições específicas dos senadores, previstas na Constituição.
Cabe aos senadores sabatinar e aprovar a escolha dos postulantes a procurador-geral da República, a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), a presidente do Banco Central e a embaixadores.
Eles também são os responsáveis por autorizar a obtenção de empréstimos internacionais da União, dos Estados e dos municípios. Os senadores também devem fixar o limite da dívida consolidada dos três entes federativos.
Esta atribuição de sabatinar os indicados pelo presidente da República a ministros do STF, por exemplo, tem atraído atenção para o papel do Senado nos últimos anos. “Como o Supremo tem ganhado muita importância e sua atuação interfere frequentemente nos poderes Executivo e Legislativo, o processo de indicação adquiriu maior atenção da sociedade e vem ganhando maior rigor da parte dos senadores da Comissão de Constituição e Justiça, que fazem o processo de arguição antes da votação final sobre os nomes no plenário do Senado”, explica o professor Michael Mohallem, da faculdade de Direito FGV-Rio.
Também é o Senado que processa e julga por crimes de responsabilidade presidente da República e vice, ministros do STF, procurador-geral da República e advogado-geral da União.
No que diz respeito à votação do Orçamento da União, essa função é dividida com a Câmara. “É das poucas matérias que são votadas em conjunto pelo Congresso, há uma comissão mista de senadores e deputados para isso. Os senadores votam depois separadamente, mas o processo é feito em conjunto”, diz o consultor legislativo do Senado Arlindo Fernandes de Oliveira.
Duração do mandato
Os senadores têm direito ao mandato mais longo do país, com duração de oito anos. O motivo é a garantia da estabilidade institucional.
“Isso acontece pela história política do país mesmo, não há uma causa objetiva. No Império, os senadores tinham mandato vitalício; na primeira Constituição da República, em 1891, eles passam a ser eleitos e o cargo tinha duração de 9 anos. Na Carta de 1934, entra a regra de 8 anos, que permanece até hoje”, diz a cientista política Carolina de Paula.
Como é a eleição para senador
Os candidatos ao Senado precisam ter no mínimo 35 anos para concorrer ao cargo – para deputado, a idade mínima é 25 anos – e ter domicílio comprovado no Estado pelo qual disputarão a eleição. Assim como acontece na eleição para presidente, governadores e prefeitos, são eleitos aqueles que têm mais votos, seguindo o sistema majoritário.
A cada quatro anos é eleito um senador, e a cada oito anos, dois. Portanto, atenção: na eleição do dia 7 de outubro, os eleitores precisam votar em 2 senadores diferentes. Quem eventualmente votar duas vezes no mesmo nome terá o segundo voto será anulado.
A renovação do Senado, devido ao mandato mais longo, se dá sempre de modo alternado: numa eleição, como a deste ano, há 54 vagas em disputa, quatro anos depois, 27.
A justificativa para esse modelo de renovação em que se vota a cada quatro anos em um candidato, e a cada oito anos, em dois, é que isso serviria para oxigenar a Casa, diz Carolina de Paula.
“A renovação intercalada permite que a bancada partidária e os Estados possam controlar e acompanhar os projetos em andamento, assim, mesmo que alguns nomes sejam substituídos nas urnas, sobrariam outros para essa função”, fala.
Senador pode ser reeleito?
Pode. E não há limite para a reeleição, ou seja, uma pessoa pode passar a vida no Senado, se conseguir se reeleger a cada 8 anos.
Salário
Os senadores têm direito a um salário de R$ 33.763 e mais benefícios garantidos pela lei, como ocupar um apartamento funcional e ou obter auxílio-moradia no valor de até R$ 5.500, mais ajuda com custos de viagens, funcionários de gabinete, entre outros. No total, a ajuda com a cota parlamentar pode chegar a até R$ 45 mil.
Suplência
Cada senador eleito por seu Estado tem direito a dois suplentes. Isso significa que, se ele tiver que deixar o Senado por algum motivo, como, por exemplo, assumir um ministério, um desses dois suplentes o substituirá na função.
Esses substitutos, que têm seus nomes inscritos junto à candidatura de cada senador, acabam virando senadores.
Os senadores eleitos, no entanto, podem retomar sua cadeira no Senado a qualquer momento. Por exemplo, se um senador tenta se eleger como prefeito, governador ou presidente e perde a eleição, ele tem garantido o direito de voltar ao Senado e terminar seu mandato.
“A suplência, eu acho, é o principal problema no Senado. Os suplentes são indicados muitas vezes em retribuição ou orientação de quem doou dinheiro para financiar a campanha do senador eleito. E eles acabam virando senadores e o eleitor nem sabe”, diz Carolina de Paula. (Fonte: BBC Brasil)