Correio de Carajás

Passageiros sem dinheiro em espécie não têm acesso a refeições no trem da Vale

Na Era do PIX, maior meio de pagamento no Brasil, EFC não oferece rede sequer para pagamento com cartões de débito no vagão restaurante

Vagão restaurante centraliza as vendas de refeições no trem/Fotos: Registros dos usuários

O CORREIO foi acionado por passageiros que utilizam a Estrada de Ferro Carajás, gerida pela mineradora Vale, os quais consideram absurdo que o vagão restaurante não tenha acesso à rede de comunicação para aceitar pagamentos eletrônicos por refeições e água. O fato sequer é alertado aos usuários quando da compra das passagens para viagens que podem durar até 13 horas entre Marabá e São Luís (MA), por exemplo. De outro lado, a empresa, que em 2020 divulgou que a EFC é uma das ferrovias mais tecnológicas do mundo, contando até com Inteligência Artificial para gerenciar processos, afirma não ter como garantir tal melhoria no trem de passageiros.

São 861 km, com 15 pontos de parada ao longo de 27 municípios, sendo 24 no Maranhão e 3 no Pará. Ao todo, a jornada dura 16 horas. Os pontos com maior registro de embarque no Pará são Marabá e Parauapebas, e no Maranhão, as cidades de São Luís, Santa Inês e Açailândia.

Desde 2015, quando do início do processo de duplicação da ferrovia, o trem não conta mais com janelas abertas e a possibilidade de compra de alimentos externos, nas pequenas comunidades onde a composição aguarda passagem dos trens de minério. Toda a aquisição de comida e água, ou outros líquidos é centralizada no vagão restaurante, hoje operado por uma terceirizada.

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No cardápio, marmitex, prato executivo, misto quente e até doces. No guichê de compra por esses alimentos, nenhum aviso informativo sobre meio de pagamento ou alternativas. O cliente em questão só fica sabendo que só pode pagar em dinheiro vivo ao questionar o atendente. O susto é imediato para quem embarcou só com o cartão de crédito e débito ou com o aplicativo do banco no celular.

No guichê, nenhum aviso sobre formas de pagamento

REALIDADE DO BRASIL

No ano passado, o Pix foi o meio de pagamento mais utilizado no Brasil, segundo levantamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com base em dados do Banco Central e da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).

Foram 24 bilhões de transações, mais que as operações com cartão de débito, boleto, TED, DOC e cheques somadas. Na média, foram 66 milhões de operações diárias com o sistema de pagamento instantâneo, lançado em 2020.

Ao longo da Ferrovia, as cidades que realmente oferecem internet móvel nas quais o trem fica parado por mais tempo são apenas cinco, segundo relatado, mesmo assim, o restaurante nem cogita aceitar PIX. Para a maquininha de cartão o que é dito é que o trem não tem acesso a sinal de satélite para permitir o serviço.

PASSAGEIROS

O empresário Pedro Robson Costa, que reside na capital maranhense e tem familiares em Marabá, cidade a qual visita com regularidade, é um dos que falou com o CORREIO e questiona que o trem, tão importante meio de transporte, tenha estacionado no tempo no que diz respeito a tecnologia.

“Aqui eles não recebem qualquer tipo de pagamento eletrônico, apenas dinheiro em espécie. Quem eventualmente não o tenha, ou não tenha trocado, que também é um problema, só consegue se alimentar se pegar emprestado com outro passageiro. Penso logo em quem está viajando pela primeira vez e sozinho, num trajeto entre Marabá e São Luís, por 12 ou 13 horas, essa pessoa literalmente vai passar fome. Não pode ser algo normal”, questiona.

O trem transporta diariamente até 1.500 passageiros

O exemplo citado por ele foi vivido na pele pelo marabaense Antônio Firmino Mendes, que viajou na EFC no início de maio pela primeira vez. Sem ter a quem recorrer por dinheiro vivo, acabou tendo de pegar emprestado com um desconhecido para pelo menos almoçar no trem. “Não consigo entender que a Vale tenha tecnologia suficiente para monitorar e controlar seus trens à distância, mas não consiga oferecer sinal de satélite para o restaurante do seu trem. E, mais ainda, mesmo nessa situação, que pelo menos avisem a pessoa quando do ato da compra da passagem. A covardia está aí, em só descobrir que você está de mãos atadas, quando já trancado dentro do vagão”, reclama.

A situação também foi confirmada por Maria Carolina de Souza, em viagem de férias a São Luís com dois amigos. Coube a ela, com o pouco dinheiro em espécie que havia levado na viagem, emprestar aos dois colegas.

Este outro vagão conta com mesas para as refeições

IMPORTANTE

O Trem de Passageiros de Estrada de Ferro Carajás (EFC) completou 37 anos no último mês de março e é um importante meio de transporte do Norte do País, mantida pela Vale como uma contrapartida social dentro das suas obrigações como concessionária da ferrovia pelo Governo Federal. Sua atuação é auditada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Ao longo de seus 861 km, passando por 27 municípios do Pará e do Maranhão, transporta brasileiros que vivem em regiões isoladas desses estados e que, pelo preço acessível das passagens, conseguem se locomover para grandes centros populacionais.

Uma única viagem de trem pela EFC transporta até 1.500 pessoas na alta temporada, o que equivale a 28 ônibus ou 325 veículos a menos circulando nas rodovias. A vantagem se amplia quando pensamos nas condições de algumas rodovias, que fazem viagens curtas de carro durarem quase o dobro do tempo. Foram 285 mil passageiros por ano em 2017 e 330 mil em 2019, último ano antes da pandemia de covid-19, que limitou a quantidade. A projeção é de que volte a ter transportado 300 mil ao final de 2023.

FRIO

Outra queixa de usuários e que também é pertinente é que desde que o trem passou a ser 100% fechado e com centrais de ar, os passageiros não têm acesso a modulação do clima dentro dos vagões que é considerado “excessivamente frio”, pelas pessoas ouvidas pela reportagem.

Desavisado, quem não leva cobertor pode penar no frio

“Quem viaja, passa isso num ônibus leito, por exemplo, mas a empresa de ônibus oferece mantas, cobertores. O trem, eu entendo que não tem como oferecer isso a 1.500 pessoas, mas pelo menos avisar, orientar que o passageiro leve seu edredom, seria importante. Vi muita gente tremendo de frio por ter embarcado com roupas leves e sem poder se proteger do frio intenso”, relata a professora Rosana Alencar.

REPOSTAS DA VALE

O CORREIO apresentou as demandas dos passageiros para a Vale e pediu que a empresa desse respostas sobre as mesmas, o que nos foi enviado por escrito. Veja:

“Nota – A Vale agradece o contato e informa que está sempre atenta às opiniões para identificar formas de aprimorar a qualidade dos serviços oferecidos pelo Trem de Passageiros da Estrada de Ferro Carajás.

Infelizmente, por conta da baixa ou ausência de sinal de internet ao longo da viagem, ainda não é possível disponibilizar o pagamento de refeições com pix e cartão, tecnologias que exigem esse recurso. A Vale informa, no entanto, que já está desenvolvendo um projeto, com a ajuda de empresas de tecnologia, voltado a viabilizar o acesso à internet durante toda a viagem usando a infraestrutura da própria Vale, com fibra ótica. Reconhecemos que a sugestão quanto a informação do pagamento em dinheiro em espécie, ainda na fase de compra, é fundamental para evitar contratempos. Neste sentido, iremos reforçar essa informação nos canais de venda e estações.

Sobre a temperatura do ar-condicionado, informamos que ela é regulada considerando o ambiente externo, de forma que se mantenha uma temperatura regular durante toda a viagem, com a média de 23 graus.

Continuamos atentos às sugestões, reclamações e elogios, que podem ser feitos diretamente ao nosso time durante as viagens ou por meio do Alô Ferrovias no 0800 285 7000, 24h por dia, 7 dias por semana”. (Patrick Roberto)

 

*Atualizada em 23/05/2023 às 10h30