A Justiça francesa absolveu, nesta segunda-feira, a Air France e a Airbus pelo acidente com o voo 447. A companhia aérea e a fabricante da aeronave enfrentavam a acusação de homicídio culposo, quando não há intenção de matar, pelo acidente que deixou 228 mortos. Quase 14 anos depois da tragédia, o tribunal considerou que, apesar de cometerem “falhas”, não se “pôde demostrar (…) nenhuma relação de causalidade segura” com o acidente.
O avião caiu no dia 1 de junho, há 13 anos, no Oceano Atlântico, horas após ter decolado na capital fluminense. Com 228 mortos – todos os 216 passageiros, além dos 12 tripulantes – o acidente foi o mais letal da história da aviação comercial francesa. Os destroços da aeronave foram encontrados apenas dois anos depois da queda, a 3.900 metros de profundidade.
O conteúdo das caixas-pretas confirmaram que o acidente foi motivado pelo congelamento das sondas de velocidade no momento em que o avião estava em voo de cruzeiro, em uma zona com condições meteorológicas adversas denominada Zona de Convergência Intertropical. O problema levou os aparelhos a emitirem informações incorretas sobre altitude, o que fez com que os pilotos perdessem o controle do avião.
Leia mais:Depois, investigações revelaram que danos semelhantes nas sondas haviam ocorrido antes do acidente, o que despertou questionamentos sobre a postura das empresas frente aos erros, e se ela poderia ter influenciado na queda do voo 447. De outubro a dezembro do ano passado, esse papel da companhia aérea e da fabricante foram analisados no julgamento.
Os destaques do julgamento do voo 447
Em 10 de outubro de 2022, a ampla sala de audiências do Tribunal de Paris foi divida em duas partes: à esquerda, posicionam-se os familiares e amigos das vítimas; e, à direita, os funcionários e especialistas da Airbus e da Air France.
No início do julgamento, após a presidente do tribunal, Sylvie Daunis, ler cada um dos nomes dos 228 mortos, a diretora-geral da Air France, Anne Rigail, e o presidente-executivo da Airbus, Guillaume Faury, expressaram “compaixão”, “respeito” e “consideração” pelos familiares das vítimas. Ambos sustentam que as empresas não cometeram falhas. As falam despertaram fortes reações dos parentes, com exclamações de “vergonha de vocês!” repercutindo pela audiência.
Dia após dia, especialistas reconstituíram, segundo a segundo, os últimos 4 minutos e 23 segundos do voo a partir do congelamento das sondas Pitot. As últimas palavras dos pilotos e os ruídos da cabine, retirados das caixas-pretas, são reproduzidos a portas fechadas em 17 de outubro.
“Eles estavam na incompreensão total”, relata, na saída, Corinne Soulas, que perdeu a filha, abalada e emocionada como todos os presentes. A cada audiência, os testemunhos tentam desvendar as ações dos pilotos naquela noite. E as panes das sondas Pitot, que haviam se multiplicado nos meses anteriores à tragédia, fazem com que a reação da Airbus e da Air France à época passe a ser examinada, assim como a das autoridades de controle.
Em 9 de novembro, chega o momento dos interrogatórios. O ex-chefe dos pilotos, Pascal Weil, representa a Air France e defende a inocência da empresa, recusando-se a culpar os pilotos, ou a Airbus. Depois dele, ocorre o testemunho de Christophe Cail, ex-piloto de testes, que afirma que a Airbus, na época, avaliou corretamente o risco e que o acidente estaria ligado a “erros” da tripulação.
“O senhor teria feito melhor?”, pergunta o advogado das partes civis, Alain Jakubowicz, durante a audiência agitada. “Eu penso que teria feito melhor”, diz Cail.
A partir de 23 de novembro, dezenas de familiares das vítimas testemunham, prestando homenagens a seus entes queridos falecidos, relatando os danos irreparáveis de suas perdas violentas. Muitos relembram um longo caminho de luto, agravado pela midiatização mundial da catástrofe, a ausência de corpos a enterrar, as etapas do processo judicial.
Duas irmãs e um irmão de um dos três pilotos do voo, David Robert, prestam homenagem a um homem “exemplar”, que “fez de tudo para salvar o avião”. “Não são apenas 228 vidas, mas pelo menos o dobro, talvez o triplo, que tivemos a vida devastada”, afirma Gwénola Roger, que perdeu o noivo, Nicolas Toulliou.
Na manhã de 7 de dezembro, os dois representantes do Ministério Público se levantam. Evocando na introdução um “drama incomparável”, eles desenvolvem, em seguida, uma reunião dos fatos durante cinco horas. No meio da tarde, eles concluem: “nós não estamos em condições de requerer a condenação da Air France e da Airbus”.
A decisão escandaliza as partes civis, que reagem com aplausos irônicos. “Para que serve a Justiça?”, ouve-se claramente. A defesa solicita o arquivamento do caso, e o processo termina em 8 de dezembro.
(Fonte: O Globo)
Foto: AFP/Bertrand Guay