Correio de Carajás

Caso Gabriel Pimenta, em Marabá, deve abrir jurisprudência internacional

Corte Interamericana determina que memorial ao advogado seja instalado em Marabá, onde ele foi executado em via pública

Gabriel Sales Pimenta, advogado dos trabalhadores rurais, foi morto em Marabá, há 41 anos / Crédito: Reprodução/Abrapo

Aos 27 anos, o advogado Gabriel Sales Pimenta, defensor dos Direitos Humanos e natural de Juiz de Fora foi assassinado com três tiros em Marabá. O crime completou 41 anos nesta terça-feira (18), quando o assessor especial do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Nilmário Miranda, acompanhado do advogado e irmão de Gabriel, Rafael Sales Pimenta visitaram a cidade e concederam uma entrevista coletiva. O objetivo da ação foi detalhar encaminhamento das reparações determinadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, reafirmar o cumprimento total da decisão sobre o caso tomada em junho de 2022 e publicada em outubro do mesmo ano.

Como ocorreu a impunidade e a prescrição do crime, a Corte Interamericana de Direitos Humanos foi acionada. O processo foi marcado por morosidade e omissões. Com uma decisão baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em diversas convenções sobre o assunto, a sentença da Corte indicou uma série de medidas para a reparação de todos os erros cometidos no processo. Esse reconhecimento e o cumprimento dessas providências comporá uma jurisprudência com repercussão internacional, conforme o advogado Rafael Sales Pimenta. Que pode vir a ser aplicada no caso de outros defensores dos Direitos Humanos que foram assassinados por conta do trabalho que desempenharam. Isso inclui a possibilidade de reabertura do processo de Rafael.

“Só o fato da iniciativa de qualquer abertura de qualquer processo, do Gabriel ou qualquer outro, e que haja uma solução jurídica do Governo federal, junto ao Ministério de Direitos Humanos e o Judiciário, é um avanço gigantesco do ponto de vista dos Direitos Humanos. Porque a questão não é resolver um caso. A questão é estabelecer um parâmetro, o caso virar um paradigma para os que vêm depois. Precisamos do recado de que a democracia está de volta e de que a gente não se afasta mais dela”, afirmou Rafael.

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O advogado pontou que o sentimento da família diante desses contornos é de satisfação, apesar de o caso ter completado mais de quatro décadas. “Não é o tempo que conta. Eu sou advogado há 33 anos. Processos demoram, a apuração e a instrução demoram. No caso do Gabriel, foi o atraso na sentença na esfera do Brasil, que abriu a possibilidade de que o processo fosse para a Corte Interamericana. A apuração da corte foi de tal grau profundo, que é unânime entre quem lida com Direitos Humanos, que a sentença do Gabriel é a mais completa em 40 anos de atividade da Corte.”

Nilmário reiterou o compromisso do Governo Federal em cumprir integralmente as decisões da Corte. “No caso do Gabriel Sales Pimenta. 40 anos atrás o Brasil falhou miseravelmente. Pistoleiros pagos, foi morto em função da sua atuação como protetor dos Direitos Humanos. Defender pessoas que tinham os seus direitos violados. Na região havia e ainda há uma grande demanda. A presença de crimes contra os direitos humanos: garimpo, grilagem, posse de terras públicas e, daí, vieram muitos conflitos, muitas mortes, uma história muito violenta.” O caso dele, como lamentou Nilmário, teve a cumplicidade dos órgãos oficiais para legitimar a impunidade.

Ações concretas

Entre as ações determinadas pela Corte Interamericana, está a criação de um memorial para perpetuar o fato de que Juiz de Fora teve um grande defensor do Direitos Humanos, assassinado injustamente. “Um lugar de memória que tenha significado para além da dor, da crueldade, que envolve esse tipo de violação aos direitos humanos, o que pode ser um legado para quem vem depois. No nosso caso, a reafirmação da importância da democracia. Que é incompatível impunidade, com essas mortes covardes de pessoas que estavam ali trabalhando por causas coletivas.”

Inicialmente, o relator da ação teria indicado que o memorial fosse instalado em Belo Horizonte. Porém, a comissão formada pela família, o Ministério de Direitos Humanos, a Universidade Federal de Juiz de Fora e a Prefeitura de Juiz de Fora formam um grupo de trabalho que busca um espaço para que o memorial seja construído em Juiz de Fora, local em que a família de Gabriel viveu e onde ele se formou. Outro memorial deve ser feito em Marabá, cidade em que o advogado foi executado.

Outros pontos da decisão destacados por Nilmário indicam um pedido de desculpas público a ser feito pelo Estado brasileiro, a reparação financeira e, também, a criação de dispositivos que protejam os defensores de Direitos Humanos. A intenção é que as medidas contribuam para tornar esses crimes imprescritíveis. Nilmário exemplificou as ações com uma reunião marcada para o próximo dia 28, com a Comissão Camponesa da Verdade, onde crimes como o que vitimou Gabriel são frequentes. A ideia é que o Conselho Nacional de Justiça, os Conselhos Jovens e as Cortes de Justiça participem desse debate e ajudem a reparar o dano estrutural.

A expectativa é de que casos de outros defensores, como o do jornalista Vladmir Herzog, da socióloga e vereadora Marielle Franco, do militante Eduardo Collen Leite, entre outros, nomes, tenham encaminhamento semelhante. Nilmário também destacou que o Estado brasileiro volta a ter programas de defesa após seis anos sem destinação de recursos para esse fim.

“Temos visto o esforço do Ministério de Direitos Humanos. Estamos animados com a receptividade do governo e estamos convictos de que a sentença será integralmente cumprida”, destacou Rafael”. Ele comentou que ouviu do ministro Silvio Almeida que o caso de Gabriel está na mesa da pasta desde o primeiro dia de trabalho. Ainda segundo Silvio, o cumprimento da decisão da Corte será um paradigma para o Ministério, criando um modo de procedimento para ser executado em todas as outras que vierem na sequência.

“É uma mudança completa no modo de se relacionar do Estado brasileiro com os Direitos Humanos. Isso é o mais importante”, reforça Rafael.

O secretário Especial de Direitos Humanos, Biel Rocha, lembrou que desde 2003 uma Rua no Bairro Vale Verde foi nomeada de Advogado Gabriel Sales Pimenta e que há a iniciativa de homenagear o defensor de Direitos Humanos, dando o nome dele a uma das escolas do município. A ideia é que essas ações deem visibilidade ao caso, além de contribuir para a perpetuação da memória e para impedir que outros casos venham a acontecer. A vereadora Cida Oliveira (PT) também compareceu à entrevista e ressaltou a importância de abrir as portas da Câmara Municipal para acolher a temática.

Defensor dos Direitos Humanos

Gabriel Sales Pimenta atuou como advogado do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá, onde defendeu os direitos de trabalhadores rurais. Por esse motivo, foi alvo de várias ameaças de morte. Em meados de 1980, havia uma área incorporada como patrimônio da União, que foi ocupada por trabalhadores rurais e suas famílias, chamada de Pau Seco. Empresas começaram a retirar madeira do espaço e disseram que teriam adquirido o domínio do local. Em outubro do ano seguinte foi concedida liminar de reintegração de posse do local às empresas que atuavam naquele espaço. Todos os trabalhadores foram despejados. No mês seguinte, Gabriel conseguiu interpor um mandado de segurança, suspendendo a liminar e os trabalhadores puderam voltar para suas terras.

Gabriel denunciou três homicídios de trabalhadores rurais em Pau Seco. Em 18 de julho de 1982, Gabriel acompanhado de dois amigos foi a um bar em Marabá. Quando estavam saindo do estabelecimento em direção ao carro de uma amiga, que estava estacionado, um fusca passou do lado e disparou três vezes contra o advogado, matando-o na hora. Havia dois outros homens dentro do veículo, conforme testemunhas.

Um julgamento foi marcado para maio de 2002, porém ele foi suspenso, pela falta de um dos suspeitos do crime. Os dois executores foram assassinados, segundo Nilmário Miranda, com evidências que levantam a hipótese de queima de arquivo, antes de o processo chegar à última instância, em 2006. (Fonte: Renan Ribeiro – acessa.com)