- Enganoso
- É enganosa a publicação no Twitter que atribui a Jair Bolsonaro o investimento que resultou na construção do Sirius, estação de aceleração de partículas em Campinas, no estado de São Paulo. Segundo o post, o presidente investe “pesadamente” em ciência. Mas o projeto teve início em 2014, no governo Dilma Rousseff e, desde então, recebeu recursos durante os mandatos de todos os presidentes do país. Além disso, Bolsonaro anunciou grandes cortes no Ministério da Ciência desde que assumiu.
- Conteúdo verificado: Tuíte afirma que o laboratório Sirius, em Campinas, é resultado do trabalho de Jair Bolsonaro, um presidente que, segundo o post, investe de forma “pesada em ciência”.
É enganosa a publicação no Twitter que atribui ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a construção da estação de aceleração de partículas Sirius. No post, um usuário da rede social compartilha vídeo da inauguração de área do complexo, em 21 de outubro de 2021, na qual Bolsonaro esteve presente, para dizer que ele investe “pesado (sic) em Ciência”.
Conforme o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), supervisionado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), a assinatura do contrato com a construtora e o lançamento da pedra fundamental da obra ocorreu em dezembro de 2014, no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT). De lá pra cá, o projeto, ligado ao ministério, recebeu recursos anuais do governo federal.
Além da construção ter começado cinco anos antes do início do governo Bolsonaro, o presidente anunciou cortes na pasta da Ciência. Em março de 2019, no início de sua gestão, efetuou um corte de 42% no orçamento do ministério, equivalente a R$ 2,1 bilhões. À época, o ministro Marcos Pontes disse que a verba era necessária para o andamento do projeto Sirius.
Leia mais:Mais recentemente, em 8 de outubro deste ano, houve outro corte, de R$ 690 milhões. Consultado pelo Comprova, o CNPEM afirmou que a redução da verba “não afeta diretamente o Sirius, pois eram recursos alocados para outras atividades”, mas que “afeta a ciência brasileira e todo o ecossistema de pesquisa e, portanto, indiretamente, afeta também o Sirius”.
A reportagem tentou contato com o perfil @BiroliroBrasil, autor do post, mas não obteve retorno até a conclusão desta verificação. Dias depois, o Twitter suspendeu a conta.
O Comprova considerou o conteúdo enganoso porque ele induz a uma interpretação diferente da verdade.
Como verificamos?
A reportagem buscou informações sobre a construção do Sirius para verificar quando teve início e quais são os órgãos responsáveis pelo projeto. No site oficial do laboratório, verificamos que o contrato com a empresa responsável para iniciar a obra foi assinado no fim de 2014 (no ano seguinte ao início da terraplanagem), sendo que a inauguração da primeira etapa ocorreu em 2018.
A partir destas informações, buscamos os dados referentes à construção do Sirius no Portal da Transparência do governo federal.
Em seguida, sobre a alegação feita na postagem de que a mídia “não teria coragem” de falar sobre a contribuição de Bolsonaro para o Sirius, a reportagem buscou verificar por meio de pesquisa no Google se a imprensa nacional divulgou notícias relacionadas a isso.
Além disso, o Comprova contatou, por e-mail, as assessorias de imprensa do Ministério da Ciência, que não respondeu, e do CNPEM.
A equipe também entrou em contato com o usuário que fez a postagem original, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
Verificação
Início em 2014
O Sirius é uma infraestrutura de pesquisa aberta, ou seja, à disposição da comunidade científica, e foi desenvolvido no CNPEM.
Conforme informações do site do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, instituição que abriga o Sirius, a terraplanagem do terreno de 68 mil metros quadrados de área construída em Campinas, doado pelo Estado de São Paulo, foi concluída em 2014.
Em 19 de dezembro do mesmo ano, foi assinado o contrato com a construtora e lançada a pedra fundamental da obra, como informou o CNPEM à reportagem. Nessa época, a presidente do Brasil era Dilma Rousseff.
As edificações tiveram início em 2015, ano em que 20% das obras civis foram concluídas.
Já durante o governo de Michel Temer (PMDB), as obras civis do Sirius alcançaram 75% de conclusão, com a implantação do piso especial para a instalação dos aceleradores e das linhas de luz, e, em 2018, quando as obras civis foram concluídas e deu-se início à instalação dos equipamentos.
Recursos do Ministério da Ciência
De acordo com o site oficial do laboratório, “o Sirius é financiado com recursos do MCTI e projetado por pesquisadores e engenheiros do CNPEM, em parceria com a indústria nacional”.
Dados disponíveis no Portal da Transparência mostram que o governo federal investiu, até outubro de 2021, R$ 1,3 bilhão desde o início da construção do Sirius, em 2014, dentro de um orçamento inicial de R$ 1,5 bilhão.
Ainda conforme o Portal da Transparência (Planilha 1 | planilha 2), os maiores montantes pagos anualmente até então foram R$ 352,4 milhões em 2018 (governo Temer); R$ 325,9 milhões em 2017 (governo Temer); e R$ 277,1 milhões em 2019 (governo Bolsonaro).
Apesar de Bolsonaro já ter direcionado mais de R$ 441 milhões para o Sirius de 2019 a 2021, foi durante o governo Temer que o projeto teve mais investimento: cerca de R$ 678 milhões entre 2017 e 2018. Na gestão Dilma, foram pagos R$ 243,1 milhões.
Cortes
Embora a mensagem analisada nesta verificação declare que Bolsonaro “é um presidente do Brasil, que ‘os corruptos’ ainda dizem ser contra a ciência, investindo pesado (sic) em Ciência ‘de verdade’ e ‘da verdade’…”, no dia 8 de outubro deste ano houve uma modificação do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16, pela Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional, que atendeu um ofício do Ministério da Economia e subtraiu os recursos destinados a bolsas e apoio à pesquisa do Ministério de Ciência e impossibilita projetos agendados pelo CNPq.
Com o desfalque, inclusive, pode haver a possibilidade de cortes de custos para o Sirius, já que ele é financiado pela pasta da Ciência. O PLN 16/2021 retirou R$ 690 milhões da pasta e destinou o valor para outros ministérios – a verba representava cerca de 90% do orçamento do ministério, que caiu para R$ 89 milhões.
Na ocasião, o ministro da Ciência, Marcos Pontes, lamentou a decisão. No mesmo dia, conforme a Agência Brasil, foram inauguradas cinco novas linhas de luz no Sirius.
Ao Comprova, a assessoria do CNPEM lamentou o corte na pasta. “Foi um baque enorme para o sistema científico brasileiro”, escreveu, por e-mail. “Isto não afeta diretamente o Sirius neste momento, pois eram recursos alocados para outras atividades. No entanto, afeta a ciência brasileira e todo o ecossistema de pesquisa e, portanto, indiretamente afeta também o Sirius.”
Visitas do presidente
Além de usar um vídeo sobre o Sirius para dizer que Bolsonaro investe de forma pesada na ciência, o post verificado pede: “vamos divulgar porque a mídia brasileira não vai ter coragem!…”, levando à interpretação de que a imprensa nacional não noticiou nada sobre investimentos do governo Bolsonaro e as visitas do presidente ao complexo.
Entretanto, diversos veículos jornalísticos divulgaram os assuntos. Em novembro de 2019, por exemplo, o UOL publicou que “em julho, ele (o Sirius) teve R$ 75 milhões liberados pelo governo federal e pôde concluir os testes recentes”. Em setembro, o G1 escreveu: “o projeto recebeu até setembro repasse de R$ 75 milhões dos R$ 255,1 milhões previstos para 2019”.
A visita de Bolsonaro, que participou da inauguração da primeira linha de pesquisa no laboratório, em outubro de 2020, também foi amplamente noticiada.
“Bolsonaro inaugura linha de pesquisa do Sirius e ministro projeta laboratório de biossegurança 4 em Campinas”, escreveu, no título, o G1. O UOL também publicou uma notícia sobre o evento, ressaltando que Bolsonaro foi o terceiro presidente a inaugurar uma das etapas do projeto.
A Folha, além de ter publicado reportagem em seu site, divulgou a visita do presidente na versão impressa do dia 22 de outubro, com o título “Bolsonaro inaugura estação de aceleração de partículas em Campinas”. O Estadão citou a participação do chefe de Estado no evento em um texto que destacou o posicionamento do ministro Marcos Pontes sobre a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19. O jornal O Globo também fez menção à cerimônia em uma reportagem.
Em 8 de de outubro de 2021, quando foram inauguradas cinco estações do Sirius, o G1 também noticiou e SBT News divulgou a visita na TV e, na versão on-line, com o título “Bolsonaro visita superlaboratório e conhece acelerador de partículas”.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O vídeo compartilhado no post verificado teve 6,2 mil visualizações no Twitter até 13 de outubro.
Retuítes com frases como “Que orgulho, é maravilhoso ver o Brasil saindo do atraso, se libertando da cultura do bumbum, Carnaval, futebol, turismo sexual, pra ser de fato a nação predestinada a ser. Parabéns a todos os envolvidos e ao PR JB pela coragem. Orgulho” e “Feliz de ter votado na pessoa certa para comandar esse país. Se fosse o poste do Lula, com certeza esse investimento nunca teria saído do papel porque o dinheiro teria sido usado para sustentar os amigos ditadores” sugerem que Bolsonaro seria responsável pela construção do Sirius, interpretação que é errônea.
Em 2021, o Comprova já verificou que um vídeo omitia as ações de governos anteriores para exaltar as ações de Bolsonaro na Transamazônica e checou a realização de outras supostas obras atribuídas ao presidente, como uma realizada em 2015 pelo Governo de São Paulo e uma intervenção no Rio Grande do Norte, iniciada em governos anteriores, mas também atribuída somente ao governo de Bolsonaro.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.