Nascida no Mato Grosso e moradora de Belém desde pequenininha, Iaci Gomes, 30 anos, lançou seu primeiro livro – impresso – em 2021. Os contos que habitam o Nem Te Conto nasceram no Twitter, plataforma onde ela publica seus escritos desde 2018.
Iaci tem um currículo recheado. Além de escritora, é jornalista, assessora de imprensa e social media. Através de suas palavras, o leitor é presenteado com histórias recheadas de terror e fantasia. Para ler suas obras é preciso ter a mente aberta e gostar de ver as coisas por outro ângulo.
Correio – Qual a sua história com o universo dos livros e da escrita?
Leia mais:Iaci Gomes – Eu leio desde que me entendo por gente. Naturalmente, sempre sonhei em escrever e publicar um livro, sempre tive muitas ideias mirabolantes e até “escrevi” um livro quando era criança, que meus pais encadernaram e tenho até hoje.
No Ensino Médio, dois professores me guiaram muito neste caminho. Minha professora de redação me incentivou a escrever porque acreditou no potencial do que lia. Meu professor de literatura acabou me indicando o caminho do realismo mágico, que é meu gênero preferido e também o que escrevo.
Correio – Em que momento você começou a publicar em plataformas digitais?
Iaci – Bom, eu queria publicar minhas histórias mais para ver se havia, de fato, algum apelo. Escrevia contos pequenos que mantinha apenas para mim, por insegurança. Colocá-los no Twitter foi uma forma de identificar se haveria um público, se as pessoas iam gostar do que escrevi.
Correio – Quais os desafios de publicar em um formato que não seja o tradicional (impresso)?
Iaci – Quando comecei a publicar meus contos no Twitter, dois problemas martelavam a minha cabeça. O primeiro era em relação a direitos autorais. Hoje em dia, mesmo com tantas leis de proteção, sabemos que qualquer pessoa pode pegar o que você produziu, apagar os créditos e fingir que é dela, então era uma grande preocupação. Segundo, monetização é algo que muitos buscam na internet. Eu publico meus contos gratuitamente no Twitter e nunca me ocorreu cobrar por eles, mas entendo que, para escritores e escritoras que vivem do seu trabalho, é necessário investimento e tempo para obter esse retorno financeiro.
Correio – Que outros gêneros literários você trabalha?
Iaci – Realismo mágico, realismo fantástico, terror e horror. Basicamente estes são os gêneros que trabalho atualmente e que mais me fascinam também para ler.
Correio – A cultura paraense e amazônica está presente nas suas obras?
Sem dúvida. Fui criada aqui (no Pará), escutando lendas e histórias fantásticas; lendo referências como Walcyr Monteiro e feliz de viver em um local de cultura tão rica, com tanta imaginação.
Correio – Como é sua rotina de escritora?
Iaci – Depois de lançar meu livro, estou destinando mais do meu tempo para me dedicar a isso, então escrevo pelo menos uma hora por dia durante a semana. Em alguns dias não sai nada, o que é absolutamente normal, e não me forço. Acredito que tem que fluir naturalmente. Acho que a leitura também faz parte da minha rotina de escritora, afinal, é estudo, certo? E eu leio todos os dias.
Correio – Como é o contato com os leitores virtuais?
Iaci – Inicialmente tive alguns problemas. Quando se coloca na internet algo tão seu como uma história de ficção, deve-se estar preparado para tudo: pessoas que vão amar e pessoas que vão odiar (e tudo que há entre esses dois extremos). Isso aconteceu com uma das histórias que publiquei e que viralizou. Recebi vários xingamentos e mensagens de ódio. É preciso um longo trabalho de autoconhecimento (e incluo aqui a terapia) para aprender a lidar com esse tipo de coisa, que você não pode controlar. Além disso, passei a enxergar mais o lado positivo: meus contos me permitiram conhecer e conversar diariamente com pessoas que adoram meu trabalho, incentivam e valorizam. É por esses e essas leitoras que sigo escrevendo.
Correio – Está trabalhando em algum projeto atualmente?
Iaci – A minha série de contos no Twitter eventualmente se transformou no livro “Nem te Conto”. Ele tem 14 contos e oito ilustrações de quatro artistas paraenses. Esse livro já me trouxe muita alegria e segue à venda até esgotar a edição impressa. Em seguida, gostaria de lançá-lo no formato ebook e talvez em uma versão em inglês para buscar o público internacional. Também sigo escrevendo e um segundo livro nunca está fora de cogitação. Enquanto isso, embora tenha reduzido a frequência dos contos no Twitter, sigo postando, lendo, aprendendo e interagindo com todas as pessoas que o Nem te Conto trouxe para a minha vida.
CONHEÇA UM DOS CONTO DA AUTORA
Uma amiga minha morou e trabalhou por anos em uma casa ali na Alcindo Cacela. Eu inclusive comemorei minha aprovação no vestibular lá com ela e outros amigos e amigas.
Os pais dela compraram a casa de uma senhora chamada Isabel, que morou lá por muitos anos com o marido. Depois ele faleceu e ela decidiu vender para morar com um dos filhos no Sul. Só que ela vendeu a casa e em seguida faleceu, sequer chegando a sair de Belém.
Passamos no vestibular em 2008 e eles já moravam na casa há dois anos naquela época. Ou seja, a dona Isabel já faleceu há 16 anos, pois bem.
Minha amiga e a família se mudaram da casa no começo desse ano. Eles já não moravam lá, tinham se transformado em um espaço de trabalho e agora estavam colocando à venda para ir para outro lugar maior. Foi aí que ela disse que começou a ficar estranho.
Ela veio me falar que recebeu uma carta dos Correios endereçada para a dona Isabel. O mais estranho é que não era nenhuma cobrança ou propaganda de revista que ainda usava mailing antigo. Era uma carta endereçada à mão, e o remetente era um homem.
A família discutiu longamente antes de abrir a carta. Tentaram, inclusive, entrar em contato com a família da dona Isabel, mas sem sucesso, não encontraram em redes sociais nem nas informações que tinham desde a aquisição da casa. Decidiram, portanto, abrir.
A carta era de um homem chamado Benedito e, aparentemente, ele mantinha um caso com a dona Isabel. Ela já estava viúva há uns quatro anos antes de falecer, então não era realmente um caso. Mas naquela época, já viu.
O problema na carta era que ele falava de coisas que estavam acontecendo naqueles dias, como se estivesse contando para ela várias novidades pela cidade. “Tens que ver o que fizeram com o casarão na esquina da José Malcher aqui com a Alcindo. Transformaram em farmácia!”
Então minha amiga fez uma longa pesquisa sobre a dona Isabel, sua família e o seu Benedito, de quem ela só tinha o sobrenome, nenhum endereço de remetente. E descobriu que o seu Benedito morava lá perto, mas que também já tinha morrido.
Eles achavam que estavam sendo vítimas de algum golpe ou pegadinha. Entraram em contato com os Correios, que dificultou e disse que daria retorno em até cinco dias úteis com o endereço da agência de onde a carta veio, era o máximo que podiam fazer.
Enquanto isso, eles seguiram com a mudança. Na última semana deles na casa chegou mais uma carta do seu Benedito.
Lá, ele dizia: “Isabel, sei que mudanças são difíceis, mas tenho certeza de que as novas pessoas serão gentis. Estou me preocupando com a sua demora para responder, será que cumpriu seus planos e deu fim na família? Não vi nada nos jornais”.
“Queria tentar isso com os meus inquilinos indesejados, mas já estou velho e não tenho mais a mesma força de quando nos conhecemos, há mais de 15 anos. Ao menos você tem paz de noite, quando eles vão embora. Aqui, nunca vão.”
“De qualquer forma, torço para que tudo saia bem. Minha sugestão sempre serão os travesseiros sobre o rosto, é mais fácil de darem como morte acidental ou parada cardíaca. Um grande beijo, aguardo sua resposta.”
E assim eles decidiram sair naquele dia mesmo da casa. E ainda deixaram os móveis que tinham herdado da dona Isabel quando se mudara. Nunca se sabe.
(Luciana Araújo)