É impossível falar do mês da Consciência Negra em Marabá sem lembrar do local inicial e contínuo, de força e resistência preta no município: o bairro Francisco Coelho, conhecido popular e propositalmente como Cabelo Seco. Por isso, neste 20 de novembro, o Correio de Carajás trará, em homenagem e representatividade, o recorte dos moradores, lutas e necessidades dos primeiros constituintes da cidade.
Apesar de o nome oficial do bairro ser uma homenagem ao fundador de Marabá, Francisco Coelho, o bairro se tornou mais conhecido por Cabelo Seco devido à designação que se refere, segundo a literatura e aos próprios moradores do bairro, ao fenótipo das primeiras ocupadoras do local, fazendo menção ao cabelo crespo das mulheres, marcado pela descendência africana.
Situado na extremidade do pontal, no encontro dos dois rios, foi a partir dele que a cidade se formou e, embora fosse pequena, era muito povoada. Os primeiros ocupantes foram os pequenos comerciantes e lavadeiras, cujo trabalho era facilitado pela proximidade das águas.
Leia mais:Nascida e criada no Cabelo Seco, Ana Luiza Rocha da Silva, a conhecida Dona Ana, de 66 anos, vem de uma família de 9 irmãos. Filha da saudosa e querida Zenite Rocha, lavadeira homenageada com uma passagem próxima à igreja São Félix de Valois, a qual leva seu nome hoje, conversou com a reportagem do Correio e trouxe à tona a dor e a delícia de ser resistência.
“Eu me sinto muito orgulhosa de ser residente daqui, de ser parte disso. Fico feliz pela construção da Orla Encontro dos Rios, pois antes era um pontal muito desvalorizado, e agora se tornou um cartão postal”, relata, explicando que em sua visão trata-se de uma vitória o poder público ter enxergado a necessidade de enaltecer fisicamente a origem de Marabá.
Ana também cita que desde a inauguração, todos os dias diversos marabaenses se reúnem e fazem do bairro um local de diversão e bons momentos, trazendo um sentimento gostoso aos que ali residem e, como ela, prezam pelo reconhecimento da área. Por outro lado, ela chama a atenção para a necessidade de um olhar mais profundo às necessidades dos moradores do Cabelo Seco.
É impossível deixar de falar que falta trabalho social que insira os residentes em todas as áreas profissionais e a causa disso é o preconceito. “Nós gostaríamos de mais respeito para com a nossa comunidade e que tudo que fosse decidido e feito, acontecesse após um diálogo do poder público conosco, assim como ocorre durante as campanhas políticas”, elucida.
A falta de políticas públicas envolvendo o bairro afeta, em sua maioria, os jovens que, devido à modéstia e ao pouco acesso à educação, acabam por se envolver no mundo do crime. Ana Luiza conta que havia uma proposta de que a escola que, foi recentemente demolida e transformada em um estacionamento, pudesse ser um centro profissionalizante, algo que causaria um impacto positivo diante das circunstâncias vividas pelos jovens do bairro.
No entanto, devido à falta de diálogo, isso já não é mais viável e se tornou mais uma proposta que excluiu a possibilidade de um futuro melhor para a comunidade juvenil do Cabelo Seco. As mães pretas se preocupam e também ficam vulneráveis ao verem seus filhos serem engolidos pela criminalidade: um caminho atrativo e que, sem a ajuda do poder público, se torna uma opção.
A residente lamenta que o governo só volte a atenção para o local em datas comemorativas como o aniversário de Marabá e o Dia da Consciência Negra, com ações da Secretaria de Cultura. Para ela, o trabalho deveria ser constante e não se restringir apenas a um único dia. A líder comunitária vai além e cita como o combate ao racismo territorial poderia ganhar mais força se tivesse o auxílio da Secretaria de Educação para trabalhar questões raciais em sala de aula e viabilizar o deslocamento e estudo de campo no bairro com seus residentes.
“Uma ação desse porte poderia ser discutida e acordada para que jovens de todos os núcleos de Marabá viessem até aqui com o intuito de conhecer melhor a história e a cultura que envolve o bairro através das vozes que constituem o local. E, quem sabe, ir além, se sentir parte e até mesmo se identificar”, entende.
Ela explica que essa é uma vontade persistente, tendo em vista que a luta contra o racismo se inicia no combate à ignorância dentro das escolas, estudando que ninguém é superior a ninguém.
Mas a realidade é que se carece de um trabalho constante, já que não basta levar as crianças e os jovens para que se assimilem em um único dia do ano todo o histórico de uma ancestralidade da população negra. Além disso, é imprescindível trabalhar a consciência da população na totalidade no intuito de reverter a cultura do ódio. E a educação é peça fundamental nesse processo. Eis o porquê de se carecer a parceria de várias instituições e órgãos públicos para reverter essa realidade.
(Thays Araujo)