Correio de Carajás

“Carta desabafo”: moradores da Serra das Andorinhas pedem socorro e temem pela destruição do parque

No documento, o Ideflor-Bio é acusado de humilhar a população e beneficiar fazendeiros

Foto: Vinicius Lira

Carta desabafo. É assim que o morador – não identificado – da comunidade de Santa Cruz dos Martírios, localizada dentro da Área de Proteção Ambiental no Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas, em São Geraldo do Araguaia, começa a descrever, em três páginas, a situação que ele e os moradores da localidade estariam vivenciando nos últimos anos, principalmente com o “surgimento” do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio).

Em seu longo relato ele conta que há mais de 200 anos as famílias que ali residem – hoje, os descendentes dos primeiros habitantes – são guardiãs da floresta e sabem que é preciso preservar a mata e os rios, pois é de lá que retiram seus alimentos. Porém, segundo a carta, o instituto, que tem o objetivo de proteger e preservar a região, está perseguindo e aterrorizando o povo centenário, se posicionando em favor dos fazendeiros e grandes empresários brasileiros e estrangeiros.

“Em suas propriedades podem derrubar a vegetação nativa, aplicar agrotóxico sem nenhum acompanhamento técnico e desviar leito de rio. O órgão ambiental para entrar nessas propriedades tem que pedir autorização previa dos poderosos para adentrar em suas terras. Enquanto isso, os comunitários pegam um tatu (para saciar sua fome) e aparece a força tarefa do Estado preparada para guerra, com vários policiais utilizando armamento para guerrear e todos os aparatos possíveis para multar, humilhar e invadir nossas casas sem mandado judicial”, diz um trecho da carta que foi enviada ao Ministério Público do Pará, Ministério Público Federal,  Prefeitura e Câmara Municipal de São Geraldo do Araguaia, Procuradoria Geral do Pará e Advocacia Geral da União.

Leia mais:

Segundo a descrição do documento, são tempos tenebrosos, de perseguição policial e pressão psicológica na comunidade de Santa Cruz. Quem escreve a carta diz que nem na época da Guerrilha do Araguaia a população foi tão humilhada como está sendo nos dias atuais. “Os militares eram mais honestos, diziam o que queriam e qual era o objetivo deles. Até hoje não sabemos qual é o objetivo das autoridades responsáveis pela gestão da unidade, se é proteger os grandes latifundiários e os poderosos, ou descer a ripa na comunidade de Santa Cruz até conseguir nos dizimar”.

Em outro trecho há o relato de que foi feita uma pulverização aérea de agrotóxico na região, causando danos à saúde e as lavouras dos moradores da vila. A aeronave, segundo o morador, foi vista e a população sentiu pingos de veneno caindo e, no dia seguinte, as roças de banana, mandioca e hortas morreram, devido a pulverização.  Ainda em relação ao uso de agrotóxicos, os moradores dizem que o próprio Ideflor-Bio fez uso para limpar a entrada da Caverna Andorinha.

Outro ponto abordado na carta é em relação ao fogo que consumiu grande parte do Parque da Serra das Andorinhas. O morador atribui a culpa ao Ideflor, pois segundo ele, o manejo de fogo é realizado no começo de abril e o instituto realizou em julho. “Devido essa irresponsabilidade, o fogo tomou proporção incontrolável queimando uma imensa área de chapada, de mata e adentrando na área do patrimônio de Santa Cruz, queimando as cercas dos comunitários, capim e canos que abastecem a Vila. Se fosse um tatu, o pau tinha comido”, diz, fazendo referência ao tatu que foi pego por um morador.

Por fim, a pessoa que escreve a carta diz que o objetivo do documento é sensibilizar as autoridades competentes para que assumam a responsabilidade da preservação da região, respeitando as comunidades que muito tem a contribuir.

O Correio de Carajás procurou, na tarde de quinta-feira, 17, e na manhã de sexta-feira, 18, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará para falar sobre as graves acusações, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.

(Ana Mangas)