Correio de Carajás

A fonte

A mochila pesava nas minhas costas, mas eu precisava manter a postura; cabelo penteado, ombros erguidos e semblante altivo.

Foi assim que entrei no ônibus da Transbrasiliana.

Sentei-me à janela e imaginei que dormiria com as pernas esticadas durante o pequeno longo trecho de 50 quilômetros até Itupiranga. Mas logo apareceu aquela mulher, pediu licença e se sentou ao meu lado.

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Percebi na lente de seus óculos que meu cabelo não estava tão penteado como eu gostaria. Foi o fim! Mas dei aquela arrumada básica.

Ela deve ser funcionária de alguma loja, sei lá. Disse-me seu nome, mas eu nem lembro.

Eu, por outro lado, me apresentei. Disse a ela meu nome e a origem do que ele significa. Qualquer dia conto pra vocês. Mas certamente ela ficou impressionada.

Enquanto o ônibus escorregava no lameiro que inundava a Transamazônica nos anos 80, eu contei a ela todas as minhas aventuras; minhas viagens ao Uruguai e ao Chile e também sobre como eu não suportava ter que visitar meus parentes em Itupiranga. Ela ficou impressionada, pois nunca deve nem ter saído de Marabá.

Ela sorriu e disse algumas palavras, mas sinceramente não me lembro, afinal, enquanto conversávamos, eu me lembrava dos suvenires que trazia na bagagem para meus primos. Eles certamente vão adorar, afinal não é todo dia que se ganha presentes de fora do País!

A viagem foi até agradável. A única coisa triste é que meu retorno seja para o enterro do meu avô. Mas é a vida.

Cheguei atrasada e quase perco o ônibus. Mas uma mulher de negócios, como eu, tem mesmo que se virar.

Quando entrei, vi logo aquele marmanjo ocupando as duas poltronas, mas me aproximei, pedi licença; ele se afastou e eu me sentei.

Pela lente dos óculos dele foi possível ver que meu batom não estava legal. Morri!

Mesmo assim, mantive a pose. Apresentei-me.

Por óbvio ele se encantou com meu nome e o seu significado. Engraçado é que não me recordo do nome dele. Enfim, não importa.

Mesmo com o ônibus balançando muito, retoquei o batom e ficou perfeito.

O rapaz falou algumas coisas triviais, mas ele estava maravilhado mesmo era com minha história de vida, sobre como consegui montar minha própria loja em Marabá e agora estou abrindo outra em Itupiranga.

Falei do quanto minha rotina é dura, mas que dou conta, na boa, e ainda cuido muito bem de meus filhos. Além disso, estamos planejando uma nova viagem para o Rio de Janeiro no fim do ano. Ele ficou bobo, talvez nunca tenha nem ido tão longe.

Vi que ele ficou boquiaberto quando lhe contei que gerencio doze funcionários em Marabá e agora serão mais 10 em Itupiranga. Faço negócios diretamente com meus fornecedores, todos homens, que me respeitam demais, porque sou muito profissional e não aceito levar prejuízo.

Enfim, foram tantas conversas boas que a viagem passou voando.

Bom, deixa eu cuidar na vida. Afinal, tenho que resolver muita coisa, antes de ir ao enterro do meu avô.