Correio de Carajás

Justiça holandesa acata ação contra Hydro sobre atuação no Pará

Ação coletiva pede indenizações a 40 mil brasileiros afetados pelas atividades das empresas Alunorte e Albras, no nordeste do Pará.

Refinaria de alumínio da Norsk Hydro, em Barcarena. — Foto: Tarso Sarraf / O Liberal

A justiça holandesa resolveu, nesta quarta-feira (19), seguir com um processo relacionado a acusações contra as empresas Alunorte e Albras, do grupo Norsk Hydro, que atua no nordeste do Pará. Em nota, o grupo disse que apresentará defesa seguindo trâmites legais na Justiça da Holanda.

A multinacional norueguesa Norsk Hydro é citada em ação coletiva por representantes de cerca de 40 mil brasileiros afetados pela produção de alumínio em Barcarena e Abaetetuba, no Pará. As comunidades afetadas incluem populações tradicionais, como ribeirinhos, indígenas e quilombolas.

A ação busca compensações às 11 mil famílias atingidas pelos dois empreendimentos, pelo que a ação chama de “disposição incorreta de rejeitos tóxicos no rio Murucupi, bem como outros efeitos da presença das instalações da Norsk Hydro na região”.

Leia mais:

Sobre a decisão da justiça holandesa, a empresa disse que “o caso está relacionado a questões locais no Brasil”, mas que o “tribunal (holandês) decidiu que o casos seguirá para uma decisão de mérito na Corte de Roterdã”.

“A Hydro nega veementemente as alegações apresentadas pelos autores da ação. A empresa está comprometida em ser um bom vizinho, agindo com responsabilidade e colocando saúde, meio ambiente e segurança em primeiro lugar onde quer que opere”, afirma a empresa em nota.

O grupo empresarial norueguês também afirma que “as atividades da Alunorte e da Albras na região são devidamente licenciadas e as operações nas plantas são monitoradas e auditadas pelas autoridades competentes” e alega que “após as fortes chuvas de fevereiro de 2018, mais de 90 inspeções foram realizadas por órgãos públicos; todas confirmaram que não houve transbordamento das bacias ou depósitos de resíduos de sólidos da Alunorte”.

Um dos autores da ação, o advogado Ismael Moraes, que representa da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), afirma que a “decisão da corte holandesa em aceitar um processo movido pela Cainquiama traz esperança de que haja uma decisão isenta, justa, sem interferência do Estado brasileiro, e que traga uma reparação digna para essas comunidades”.

“Acreditamos que possamos levar as provas necessárias à finalização do processo para que a justiça holandesa possa decidir e trazer um novo marco na apreciação de violação de direitos humanos e meio ambiente na Amazônia”, ele comenta.

 

O processo na Holanda contra Hydro teve como precursores os advogados Tomás Mousinho e Pedro Martins, então sócios do escritório PGMBM, e que também iniciaram uma ação sobre o desastre de Mariana.

Entenda a ação

 

O caso Hydro teve repercussão internacional depois do despejo de rejeitos tóxicos da refinaria da Norsk Hydro em Barcarena, no nordeste do Pará, em 2018. À época, a força das chuvas fez com que comunidades de Barcarena, no entorno da mineradora, e vilas de Abaetetuba fossem inundadas por águas avermelhadas, contaminadas com bauxita.

Rios, igarapés foram contaminados e comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas tiveram a saúde e o modo de vida afetados. Segundo a ação, as operações afetam comprovadamente o meio ambiente desde 2002, a partir dos incidentes como vazamentos da bacia de rejeitos da empresa.

De acordo com a ação, “as vítimas foram expostas a resíduos tóxicos do processamento de alumínio, que podem causar problemas de saúde, como aumento da incidência de câncer, Alzheimer, doenças de pele, problemas de estômago e diarreia”.

Após cinco ações da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), que representa famílias afetadas, a Justiça Federal homologou um acordo entre o Ministério Público Federal (MPF) e a empresa, mas para os afetados “não foi o suficiente”.

 A coloração avermelhada das águas da chuva que se espalharam em Barcarena, provocaram temor nas comunidades do município. As imagens do que seria um aparente vazamento de rejeitos da barragem da empresa Hydro — Foto: Ascom/Semas
A coloração avermelhada das águas da chuva que se espalharam em Barcarena, provocaram temor nas comunidades do município. As imagens do que seria um aparente vazamento de rejeitos da barragem da empresa Hydro — Foto: Ascom/Semas

O advogado Ismael Moraes, que representa a Cainquima, disse que “essa é a primeira ação socioambiental por danos causados na Amazônia, apresentadas perante uma corte europeia”.

 

“As cinco ações civis públicas e coletivas protocoladas no Brasil são base para essa ação proposta na Holanda, que vem à tona após o acordo homologado pela Justiça Federal brasileira não contemplar todos os objetos reivindicados pelas populações afetadas. Por outro lado, o artigo 24 do Código Civil Brasileiro e as normas de direito internacional da União Europeia permitem que o mesmo fato seja discutido no país de origem e em uma corte europeia”, comenta.

O processo judicial internacional teve início na segunda (8) em Amsterdã, seguindo normas do direito internacional, e é uma parceria entre o escritório de Ismael Moraes e outros dois especializados em direito internacional e causas coletivas – o escritório de direito internacional da Inglaterra PGMBM (antigo SPG Law) e o escritório holandês Lemstra Van der Korst.

Pedro Martins, um dos sócios do escritório PGMBM, disse que o caso “é mais um exemplo de um gigante da mineração que ignorou por completo os riscos de sua atividade empresarial e aqueles que foram afetados por seu comportamento ilegal”.

“Esta ação é uma oportunidade para que a empresa assuma a sua responsabilidade e para que os atingidos, finalmente, obtenham justiça”, afirmou.

 

Os advogados disseram, ainda, que seus clientes não entraram com o processo no Brasil porque estavam “frustrados com a falta de progresso no sistema jurídico brasileiro”.

Hydro no Pará

 

Refinaria da Hydro em Barcarena, no Pará — Foto: Tarso Sarraf / O Liberal
Refinaria da Hydro em Barcarena, no Pará — Foto: Tarso Sarraf / O Liberal

No Pará, a Hydro possui três instalações, incluindo a mina de bauxita de Paragominas; a refinaria Alunorte em Barcarena, onde a bauxita é transformada em alumina; e a Albras, onde as fundições transformam alumina em alumínio.

Em 2018, a Hydro chegou a se desculpar pelo que chamou de liberação “completamente inaceitável” de água não tratada durante fortes chuvas na região da Alunorte, mas negou que isso tenha resultado na contaminação do meio ambiente local.

O Instituto Evandro Chagas realizou coletas de solo e água nas comunidades que ficam ao redor da Hydro e após análise em laboratório foi constatado alteração nos elementos químicos presentes no solo, além da presença de metais pesados e cancerígenos como chumbo.

A liberação não autorizada de água fez com que autoridades e a Justiça a exigissem que a Hydro cortasse a produção de alumina da Alunorte, provocando o desligamento parcial da Albras e resultando em interrupções que duraram mais de quinze meses.

Caso Hydro, em Barcarena (PA). — Foto: Infográfico: Alexandre Mauro e Igos Estrella / G1
Caso Hydro, em Barcarena (PA). — Foto: Infográfico: Alexandre Mauro e Igos Estrella / G1

(Fonte:G1)