Luciana Araújo e Ulisses Pompeu
A promoção da igualdade de gênero e empoderamento de mulheres e meninas em todos os níveis podem começar pela nomenclatura de logradouros e edifícios públicos em Marabá. É um ato aparentemente simples, que depende da constituição de políticas urbanas que promovam a igualdade de gênero por meio do reconhecimento de contribuições femininas nas diversas áreas do conhecimento.
Estas ações podem reverter a invisibilidade histórica delegada às mulheres ao longo de todo um processo de construção social e cultural em nossa cidade. A maioria dos bairros está repleta de nomes de homens que contam suas batalhas, conquistas, descobertas e que expõem orgulhosamente na paisagem urbana seus feitos e suas fortunas. Por que não podemos ver os nomes das mulheres que moldaram nossa cidade, nossa história e nossa cultura, também expostos nos espaços públicos?
Leia mais:Uma pesquisa realizada pela Reportagem do Correio de Carajás apurou que das 287 ruas de Marabá, batizadas com nomes de pessoas, apenas 46 possuem nomes de mulheres. A diferença é expressiva. Significa que 84% – muito mais que a metade dos nomes – fazem referência a figuras masculinas.
O núcleo com maior representatividade feminina é o São Félix, principalmente pelas ruas do Residencial Tiradentes, que comporta 15 dos 26 nomes de mulheres dessa região.
Mas aqui há de se abrir parentes e uma grande reflexão. É que todos os nomes de mulheres do Tiradentes se referem a pessoas que não moram em Marabá e nunca pisaram os pés por aqui. São de esposas e mães de engenheiros e outros funcionários de alto escalão da empresa que construiu o Residencial Tiradentes – todos do Estado do Goiás. Aliás, os próprios engenheiros da HF Engenharia escolheram ruas e colocaram seus nomes também.
Por outro lado, o núcleo Morada Nova possui a menor quantidade, com apenas uma rua feminina. A Marabá Pioneira possui duas vias com nomes de mulheres.
Observando o quadro masculino, o núcleo Cidade Nova é o que abriga a maior quantidade desse gênero, sendo 112 nomes. Já a Nova Marabá, somente 5. Mas isso em função de que as folhas têm as ruas denominadas como quadras. Assim, sobrou apenas o Km 7, com algumas ruas batizadas com nomes de pessoas.
Preenchem a nossa lista de mulheres representadas nas ruas de Marabá, nomes famosos nacionalmente como Cecília Meireles e Iracema. Enquanto outras são ocupadas por figuras de uma família muito famosa na cidade, os Mutran. No bairro conhecido como Km 7, localizado na Nova Marabá, encontramos Ana, Cristina, Arlete e Nazira Mutran.
Na Velha Marabá, Dona Zenith Rocha Ribeiro, figura icônica do Cabelo Seco, ganhou uma pequena rua, entre a 5 de Abril e a Praça São Félix, em frente à Igreja São Félix de Valois, em 2017, por intermédio de Decreto Legislativo da vereadora Cristina Mutran.
Como são definidos os nomes das ruas de uma cidade?
A Reportagem do CORREIO procurou o procurador da Câmara Municipal, Valdinar Monteiro, que deu seu parecer sobre a denominação de ruas e logradouros públicos.
Segundo ele, compete à Câmara Municipal, por decreto legislativo, conferir a denominação de vias e demais próprios públicos, praxe que vem desde os tempos do Brasil-Colônia, quando o Município era administrado pelas câmaras municipais.
Hoje, essa competência deve ser prevista na Lei Orgânica de cada município. E, em muitos casos, está. Era o caso da antiga Lei Orgânica dos Municípios do Estado do Pará (Lei 4.827, de 15 de fevereiro de 1979), cujo artigo 102 dizia:
Art. 102 – Compete ao Poder Legislativo municipal a denominação das vias públicas.
- 1.º – É vedada a mudança da atual denominação das praças, ruas, avenidas, travessas, passagens e quaisquer logradouros públicos, salvo na comemoração de centenário do nascimento de homens ilustres, nascidos no Pará.
- 2.º – Só serão permitidos nomes para vias públicas novas mediante aprovação de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal, proibindo-se denominação com nome de pessoas vivas.
“Em Marabá, por exemplo, disposição semelhante já constou da Lei Orgânica do Município, que previa expressamente a denominação dos logradouros e demais próprios públicos por decreto legislativo. Esse dispositivo, no entanto, se perdeu no tempo, sendo esquecido nas muitas revisões da Lei Orgânica. A praxe, contudo, continua. A competência continua sendo da Câmara Municipal, por Decreto Legislativo.
No caso de loteamento novo, o projeto de loteamento deve traçar todas as vias, mas sem pôr o nome. A denominação deve ser conferida depois, pela Câmara Municipal, em Decreto Legislativo, que poderá ser da autoria de qualquer vereador, de comissão ou, ainda, da própria Mesa Diretora”, explica Valdinar Monteiro.
Levantamento feito pela Reportagem do CORREIO estima que Marabá tenha cerca de 500 ruas nomeadas com os mais diversos critérios. Temos ruas com nomes de capitais e estados brasileiros, santos, letras, militares, personalidades regionais e nacionais, números, entre outras.
A POLÊMICA DAS FRUTAS
Em 2020, a Prefeitura de Marabá, através da Secretaria de Turismo, apresentou um projeto de lei que propunha que as folhas da Nova Marabá fossem rebatizadas com nomes de frutas regionais e as ruas, com nomes de pássaros da América do Sul. Em consulta pública realizada pela Escola do Legislativo de Marabá, 87,1% dos votantes foram contrários à mudança e o prefeito Sebastião Miranda, fazendo coro à maioria, solicitou à Câmara, através de oficio, que o projeto de lei fosse retirado.
Residencial Tiradentes precisa de mudança nas 34 ruas
O levantamento do CORREIO mostra, também, que batizar ruas com nomes de mulheres é um fenômeno relativamente recente. Grande parte das ruas com nomes femininos foi batizada a partir da década de 1980. Ou seja, nos últimos 40 anos em uma cidade que completa 109 anos no próximo mês de abril.
Os nomes dos locais públicos de uma cidade são definidos por decretos municipais, elaboradas por vereadores. Em Marabá, dos 21 parlamentares, apenas duas são mulheres. A Reportagem do CORREIO sugeriu à vereadora Dra. Cristina Mutran, antecipadamente, a alteração nos nomes de todas as ruas do Residencial Tiradentes.
Conforme descrito acima, aquele bairro, inaugurado na gestão do prefeito Maurino Magalhães – entre 2009 e 2012 – teve todas as suas casas construídas por meio do Projeto Minha Casa Minha Vida, do governo federal. A empresa que ganhou a licitação para a execução da obra resolveu batizar por conta própria todas as 34 vias do residencial, colocando nomes dos seus engenheiros, esposas e mães – praticamente todos vivos àquela época.
A Reportagem do CORREIO percorreu várias ruas daquele bairro e descobriu que os moradores – nenhum dos nove consultados – sabia quem são ou foram as pessoas que dão nome às ruas em que residem. “Não sei não, seu moço, quem foi o Dr. Jaime Mendonça Júnior”, testemunhou José Raimundo Reis, que mora na casa Número 22 daquela via.
O que dizer, por exemplo, da arquiteta Vanessa Cristina Fagundes Melo. Quem mora nesta rua não tem ideia de quem seja. A Reportagem fez um levantamento em redes sociais e encontrou a profissional em Goiânia-GO, onde tem escritório. Enviamos mensagens para ela no Direct do Instagram, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. Questionamos se ela conhece Marabá, se tem parente aqui ou se já trabalhou por aqui.
Por esse e todos os outros casos do Residencial Tiradentes, sugerimos que as vias daquele bairro sejam renomeadas com nomes de moradores da própria comunidade que já faleceram e que ajudaram no desenvolvimento, ou de outras personalidades do núcleo São Félix ou Morada Nova.
Claro, desde que obedeçam ao percentual de ruas para nomes femininos.
Socióloga propõe revisão pela igualdade de gênero
A Reportagem do CORREIO conversou com a socióloga Vanessa Lima Cruz, que fez uma análise da disparidade entre nomes de homens e mulheres em ruas de Marabá.
Para ela, passar por ruas, avenidas, pontes, praças, parques e museus e não encontrar placas que homenageiam mulheres na mesma proporção em que se encontram nomes masculinos é perpetuar a imagem de que trunfos e conquistas resultam predominantemente do universo masculino.
Para além dos processos administrativos inerentes à gestão pública, a socióloga sugere que as duas vereadoras eleitas em Marabá e demais simpatizantes das questões que pretendem corrigir contextos históricos de cunho machista proponham uma revisão do “modus operandi” de como se dá a nomeação de logradouros públicos no contexto atual objetivando colaborar, pela inclusão e ampliação de homenagens a mulheres em ruas, praças, e prédios públicos, na promoção da igualdade de gênero e, principalmente, visando à mudança de comportamentos sociais.
“Imaginem como seria benéfico para o empoderamento de mulheres e meninas se, ao longo do caminho da escola e do trabalho, por exemplo, elas pudessem encontrar diariamente homenagens a mulheres que viveram e que, a partir dos seus feitos, mudaram os rumos da história”, contextualiza Vanessa Lima.
Por fim, a socióloga ressalta que a nomenclatura de logradouros públicos é apenas um dos instrumentos de ação para essa transformação cultural que incorpora várias políticas departamentais voltadas para a equidade de gênero direcionadas tanto ao cidadão no âmbito dos transportes, saúde, limpeza, entretenimento público, quanto para aquelas voltadas ao funcionamento da estrutura pública, por meio de políticas de gestão interna e humana, tais como contratações, treinamentos etc.
Na ditadura, ruas de Marabá homenageavam os militares
Foi no período da Ditadura Militar que Marabá passou 15 anos – de 1970 a 1985 – sem poder eleger prefeito, que eram nomeados pelo governador do Estado, quase sempre militares. Para homenagear e afagar o ego dos militares foram nominadas várias ruas e até praça com nomes de oficiais do Estado e da esfera federal.
Assim, temos Avenida Getúlio Vargas (e praça homônima), Marechal Deodoro, Benjamin Constant, Getúlio Vargas, Lauro Sodré, Alkindar Contente, Magalhães Barata, entre outras.
São desse período, também, o estabelecimento do quartel do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, além das outras unidades militares instaladas nos anos seguintes e as três vilas militares estabelecidas. Claro, com nomes de ruas de quem? Militares.
Se essa rua fosse minha…
Homens homenageiam colegas da Redação
Existem muitas formas de valorizar a história de uma mulher. Algumas se tornam estátua, outras recebem prêmios e, também, têm as que se tornam pontos de referência – ao serem homenageadas tendo seus nomes transformados em nomes de rua.
Nós descobrimos, enquanto preparávamos esse conteúdo, que, como cidadão, qualquer pessoa tem o direito de sugerir um nome para logradouro público à Câmara Municipal de Marabá. Mesmo que nas placas de rua da vida real só possam ir nomes de pessoas já falecidas, aqui na Redação do Portal e Jornal CORREIO decidimos homenagear nossas colaboradoras no Dia Internacional da Mulher ainda em vida, entregando plaquinhas personalizadas e super especiais com seus nomes.
Por legislação federal, as ruas devem receber placa azul para identificação de seu nome. Foi aí que os meninos da Redação resolveram homenagear as colegas com uma placa, colocando nome delas em uma rua hipotética da cidade. “É algo bem simples, mas procuramos destacar a importância que as seis meninas têm para nosso ambiente de trabalho, como ajudam a nos moldar”, diz o editor Ulisses Pompeu.
E, se você conheceu uma pessoa cuja história merece ser lembrada e honrada, como de Dona Zenit Rocha, que foi uma importantíssima figura do Bairro Cabelo Seco e, hoje, é o nome de uma rua em frente à Igreja São Félix, da qual cuidou por várias décadas, leve sua ideia para aprovação na Câmara de Vereadores.
Se você conhece alguma rua ou avenida com nome de uma mulher inspiradora que não consta em nosso levantamento, conte para a gente nos comentários!