Correio de Carajás

Da aviação para os causos de assombração no Twitter

Aos 31 anos, Ramon acumula mais de 100 mil interações em uma de suas publicações

O belenense e morador de Marabá, Ramon Vieira Gomes, 31 anos, (no Twitter @ORamonGomes), quando não está trabalhando pousando aviões – ele é controlador de tráfego aéreo, e nem lidando com “as coisas de adulto”, dedica seu tempo ao mundo das palavras escritas.

A jornada de Ramon com a escrita vem do tempo em que era moleque, entre os 13 e 14 anos, quando se dedicava principalmente à composição de poemas. A inspiração inicial nasceu após a leitura das obras do escritor gótico Álvares de Azevedo. Desde então, entre prosas e versos, ele dá vida às suas histórias.

Apesar de o carro chefe de suas publicações no Twitter serem os contos de terror, não foi com eles que iniciou na literatura. Em um primeiro momento, Ramon escrevia fios sobre aviação. Foi só quando postou sua primeira história de terror, que viralizou, que Ramon se deu conta da potência da plataforma.

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Na rede social, uma extensa comunidade de consumidores do gênero gosta do conto de Ramon, que se espalhou rapidamente pelo Twitter. A partir desse momento, o controlador de tráfego, casado e pai de um menino, entendeu que esse nicho de conteúdo gera um grande engajamento entre os usuários da plataforma, e este passou a ser seu público alvo.

 

“Uma coisa que eu estou experimentando muito fazer, através do meu trabalho – principalmente os últimos – é tentar identificar o público que gosta de terror, mas que não é da nossa região (amazônica), para conheçam um pouco da nossa cultura. Do nosso folclore místico, de terror, nossas lendas, as particularidades do nosso bioma amazônico”, detalha.

A estratégia que ele usa é a de se apropriar de antigas histórias orais de “assombração” e reinventá-las, adicionando elementos e personagens regionais.

Um exemplo disso, e principalmente de onde o alcance do Twitter pode chegar, foi a publicação de uma thread sobre um famoso fantasma de Belém, “A Moça do Táxi”. A “capa” da publicação rendeu mais de 38 mil curtidas. Os 24 tuítes seguintes tiveram, somadas, mais de 65 mil curtidas.

Ramon acredita que uma das vantagens de publicar seus textos em uma plataforma digital é ter maior controle sobre a obra. “Você não fica tão preso a um editor ou ao que a linha literária de alguma editora exige de seus autores”.

Ele vê o algoritmo (conjunto de regras pré-definidas que está constantemente se adaptando a possíveis cenários) da plataforma como um lado negativo desse estilo de publicação. “É uma faca de dois gumes: você pode ter um grande alcance instantâneo, se publicar com uma certa frequência; mas se for uma pessoa que não publica tanto assim, pode perder um pouco desse alcance”, explica. Ramon ainda aponta que quem publica conteúdo na internet corre o risco de ter seu trabalho plagiado.

Enquanto uma ou outra nova história toma forma em sua mente, Ramon tem planos de transformar seus contos publicados na rede social em uma coletânea de livros físicos ou digitais.

Conhecer novas pessoas, ter novas experiências, levar a cultura paraense para além das fronteiras do Estado são alguns dos frutos que Ramon colheu, e colhe, com suas produções literárias. (Luciana Araújo)

CONHEÇA UM DOS CONTOS DO ESCRITOR

No fundo, era um adolescente no corpo de um homem de trinta anos. E era o que sua esposa mais gostava nele. Era reconfortante a sensação de que se casara com o seu melhor amigo. Além do que, apesar da molecagem, era um homem responsável e excelente marido.

Entre todas as brincadeiras que faziam um com o outro – muitas trazidas ainda dos tempos de escola, quando se conheceram – a que mais gostava era de pregar sustos. Sua esposa sempre tinha uma reação espontânea muito engraçada, e sempre acabava em risadas de ambas as partes.

Cansou de esconder-se debaixo das escadas, atrás de portas, ou de surpreende-la no banho ou ao chegar do trabalho. Era sempre muito divertido, e sempre acabava em uma tarde de namoro ou nos dois relembrando histórias da juventude.

Sua fama de brincalhão também era grande entre os amigos. Era comum sair de situações das mais complicadas arrancando gargalhadas. Um ou outro amigo, porém, sempre pedia que tomasse cuidado. “Algum dia você vai acabar mexendo com alguém que não ache nada engraçado”.

Certa ocasião, acordou por volta do fim da tarde, de uma boa soneca após o almoço. Levantou e viu que estava sozinho no quarto. Olhou pela janela e viu sua esposa, caminhando pelo jardim, com uma camisola branca e os longos cabelos negros caídos sobre as costas e ombros.

Na hora, teve uma ideia: nunca tinha postado nenhum de seus sustos na internet! Pegou o celular, pôs uma velha máscara de monstro, e seguiu descendo devagar as escadas para o térreo. “Isso vai dar muita visualização!”, pensava ele, divertindo-se internamente.

No pé da escada, gravou rapidinho uma pequena introdução ao vídeo. Depois, seguiu filmando, de máscara no rosto, todo o caminho até a porta que dava pro jardim, localizada no outro extremo da cozinha. Parou na porta e ficou lá, filmando, esperando sua mulher se virar e vê-lo.

Sua esposa continuou caminhando, de costas pra ele, por quase cinco minutos. Decidiu apressar as coisas. “Amor?”, chamou ele da porta. Sua mulher diminuiu o ritmo dos passos. “Amor, olhe pra mim!”. A mulher parou, de costas pra ele, e começou a se virar bem devagar.

Ele começou a perceber que alguma coisa estava errada antes dela se virar. Pois, simultaneamente, ouviu o carro de sua mulher estacionando na garagem da frente. Depois, a porta do carro fechando, o ruído metálico das chaves e o som da porta da frente, se abrindo atrás dele.

A última coisa que o celular gravou foi a voz de sua mulher, vinda da porta, na outra extremidade da casa: “Oi amor! Você tava dormindo então eu resolvi sair e ir na confeitaria comprar aquele bolo que você gosta!” Homem, esposa e celular nunca mais foram vistos novamente.

*Matéria atualizada em 28/07/2022, às 08h07