Uma cena que de tão comum passa despercebida para muita gente. Aqui uma criança te oferece a venda de bala, ali outra vigia seu carro por um trocado e lá uma que troca um pneu. O Dia das Crianças, que nos traz à mente a imagem dos pequenos felizes e brincando, não é de comemoração para quem cumpre obrigações de adultos antes mesmo de querer largar os brinquedos.
Dados do Ministério da Economia divulgados em 2021, via Lei de Acesso à Informação (LAI), apontam que Parauapebas, em 2019, registrou 47 casos de crianças e adolescentes em situação de exploração do trabalho infantil. Não foram divulgados os dados identificadores dos empregadores e não existe uma lista suja para trabalho infantil, diferente do que ocorre com o trabalho escravo.
Outra planilha, também divulgada pelo Ministério da Economia via LAI, mas em 2020, detalha ações em que houve a verificação de descumprimento à legislação referente ao trabalho infantil, a partir de dados disponibilizados pelos sistemas de registro de inspeções entre janeiro de 2019 e julho de 2020.
Leia mais:Em Parauapebas, na ocasião, havia cinco processos originados a partir de Atuação da Inspeção de Trabalho Infantil nos anos de 2019 e 2020. O valor total em multas impostas era de R$ 2.415,18. No mesmo período, Marabá, maior município da região, registrou apenas um processo e sem aplicação de multa. Outro relatório soma 26 casos crianças e adolescentes encontrados em situação de trabalho infantil em Parauapebas nestes dois anos. O mesmo documento aponta três casos em Marabá.
Estes índices provavelmente são maiores, isso porque, segundo Aldo Serra, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Parauapebas (Comdcap), há subnotificação derivada de dois fatores: a aceitação cultural do trabalho infantil e a impossibilidade de a rede municipal agir em estabelecimentos privados, onde apenas auditores do Ministério do Trabalho e Previdência podem realizar fiscalização. “Como essas equipes (federais) tem que fazer fiscalização em vários municípios paraenses, acaba que não fiscalizam a contento”.
É evidente que as fiscalizações estejam cada vez mais raras quando se analisa a evolução do montante investido em políticas de combate ao trabalho infantil nos últimos cinco anos, segundo planilha divulgada pelo Ministério da Economia via LAI.
Em 2016, foram investidos R$ 280.948,24 para esta finalidade e no ano seguinte, 2017, mais R$ 358.303,84. De lá para cá, contudo, o recurso é cada vez menor, tendo sido destinados R$ 251.313,25 em 2018, R$ 142.152,87 em 2019 e R$ 140.290,54 em 2020.
À equipe de abordagem da rede de atendimento no município cabe fazer a fiscalização em logradouros públicos. “Aí é comum encontrar, por exemplo, crianças e adolescentes vendendo balinhas, bombons, principalmente nos finais de semana e às vezes no horário noturno”, afirma Serra.
Já a questão cultural, diz o conselheiro, afeta diretamente a quantidade de denúncias relacionadas ao problema, consideradas poucas. “As pessoas até camuflam, escondem e naturalizam. Muita gente pensa que por ter trabalhado na infância não há problema em crianças trabalharem hoje. A comunidade também tem resistência por não compreender como funciona a legislação”, observa.
A Constituição Federal proíbe, no Art. 60, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
Serra explica haver uma grande diferença entre a exploração e as tarefas domésticas que os pais impõem na educação e desenvolvimento de crianças e adolescentes. “Educar é responsabilidade dos pais, então o trabalho doméstico, ensinar as rotinas de casa, compete aos pais e não é trabalho infantil. Pedir que o filho vá arrumar uma cama, que ajude em uma atividade dentro de casa não é trabalho infantil”.
O ato ilegal, acrescenta, engloba toda atividade que atrapalhe o desenvolvimento da criança. Aqueles que iniciam a vida laboral precocemente, ilustra, acabam se afastando dos bancos escolares e, a longo prazo, não se qualificam para empregos que remunerem melhor e garantam melhor qualidade de vida.
Já a curto prazo, há consequências imediatas, principalmente a exposição de menores de 18 anos a outras violações de direitos. “Temos crianças que foram violentadas sexualmente, temos casos de crianças cooptadas para o tráfico e para o uso de drogas… Então, é lógico que as pessoas possam achar que é saudável, salutar, que vai enobrecer porque é trabalho, contudo, não observam os problemas existentes nessas atividades”, resume.
Serra informa que um dos locais com grande ocorrência de exploração do trabalho infantil em Parauapebas são as feiras da cidade. Neste sentido, há dois anos a rede tem pensado em estratégias para tentar combater a situação, tendo elaborado um projeto piloto de um centro de convivência que acabou aprovado em um edital do Banco do Bradesco, garantindo recursos para que a instalação seja efetivada.
O local escolhido foi o Centro de Abastecimento de Parauapebas (CAP), na Rodovia Municipal Faruk Salmem. “Vai ter oficinas de informática, uma brinquedoteca, biblioteca e tudo mais para que possamos envolver essas crianças e, ao mesmo tempo, fazermos ali um trabalho junto às famílias com intuito de corrigir essa prática. Serão feitas algumas adequações físicas e acreditamos que até o final de novembro nós consigamos já implantar. É um trabalho coletivo”, orgulha-se, informando que há intenção de expandir o projeto para outras feiras, como a do Rio Verde.
Na cidade, casos relacionados à exploração do trabalho infantil podem ser denunciadas à Secretaria Municipal de Assistência Social de Parauapebas (Semas), no número (94) 99291-2026 ou para os Conselhos Tutelares, nos contatos (94) 99150-4533, (94) 99114-2309, (94) 3356-2150 e (94) 99909-6300.
(Luciana Marschall)