Com prejuízos operacionais bilionários acumulados em decorrência da pandemia de Covid-19, as operadoras de planos de saúde atravessam uma crise financeira sem perspectiva de ser estancada a curto prazo e que vai atingir em cheio o bolso dos consumidores neste ano.
Na última semana, por exemplo, a operadora Hapvida, uma das maiores do país, divulgou balanço com prejuízo líquido de R$ 316,7 milhões no quarto trimestre de 2022, revertendo o lucro de R$ 200 milhões alcançado no mesmo período, em 2021.
O resultado impactou diretamente as ações da companhia, que despencaram 37% em um único dia, o que corresponde a uma perda de R$ 12 bilhões do valor da empresa. Na avaliação de especialistas, o balanço da Hapvida não é um fato isolado e prenuncia números sofríveis que devem marcar o setor nos próximos meses.
Leia mais:Para os consumidores, tanto individuais como coletivos, afirmam os mesmos analistas, a consequência desse aperto do setor parece inequívoca: “Aumentos médios de preços dos planos saúde de 10%”, afirma Pedro Serra, chefe de pesquisas da consultoria Ativa Investimentos.
“É daí [10%] para cima e, mesmo assim, não é possível saber se as empresas vão realmente conseguir se recompor em 2023”, completa o analista.
Pressão sobre operadoras
Hoje, um dos principais fatores de pressão sobre o custo dessas operadoras é expresso pela taxa de sinistralidade do setor. Ela mostra, na prática, a relação entre quanto as pessoas usam os planos e quanto pagam pelo serviço.
Números compilados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que esse índice era de 85,8% no terceiro trimestre de 2021. Quanto mais próximo de 100%, pior é o resultado para as empresas.
De acordo com Vera Valente, diretora da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 13 grupos de planos e seguros privados, esse indicador chegou a 93,2%, em 2022.
“É como se, a cada R$ 100 de custos das operadoras, R$ 93,20 fossem destinados ao pagamento de despesas assistenciais”, diz. “Historicamente, esse número oscila em torno de 85%. Na pandemia, no segundo trimestre de 2020, chegou à mínima de 66%.”
Problema estrutural
Em geral, o aumento do uso dos planos de saúde no último ano tem sido interpretado como uma consequência da demanda reprimida, durante a pandemia, de procedimentos como cirurgias eletivas, aquelas que não são consideradas urgentes. Ou seja, com o arrefecimento da Covid-19, as pessoas realizaram tratamentos e intervenções cirúrgicas que haviam sido adiados no auge da propagação da doença, entre 2020 e 2021.
Ocorre que, para complicar a situação, uma análise feita pela Ativa Investimentos indica que o crescimento do uso dos planos pode não ser conjuntural, mas, sim, estrutural. “Estamos observando uma maior frequência na utilização dos serviços assistenciais (de saúde) e ficamos cada vez mais convencidos de que se trata de uma mudança de hábito pós-pandêmico e não de serviços represados”, diz o relatório.
Concentração em empresas
Hoje, 50,3 milhões de brasileiros têm planos de saúde. Desse total, 41,4 milhões (82%) estão ligados a empresas (35,2 milhões) ou a sistemas de adesão (6,2 milhões). Estes, normalmente, são vinculados a categorias profissionais como sindicatos de advogados, por exemplo. Assim, apenas, 8,9 milhões encaixam-se nas categorias “individual” ou “familiar”. É por causa dessa distribuição, altamente concentrada no setor privado, que a quantidade de beneficiários dos planos aumenta à medida que o mercado formal de trabalho melhora no país.
Segundo a ANS, entre novembro de 2021 e o mesmo mês de 2022, os planos de saúde registraram crescimento de 1.638.397 no número de usuários. O avanço equivale à população de uma capital como Recife. Ainda assim, o acréscimo na clientela não tem sido suficiente para equilibrar as contas do setor.
Na verdade, como se viu, ele pode até piorar a situação, devido ao serviço ser mais utilizado. É o que parece estar acontecendo. “Só nos três primeiros trimestres de 2022, as operadoras acumularam prejuízos operacionais na casa dos R$ 11 bilhões”, afirma Vera Valente, da FenaSaúde.
Ela observa que, hoje, 262 empresas do setor possuem receitas que não cobrem as despesas assistenciais, ou seja, estão fechando as contas no vermelho.
“Elas atendem mais de 20,3 milhões de beneficiários”, diz a executiva. “Assim, 40% da saúde suplementar brasileira lida com severos problemas. Antes da pandemia, 160 empresas, com 5 milhões de usuários, estavam nessa situação.”
(Fonte: Metrópoles)