O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) promovem nesta semana, em Marabá, um encontro regional que versa sobre os direitos humanos e da natureza na região Amazônica.
O evento teve início na terça-feira (13) e encerra nesta quarta (14). O auditório da Unidade II da Unifesspa (Folha 17, Nova Marabá) foi o local escolhido para sediar a ação, que conta com a participação de representantes de movimentos sociais, membros do MPPA e da universidade, além de ser aberto à comunidade.
Para o CORREIO, José Edvaldo Pereira Sales, promotor de justiça e diretor geral do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MPPA, relata que eventos como este expandem a atuação da entidade, no quis respeito à defesa dos direitos da terra, da natureza, de movimentos sociais, dos povos originários e tradicionais, indo além dos procedimentos de rotina executados pelas promotorias.
Leia mais:“Aqui nós ampliamos o debate e, sobretudo, ouvimos os movimentos sociais, as pessoas que têm seus direitos violados diariamente, para que a partir daí, nós tenhamos um norte melhor da nossa própria atuação”, discorre.
A escolha de Marabá para sediar o evento foi proposital, diz o promotor. Ele frisa que o MPPA tem consciência da situação vivenciada em todo o Estado – em relação à violência – e especialmente na região sul e sudeste do Pará. “Aqui, particularmente, em razão de um processo histórico de violência pela terra, em razão de grandes empreendimentos, o evento é trazido para cá, para agregar os movimentos sociais e podermos ter essa percepção da parte deles, sobre como nós podemos atuar e corresponder essas expectativas”.
Ione Nakamura, promotora de justiça agrária do MPPA e coordenadora do Núcleo de Questões Agrárias e Fundiárias do MPPA, com atuação na região nordeste paraense e em Belém, conta que tem sido observado um acirramento dos conflitos no campo. Ela frisa que o Estado enfrenta essa violência histórica principalmente pela falta de destinação e de conclusão de processos de posse e propriedade na região.
“Nós temos pelo menos 72 decisões judiciais de reintegração de posse aguardando serem cumpridas”, explica. Ela fala ainda sobre a criação de uma comissão que busca soluções fundiárias e solução de conflitos para que as situações de violência não persistam.
Muitos dos casos de reintegração de posse são judicializados, os processos são concluídos, mas o conflito se estende, explica Nakamura. Ela aponta que é preciso buscar alternativas para que essa situação seja efetivamente findada. “O que, na minha opinião, nós só vamos conseguir com esse objetivo, com a destinação da terra”, finaliza.
A comissão citada por Ione faz parte do cumprimento de decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal para que sejam feitas mediações de conflitos agrários, visando a pacificação. No último 12 de maio, o desembargador Mairton Marques Carneiro, titular da Ouvidoria Agrária do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) esteve em Marabá para iniciar os diálogos sobre a criação desta pasta. “Essa região agrária é uma das mais conturbadas, mas eu acredito sempre na mediação”, disse ele, na época, para a reportagem do CORREIO.
BARREIRAS
A reportagem conversou com Pablo Carvalho Neri, assentado da reforma agrária e educador popular, integrante da Direção Nacional pelo Estado do Pará do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e questionou sobre quais as barreiras que o movimento encontra nesta região, no que diz respeito ao combate à violência. O educador responde que o principal é a impunidade. “Nós estamos em um momento bem emblemático em que o congresso tenta emplacar uma CPI, tenta criminalizar a ação de luta principal do movimento, que é a ocupação de terra”.
Pablo explica que o movimento vê a ocupação de terras como um mecanismo de pressão, para que haja o cumprimento da lei da reforma agrária em locais onde acontecem crimes ambientais, trabalho escravo, terras que não estão à serviço da população, mas de interesses externos. “A gente parte do princípio que a nossa luta fundamental é de que a lei seja feita. A maior segurança jurídica que o fazendeiro pode ter é que ele cumpra a função social da terra. Nesse sentido, o nosso maior impedimento é a impunidade no país, como elemento que está permanentemente presente”, declara.
Como exemplo de casos que ficaram impunes, ele cita o Massacre de Eldorado do Carajás (1996) e inúmeras chacinas no campo e na cidade praticadas contra a população negra e povos da Amazônia. Além disso, ele destaca que a maneira que a sociedade desenvolve a sua economia e a si própria, impacta diretamente nesses atos de violência. “Se a gente tem um PIB (Produto Interno Bruto) e produção de riquezas voltados para a produção de soja, de boi e de minério, logicamente isso vai expressar a ampliação dos conflitos territoriais, da violação dos direitos humanos e da natureza”, destaca.
CRIMES NA AMAZÔNIA
Andréa Aparecida Silvério, advogada popular e coordenadora Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), expressa que as universidades são um espaço de debate e acolhimento dos movimentos sociais, de luta na região e espaço de proposições e soluções para a realidade de violência, não só na região sul e sudeste, mas em todo o Estado e no País.
“Aqui no Pará a gente destaca, por exemplo, os dados de violência contra as pessoas. Muitas ainda são ameaçadas de morte e assassinadas em decorrência desses processos de luta, pela defesa dos direitos humanos, pelo acesso à terra, direitos territoriais e tudo o mais”, explica a advogada.
Como exemplo das agressões cometidas contra pessoas ligadas a movimentos sociais e ambientais, é possível citar os assassinatos de Bruno Pereira, indigenista brasileiro, e de Dom Phillips, jornalista britânico. O crime aconteceu em 05 de junho de 2022, durante uma viagem dos dois pelo Vale do Javari, segunda maior terra indígena do Brasil, no extremo-oeste do Amazonas.
Para Andréa, a proximidade entre o aniversário de morte dos ativistas e a realização do evento é um momento para dar visibilidade para a violência e para a impunidade que cerca essa pauta. “Quando a gente fala de crimes, sobretudo na Amazônia e especialmente no Pará, a gente precisa demarcar o debate sobre a impunidade e a necessidade da atuação do sistema de justiça, para desvendar todos aqueles que estão envolvidas nesse tipo de caso e promover investigações que possibilitem, inclusive, o julgamento sério e impessoal dessas pessoas”, conclui. (Luciana Araújo)
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