O mês de junho registrou o maior número de mortes em um ano e meio entre imigrantes que tentaram entrar na Europa pelo Mar Mediterrâneo, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações das Nações Unidas (OIM-ONU). Entre os dias 1º e 30, pelo menos 629 mortes foram confirmadas na região, incluindo o Mar Egeu.
O total é quase igual ao número de mortos nos cinco meses anteriores, entre janeiro e maio. Já em julho o número de mortes chegou a 198 até quinta-feira (19).
As ONGs que mantêm barcos nas águas internacionais para resgatar os imigrantes – a maioria oriundos da África e do Oriente Médio – afirmam que a nova política do governo da Itália de bloquear o acesso dos navios aos portos do país dificultou o trabalho de resgate. Elas também denunciam práticas do governo da Líbia que vão contra as leis marítimas, como negar ajuda a barcos em perigo.
Leia mais:Em um comunicado divulgado no dia 12, a organização Médicos sem Fronteiras (MSF) criticou a recusa da Itália à chegada de imigrantes resgatados.
“As decisões políticas europeias tomadas durante as últimas semanas tiveram consequências mortais. Foi tomada a sangue-frio uma decisão que deixa homens, mulheres e crianças se afogarem no mar Mediterrâneo. Isso é ultrajante e inaceitável”, disse Karline Kleijer, chefe de emergências da MSF.
Bloqueio dos portos
O novo governo da Itália tomou posse em 1º de junho, com a promessa de gerar empregos para o povo italiano e expulsar imigrantes ilegais.
De acordo com a agência de notícias Associated Press, Matteo Salvini, o novo ministro do Interior italiano, mandou um aviso aos imigrantes durante um comício no norte da Itália. “A viagem grátis acabou”, afirmou ele. “Está na hora de arrumar as malas.”
Desde então, o governo tentou bloquear o acesso aos portos italianos de pelo menos três barcos de organizações europeias transportando refugiados resgatados em águas internacionais. Em 10 de junho, o navio Aquarius, da ONG francesa SOS Mediterranee, foi proibido de atracar na Itália, o que deu início a uma crise política europeia resolvida que durou mais de uma semana.
O fotógrafo e documentarista americano Karpov, que estava a bordo do navio, afirmou que, quando o navio já estava carregado com mais de 600 refugiados, e a caminho de Catania, na Sicília, a tripulação não imaginava que tipo de recepção receberiam.
Há quatro anos ele documenta histórias de refugiados e o trabalho das organizações humanitárias. Ele já participou de 16 missões marítimas e terrestres de apoio a refugiados no Mediterrâneo, no Mar Egeu, no Oriente Médio e no Leste Europeu, e disse que nunca viu nenhuma ONG envolvida com casos de tráfico de pessoas, como acusam os movimentos antimigração europeus.
Estratégia pode aumentar o perigo
Segundo Karpov, a estratégia do novo governo italiano é afirmar que os imigrantes vão desistir de fugir da Líbia pelo mar se souberem que os portos estão bloqueados. Mas essa tática, diz ele, além de ser frustrante para as organizações preocupadas com a segurança das pessoas, não funciona porque a situação na Líbia é ainda pior. “As pessoas que estão sendo mantidas refém lá [na Líbia] ou sendo forçadas a retornar pela Guarda Costeira líbia enfrentam ameaças de espancamento, abuso, esturpo e escravidão.”
“As realidades dessa chamada estratégia vai criar rotas de migração ainda mais extremas, forçando as pessoas a passarem por condições mais duros e territórios maiores de desertos, além de áreas que já estão em conflitos, e nas mãos de coiotes e criminosos” – Karpov
Em 18 de junho, o barco finalmente chegou ao Porto de Valência, na Espanha, com mais de 600 refugiados, e a França se prontificou a receber os estrangeiros que, depois de chegarem em terras europeias, quisessem buscar asilo no país.
Karpov conta que o desembarque foi o momento mais emocionante para a tripulação e os refugiados. “Todos estavam tão aliviados de estar vivos e felizes em pisar em terra firme pela primeira vez depois de dez longos dias”, afirmou o fotógrafo, lembrando que, para chegar da Sicília à Espanha, foram necessários mais quatro dias de viagem por cerca de 1.500 km.
“Um dia antes [do desembarque], um jovem e uma mulher da Nigéria cantaram uma canção bonita e emocionante que me levou às lagrimas, além de outros das nossas equipes”, lembra ele, citando um dos imigrantes por nome.
“Sempre vou me lembrar de Mok. Nas últimas milhas antes de chegar ele escreveu ‘Eu confio na Espanha’ em sua camiseta”, disse Karpov. “Mal posso esperar pelo dia em que as ONGs poderão voltar a atracar em qualquer porto da Europa sem criar essa atenção midiática novamente.”
Em um comunicado divulgado no dia 23 de junho, a SOS Mediterranee anunciou que o Aquarius voltaria à chamada “zona de busca e resgate” e afirmou que “é o fracasso em reduzir o número de mortes no Mediterrâneo que forçou as organizações humanitárias a tomarem um passo à frente e se encarregarem das atividades de busca e resgate, para prevenir novas perdas de vida”.
Tentativas fracassadas de bloqueio
Depois do episódio com o Aquarius, o governo italiano tentou outras duas vezes bloquear a entrar de imigrantes resgatados por ONGs, mas não foi bem sucedido.
No dia 21 de junho, mais um barco, dessa vez da ONG alemã Lifeline, foi impedido de desembarcar na Itália, mas o governo italiano recuou no dia seguinte.
Em julho, mais uma proibição foi expedida por Matteo Salvini, mas, dessa vez, o presidente do governo da Itália, que é o Chefe de Estado do país, ordenou que o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, anulasse a ordem e recebesse os refugiados resgatados por um cargueiro holandês.
Novo naufrágio choca o mundo
Ao mesmo tempo, o governo líbio também enfrenta críticas das organizações humanitárias e denúncias de ilegalidades em alto mar. Nesta semana, mais um naufrágio chocou o mundo. Na terça-feira (17), a ONG espanhola Open Arms Fund encontrou escombros de um naufrágio em águas internacionais perto da costa da Líbia.
Os socorristas retiraram da água os corpos de uma mulher e uma criança, além de uma sobrevivente. Trata-se de uma mulher de Camarões que, segundo Óscar Camps, fundador da ONG, se recusou a voltar para a Líbia no navio da Guarda Costeira do país.
De acordo com ele, os oficiais líbios resgataram 158 pessoas de um bote, mas as duas mulheres com um menino não quiseram ser levadas de volta para a Líbia. Os líbios teriam então afundado o bote para tentar forçá-las a subir no barco. A Guarda Costeira líbia negou as graves acusações.
Camps acusou também o governo italiano de proteger assassinos. O ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, respondeu com ironia: “As ONGs espanholas voltaram ao Mediterrâneo para pegar a sua carga de seres humanos. Mas os portos italianos, elas vão ver só nos cartões-postais”. O ministro acusou os ativistas de mentir.
Na quarta-feira (18), a Espanha aceitou receber a refugiada resgatada pelo barco da Open Arms. (Fonte:G1)