Correio de Carajás

É falso que morte de jovem no Rio Grande do Sul esteja associada à vacina contra covid

Falso
É falso que a morte de jovem de 22 anos em Vera Cruz, no Rio Grande do Sul, tenha relação com a vacina contra a covid-19. A ligação inventada é mencionada em dois posts publicados no Twitter e no Instagram. Secretarias de saúde da cidade onde ele morava e de onde ele morreu, hospital onde o óbito ocorreu, família e Anvisa descartam qualquer suspeita de relação causal entre morte por AVC e o imunizante.
  • Conteúdo verificado: Posts no Twitter e no Instagram usam imagem com anúncio de sepultamento de jovem de 22 anos, morador da cidade de Vera Cruz, no Rio Grande do Sul, para afirmar que ele morreu por causa da vacina contra o coronavírus.

É falso que Samuel Pimentel de Oliveira, 22 anos, morreu por ter sido vacinado contra a covid-19. Dois posts compartilhados na semana passada no Twitter e no Instagram relacionam a morte do jovem, morador da cidade de Vera Cruz, no Rio Grande do Sul, à vacina contra a covid-19. A relação foi inventada. Samuel foi internado no dia 6 e morreu no dia 14 de setembro, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico.

Nem o hospital e nem a vigilância epidemiológica da cidade de Cachoeira do Sul, onde fica a unidade, relacionam o óbito ao imunizante. A Prefeitura de Vera Cruz e a família do rapaz também negam essa ligação. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não recebeu nenhuma notificação sobre suspeita de causalidade entre a morte do rapaz e a vacina. Samuel havia tomado a primeira dose mais de 30 dias antes da morte.

A morte cerebral do jovem foi confirmada em 14 de setembro no Hospital de Caridade e Beneficência (HCB) de Cachoeira do Sul, cidade a 88 km de Vera Cruz. Na certidão de óbito dele, consta que a causa do óbito foi “lesão encefálica anóxica, acidente vascular encefálico isquêmico”. (Entenda o que isso significa mais abaixo)

Leia mais:

As duas publicações verificadas aqui reproduzem uma imagem divulgada na página do Facebook da Funerária Caminho da Paz, na qual a morte e o sepultamento de Samuel são informados, e distorcem a realidade ao afirmar que o falecimento dele foi provocado pela “injeção de veneno” e que o jovem é “mais uma vítima da vacina contra a covid-19”.

Pelos comentários nos dois posts, é possível perceber que os seguidores interpretaram, mesmo no caso tuíte, em que a vacina não é citada diretamente, que o imunizante teria sido o responsável pela morte.

Os autores dos posts no Instagram e no Twitter foram procurados pelo Comprova, mas não responderam até o fechamento desta reportagem.

Esse conteúdo foi classificado como falso porque a relação entre a morte do rapaz e a vacina foi inventada e divulgada de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos no Google notícias de que um jovem morador de Vera Cruz, chamado Samuel Pimentel de Oliveira, tinha realmente morrido nos dias anteriores aos posts investigados aqui. Além do próprio tuíte verificado e de um texto em um blog que faz referência a ele, havia uma notícia em um site local que afirmava que os órgãos do rapaz tinham sido doados.

Em seguida, encontramos o perfil nas redes sociais da Funerária Caminho da Paz. O nome do estabelecimento aparece na imagem compartilhada pelos dois posts, anunciando a morte de Samuel. Encontramos a imagem postada no Facebook da funerária, que tem uma unidade na cidade de Vera Cruz, no dia 16 de setembro. No post, além do nome completo de Samuel, havia também os nomes dos pais, da esposa e dos irmãos do rapaz, e ainda sua data de nascimento.

A partir dessas informações, buscamos pelos perfis no Facebook da mãe, da esposa e de uma das irmãs de Samuel, que confirmaram a morte dele. Através dos familiares, que souberam das publicações que falavam do jovem pelo Comprova, tivemos acesso às informações da certidão de óbito do jovem. Essas informações também foram confirmadas pela Secretaria de Saúde de Cachoeira do Sul.

Entramos em contato com as prefeituras de Vera Cruz, onde Samuel morava, e de Cachoeira do Sul, cidade em que fica o hospital onde ele morreu, além do HCB. Por fim, procuramos a Anvisa, a neurologista e coordenadora do Programa de Neurologia Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Sheila Martins, e os autores dos posts verificados, que não responderam até a publicação desta reportagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de setembro de 2021.

Verificação

Samuel sofreu AVC

O jovem de 22 anos morreu no dia 14 de setembro de 2021 após sofrer um AVC. Segundo a família do jovem, ele foi internado no dia 6 de setembro na instituição. O Comprova entrou em contato com a Prefeitura de Cachoeira do Sul e a assessoria de imprensa respondeu, por meio de áudio no WhatsApp, que Samuel foi levado ao HCB porque, no momento em que precisou de atendimento, não havia leitos de UTI disponíveis em Vera Cruz.

Também por WhatsApp, a prefeitura informou que, na certidão de óbito de Samuel, registrada no Cartório de Registros Público de Vera Cruz, consta que a causa da morte foi “lesão encefálica anóxica, acidente vascular encefálico isquêmico”.’

A família de Samuel compartilhou com o Comprova o trecho da certidão de óbito do jovem onde consta a causa da morte.

De acordo com a especialista em neurologia vascular Sheila Martins, existem dois tipos de AVCs: o hemorrágico, que é quando uma artéria cerebral se rompe, e o isquêmico, que acontece quando a artéria que leva o sangue ao cérebro sofre uma obstrução, entope e impede a passagem do sangue. “Hoje, o AVC isquêmico é o mais comum, sendo 85% dos casos de acidente vascular”, afirma a neurologista.

O superintendente do Hospital de Caridade e Beneficência de Cachoeira do Sul, Luciano Morschel, disse ao Comprova, por mensagem no WhatsApp, que a causa da morte de Samuel “foi uma isquemia cerebral”. Segundo ele, não é possível dizer, ainda, o que provocou a isquemia, pois “há várias hipóteses”.

Assim como as autoridades de saúde e administração dos municípios, familiares de Samuel contatados pelo Comprova também não acreditam nas afirmações feitas nas publicações verificadas.”Não acreditamos que a vacina tenha ligação com a morte do meu irmão”, afirmou, por WhatsApp, Geísa.

Não há relação entre morte e vacina

De acordo com informações do setor de Epidemiologia e Imunizações do Departamento de Vigilância em Saúde (DVS) da Secretaria Municipal da Saúde de Cachoeira do Sul, “o óbito de Samuel nunca foi relacionado à vacinação”.

Luciano Morschel, superintendente do HCB, também afirmou não saber se há alguma investigação sobre uma eventual relação entre a morte de Samuel e a aplicação da vacina contra a covid-19 e sugeriu que o Comprova entrasse em contato com a vigilância epidemiológica de Vera Cruz.

Por e-mail, a Secretaria Municipal de Saúde de Vera Cruz informou que não é de conhecimento da pasta que a morte de Samuel tenha relação com a vacina. O Comprova perguntou se e quando Samuel foi vacinado, e com qual vacina, mas não obteve resposta.

Então, o Comprova questionou a Anvisa se a agência investiga se há relação entre a morte de Samuel e a vacina contra a covid-19. Por e-mail, o órgão federal informou não ter sido notificado sobre caso suspeito de morte provocada por vacina.

“Não identificamos notificação com as características relatadas. Todas as notificações de suspeitas de eventos adversos são avaliadas pela Anvisa na busca por evidências de relação causal”, diz a nota.

Primeira dose da vacina tinha sido aplicada no dia 11 de agosto

Por telefone, a Prefeitura de Cachoeira do Sul informou que Samuel havia tomado a primeira dose da vacina quase 30 dias antes da morte. A vacina foi aplicada na cidade de Vera Cruz, onde ele morava. Procurada, a prefeitura da cidade não informou a data específica da aplicação, nem o fabricante da vacina.

Contudo, a imunização para a faixa de idade dele – acima de 18 – foi aberta no dia 10 de agosto. Dois dias antes, a vacina começou a ser aplicada em quem tinha mais de 23 anos, o que não era o caso de Samuel.

De acordo com a irmã do jovem, Geísa, ele foi vacinado no dia 11 de agosto com a primeira dose da Pfizer em Vera Cruz. Conforme mencionado anteriormente, Samuel foi internado no Hospital de Cachoeira do Sul somente no dia 6 de setembro, quase um mês depois de ser vacinado.

A neurologista e Coordenadora do Programa de Neurologia Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Sheila Martins, afirma que não existe comprovação científica que a vacina, independentemente do fabricante, ocasione um AVC, sendo o paciente jovem ou não.

Sheila ainda afirma que, ao contrário das afirmações das postagens verificadas, pessoas que não se vacinam e são contaminadas com a covid-19 têm mais chance de sofrer um acidente vascular cerebral, já que a doença costuma aumentar os riscos de AVC.

Família quer que posts sejam apagados

O Comprova também conversou via WhatsApp com a esposa de Samuel, Emilin Gabriele. A jovem, assim como a irmã dele, Geísa, não acredita que exista relação da morte do rapaz com a vacinação realizada quase um mês antes.

Tanto Geísa, quanto Emilin não sabiam da existência das publicações verificadas nesta reportagem. Após tomarem conhecimento das postagens, as duas concordaram em conversar com o Comprova a fim de verificar as publicações.

“Isso é, com certeza, uma fake news. Estão usando a imagem de uma pessoa que não está mais aqui e sendo mentirosos”, afirma Emilin, que pediu ajuda da reportagem para que os posts fossem apagados.

Efeito dos posts

Dos dois posts verificados aqui, o tuíte foi postado primeiro – às 17h21 do dia 18 de setembro de 2021. A autora não cita diretamente a vacina como responsável pela morte de Samuel, mas usa o termo “injeção de veneno”. Apesar de não fazer uma citação direta, os comentários no post deixam claro que esta foi a interpretação de boa parte das pessoas que interagiram com a postagem.

Muitos citaram, com ironia, que aquele era mais um “caso isolado”. Outros, questionaram a fonte das informações, o tipo de vacina aplicada e até mesmo o que a autora realmente quis dizer com o uso do termo “injeção de veneno”.

Em outro comentário, uma pessoa sugere que o caso seja notificado à Anvisa, ao que a autora responde que vai “postar no grupo”, dando a entender que teria recebido a informação de algum outro lugar. O Comprova entrou em contato com a autora através de um comentário na postagem, mas não recebeu resposta até a publicação desta verificação.

A postagem do mesmo conteúdo em um perfil do Instagram foi feita no dia seguinte, 19 de setembro. Desta vez, o post é mais direto: o autor incluiu uma inscrição na própria imagem em que atribui a morte de Samuel à vacina contra a covid-19.

Nos comentários, mais interações que desencorajam a vacinação. Em um deles, uma pessoa pergunta qual a fonte da informação e é repreendida por outra pessoa. Na resposta, a mulher afirma que não vacinou a filha e não quer ter outro post derrubado pela rede social, “como já aconteceu antes”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. Os posts no Twitter e Instagram verificados aqui somam quase 5 mil interações.

Conteúdos que tentam criar uma relação causal entre óbitos e vacinas, desacreditando-as e influenciando outras pessoas a não se vacinarem, são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde pessoal e coletiva em risco.

O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização. Um deles, na última semana, mostrou que a morte de uma adolescente em São Bernardo do Campo (SP) não teve relação causal com o produto da Pfizer. Também já mostrou como um médico enganava ao afirmar que as vacinas não funcionam contra a variante delta, como um post desinformava ao afirmar que o CDC e Anthony Fauci não acreditam nos imunizantes e o caso de uma médica que enganava ao afirmar que vacinas são experimentais.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.