Há 406 anos era instituída pelos portugueses a Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Mas antes dos europeus se estabelecerem, já havia um imaginário indígena muito forte na região. O lendário e o sobrenatural explicado pelos indígenas percorrem séculos até a cultura europeia ser inserida e estabelecida.
O imaginário místico que acompanha o movimento da cidade de Belém não nasceu com a criação da capital do Pará. Na realidade, Belém nasceu em meio a um imaginário místico que é vivo até os dias atuais nas narrativas e comportamentos dos moradores da cidade.
Quem aguarda o ônibus em um ponto de parada próximo ao cemitério Santa Izabel, um dos mais antigos da capital paraense com mais de 143 anos e mais de 40 mil sepulcros, não se sente muito confortável em esperar pela condução sozinho ou no turno da noite. Lá, está enterrada Josephina Conte, mais conhecida como a “moça do táxi”.
Leia mais:
A lenda urbana conta que uma jovem, que gostava de andar de carro, pegava táxi para dar uma volta na cidade com destino final no cemitério de Santa Izabel. Ao término da corrida, ela solicitava que o motorista fosse cobrar na casa da família. Ao chegar até a casa da moça, o motorista descobria que a passageira já havia morrido.
A história do taxista ter ido à casa da família e apontado uma foto de Josephina como sendo a passageira se espalhou pela cidade e é contada até os dias atuais.
Casos inusitados
Outra lenda que é bem viva no imaginário dos moradores de Belém é a da cobra-grande. Essa é a lenda preferida do professor de história e atual presidente da Fundação Cultural da capital, Michel Pinho.
De acordo com Pinho, a lenda tenta justificar tremores de terra na cidade, que não são muito comuns na região, e também tem ligação com o Círio de Nazaré.
“Ela é o caminho do próprio Círio, onde o rabo está perto do Ver-o-Peso e a cabeça embaixo da Basílica. É, de um modo direto, a relação da vitória do bem sobre o mal, da figura feminina de Nossa Senhora de Nazaré sobre o imaginário europeu da cobra”.
Aliás, existe uma história paralela ao Círio, que fala na movimentação dessa grande cobra que vive embaixo da cidade caso a festividade não seja realizada, assunto que foi retomado nos dois últimos anos de pandemia de Covid-19, quando a maior procissão católica da América Latina sofreu adaptações.
Sabedoria popular feminina
As mulheres amazônidas tem um importante papel dentro da cultura belenense. Antes da instituição da medicina, eram elas que curavam o corpo e o espírito, traziam as crianças à vida. Era comum em um bairro haver indicação de parteira, benzedeira, curandeira, puxadeira (mulheres que puxavam partes do corpo que estivessem fora do lugar), o que ainda se encontra, mas em menor proporção.
“Não tinha hospital, nem farmácia, quem era que dominava as ervas? As mulheres. E mesmo depois da Belém colonial, com transformações lentas, essas mulheres são apartadas desse conhecimento com características indígenas, mas esse conhecimento é apartado do conhecimento dos mais ricos; os mais pobres, que não tinham acesso aos médicos, continuavam usando o conhecimento dessas mulheres”, explica Michel.
Para ver esta história de perto basta ir ao Ver-o-Peso. Na maior feira a céu aberto da América Latina, há um espaço reservado para as erveiras, espaço turístico, em um cartão postal da cidade, onde elas podem falar e sobreviver do conhecimento que possuem sobre as ervas e elementos da natureza. Ali, naquele espaço, o preconceito é substituído pelo respeito ao conhecimento popular belenense.
Conhecimento este envolvido também pela miscigenação dos indígenas, europeus, africanos, árabes, judeus, japoneses, que formaram uma Belém múltipla e com uma cultura marcada pela diversidade.
“Acredito que a gente só ama aquilo que a gente conhece. Quando você conhece sobre a importância da Igreja do Carmo, do bairro do Jurunas, da Condor, quando você leva as pessoas para conhecer, elas passam a olhar aquele espaço de outra forma, com afeto”, finaliza Pinho.
(Fonte:G1)