Apesar do Estatuto do Idoso ser considerado um modelo para outros países, especialistas ponderam que, depois de 15 anos, a legislação ainda não está totalmente implementada e o cumprimento de vários artigos é completamente ignorado em muitas partes do Brasil.
Preconceito e falta de conscientização estão entre as principais barreiras para efetivação das políticas. “O estatuto é ignorado muitas vezes pelas próprias autoridades que deveriam monitorar e implementar. O acesso a serviços ainda é lamentável e em algumas áreas há retrocessos. Há discriminações flagrantes pela pessoa ser uma idosa. Nós temos muito caminho a percorrer para que esse estatuto possa realmente ser uma conquista e não apenas um belo documento acumulando poeira na prateleira”, diz Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade.
Conselhos de direitos
Uma das dificuldades para a implementação está a pouca estrutura dos chamados conselhos de direitos da pessoa idosa, que atuam na articulação e fiscalização de políticas públicas em âmbito local. Em todo o país, há cerca de 200 conselhos municipais, para mais de 5,5 mil cidades.
Leia mais:Ela explica que a estruturação dos conselhos ainda é recente e a implementação do estatuto é diferenciada entre os estados devido à heterogeneidade do país. Alguns municípios avançaram mais do que outros, mas enfrentam desafios de dar continuidade às políticas, que ficam sujeitas às mudanças políticas. Segunda Laura Machado, onde há conselho, existe mais envolvimentos dos gestores e ações direcionadas para os idosos. Onde não há conselho, há uma dependência dos gestores municipais e iniciativas autônomas.
O Estatuto do Idoso não prevê formas de financiamento para sua implementação. A legislação permite que as empresas destinem 1% do imposto devido para os conselhos de direitos humanos, mas muitos empresários desconhecem ou não têm interesse.
Com a ausência dos conselhos, a assistência aos idosos é feita por voluntários da Pastoral da Pessoa Idosa. A entidade visita cerca de 145 mil idosos por mês, em 909 municípios de todos os estados.
“Às vezes, por influência dos voluntários da Pastoral é que começa a ser discutida a necessidade do conselho”, relata Terezinha Tortelli, coordenadora da Pastoral.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos (MDH), o Fundo Nacional do Idoso, criado em 2010, recebeu de 2011 a 2014, mais de R$ 20,5 milhões de recursos. Do montante, 24,3% correspondem a doações de pessoas físicas e jurídicas, 27,8% foram captados por rendimentos de aplicações financeiras e 27,1% foram transferidos pelo Tesouro Nacional.
Em 2015, foi criado um cadastro de fundos estaduais, distrital e municipais do idoso para ampliar os dados sobre a arrecadação. O MDH informou que este ano 41 conselhos (18 estaduais, 22 municipais e o Distrito Federal) receberam carros novos, equipamentos de informática e mobiliário para escritório.
“Envelhecimento tem cara feminina”
O país tem hoje 30 milhões de idosos, número que pode dobrar até 2060, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de o brasileiro viver cada vez mais, os especialistas alertam que a sociedade ainda trata com indiferença o envelhecimento, o que impossibilita ou dificulta a preparação para esta fase da vida.
“As pessoas acham, sobretudo os homens, que são máquinas indestrutíveis e não pensam, tanto em relação ao capital financeiro, como o capital de saúde, que quanto mais cedo você acumular, melhor. E nós temos essa mentalidade de que envelhecimento não tem nada a ver comigo”, alerta Kalache.
Para idosos de baixa renda, a garantia dos direitos é ainda mais difícil. Se a pessoa idosa for mulher, negra, por exemplo, a exclusão é maior ao passar dos 60 anos de idade. Segundo o IBGE, as mulheres representam 56% dos idosos e os negros 55%.
“O envelhecimento tem uma cara feminina, porque quanto mais idosa a população, mais mulher você encontra. Você tem aí uma discriminação dupla: de gênero e do envelhecimento. Outra discriminação dupla é você ser negro e envelhecer. É uma vida de exclusões, de violações que o envelhecimento agrava”, destaca Kalache.
Outro grupo vulnerável é a população LGBT. “São pessoas que vieram de outras gerações, de uma realidade em que não podiam nem sair do armário e agora tem um capital social reduzido. E o estatuto do idoso não contempla essas minorias”, completa.
O preconceito em relação aos idosos se deve, de acordo com os profissionais da área, é a falta de informação e educação voltada para o processo de envelhecimento.
“Há um pouco de olhar equivocado sobre o envelhecimento de uma maneira geral. A expressão ‘melhor idade” mascara uma realidade, talvez inconscientemente, querendo enaltecer o lado positivo. Só que não dá pra ignorar que uma grande parcela da população idosa não tem benesses, não consegue usufruir de momentos melhores”, afirmou Terezinha Tortelli.
A coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa lamenta ainda que as escolas trabalhem pouco o assunto. “Falta de fato as escolas aderirem e colocarem no currículo, não só escolas para crianças, o ensino fundamental, mas também as universidades, que tenha uma carga horária x que contemple a temática ou que nos temas diversos se traga também o tema do envelhecimento”.
A Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa informou que este ano foi criado o programa Estratégia Brasil Amigo da Pessoa Idosa, com o objetivo de ampliar a qualidade de vida e promover envelhecimento saudável e ativo, em parceria com os estados e municípios.
A pasta informou que o Programa Nacional de Educação Continuada de Direitos Humanos prevê a oferta gratuita de cursos à distância sobre assistência e direitos dos idosos. (Fonte: Agência Brasil)