Em caráter de urgência, o Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal para suspender processo de concessão florestal pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB) na Floresta Nacional (Flona) do Amana, onde há registro, pela própria Fundação Nacional do Índio (Funai), da presença de indígenas em isolamento voluntário no sudoeste do Pará. A ação aponta que houve “omissão” no processo licitatório.
A aréa atinge os municípios de Itaituba, Jacareacanga, no Pará, e Maués, no Amazonas. Segundo o MPF, na floresta vivem povos que recusam, geralmente por terem sofrido massacres e violências, o contato com a sociedade não indígena.
A reportagem solicitou nota de posicionamento da Funai e da SFB sobre o assunto, mas até então não havia obtido resposta.
Leia mais:O órgão aponta que há relatos de avistamentos de indígenas isolados desde a década de 1980 de fontes diversas, desde o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), passando por indígenas Munduruku e Sateré, ribeirinhos das margens do rio Urupadi, até o Sindicato dos Garimpeiros do Município de Maués.
Em expedição feita pela Funai para localização dos isolados, em 2013, foram coletados indícios concretos como pegadas, trilhas e restos de acampamento, relata a ação:
“(…) os registros ’em estudo’ dizem respeito a conjunto de dados ou relatos qualificados sobre a presença de grupo isolado, demonstrando fortes evidências (…), e havendo insistência da União em prosseguir com concessões florestais (…)”, pede a ação.
Para o órgão, a licitação para exploração madeireira na região da Floresta Nacional (Flona) do Amana pode “submeter grupo de indígenas em isolamento a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial, o que pode configurar genocídio”.
De acordo com a ação, o SFB foi notificado pela Funai da existência de registro de grupo isolado na região, mas teria “omitido e ignorado a informação no processo licitatório das unidades de manejo florestal 1, 2 e 3 da Flona do Amana”.
O pedido à Justiça inclui a suspensão urgente de um leilão em curso e que a União seja proibida de fazer qualquer nova concessão que possa impactar povos em processo de identificação e localização, “em observância ao artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que considera originário o direito indígena sobre os territórios que ocupam tradicionalmente”.
Omissão
O MPF aponta que a região que o SFB pretende abrir para exploração madeireira totaliza 229,3 mil hectares e no edital que abriu para o público não fez menção à possibilidade de existência de grupos indígenas não contatados na região.
O documento chega a mencionar que foram encontrados artefatos indígenas, mas afirma serem possivelmente datados de período pré-colonial, descartando indícios da presença atual desses indígenas, segundo o órgão.
No entanto, as investigações do MPF apontam que ficou evidente que a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai informou ao SFB o registro da presença de grupo indígena isolado em fase de estudos.
“A referência aos isolados também aparece em outros documentos públicos produzidos por organizações da sociedade civil”, conforme documentos que o SFB teria conhecimento, registrando os indígenas isolados na região desde 1989.
“As informações (…) revelam que o SFB desde julho de 2020 obteve dados oficiais sobre a incidência do registro de indígenas isolados na Flona do Amana” e “além dos dados oficiais fornecidos pela Funai, o SFB também teve acesso às informações em reunião dos conselhos das Flonas do Amana e do Crepori, em que representantes do Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Funai reforçaram a existência dos registros de isolados”.
Sobre a concessão
O MPF aponta que, no edital de concessão florestal, o SFB delegou concessionários da exploração madeireira o dever de informar “a descoberta de quaisquer elementos de interesse arqueológico ou pré-histórico, histórico, artístico ou humanístico”. Estão concorrendo as empresas Diógenes P. Battisti e Vale do Amazonas Alimentos.
“Percebe-se que o SFB tenta emplacar um argumento insustentável de que, em razão da preexistência de atividades humanas (garimpos e desmatamentos), possivelmente ilegais, no local de registros de indígenas isolados, não haveria maior necessidade do Estado, por meio de concessões florestais, proceder com cautela no interior da Unidade de Conservação”, assinala o MPF.
“Tal cenário de interferências clandestinas evidencia, em verdade, a elevação do quadro de vulnerabilidade de indígenas isolados (…) demandando urgente cautela estatal”, alerta.
(Fonte:G1)