Correio de Carajás

Brega paraense é reconhecido como patrimônio cultural e imaterial

Ritmo é sustento e inspiração para muitos paraenses, que veem reconhecimento como solidificação do trabalho. Lei sanciona reconhecimento no estado no Pará.

Atualização 15 de setembro de 2021 por Redação

No Pará, um sinal incontestável de que uma música se tornou sucesso é quando ela ‘vira brega’. O ritmo foi destaque na abertura das Olimpíadas no Brasil e é referência da cultura e identidade paraense. Nascido nas periferias, o estilo brega carrega nas vertentes uma estética repleta de cores e sons vibrantes. Agora, ele é também reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial do Pará e artistas consideram a conquista como a realização de um sonho coletivo.

O ‘ritmo brega’ foi declarado como Patrimônio Cultural e Imaterial do estado em projeto de lei, que será sancionado nesta quarta-feira (15) pelo governo estadual, em Belém. O ato que marca a sanção da lei reúne artistas que são parte da história e do cenário musical do brega no Pará, a partir das 18h, no Teatro Estação Gasômetro. A entrada é gratuita.

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O Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade no último dia 24 de agosto na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). Segundo a autora, a deputada Ana Cunha (PSDB), a iniciativa visa não só reconhecer o ritmo em si, mas valorizar a cadeia cultural que envolve compositores, músicos, cantores, guitarristas e outros artistas que fazem do brega um instrumento para viver.

Artistas comemoram reconhecimento

 

Para os artistas do estilo, além de realizar o sonho de que o estilo seja cada vez mais reconhecido como vertente solidificada na música brasileira, a lei sancionada solidifica o trabalho de gerações de músicos paraenses. Alguns deles falaram ao G1sobre o brega e da importância do reconhecimento para a música brasileira:

Parte de um momento muito importante para a cultura paraense, que foi participar, junto com a Gang do Eletro, da abertura das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, Keila Gentil vê que a lei de reconhecimento como patrimônio é uma grande vitória para os artistas que vivem do brega.

Levando a cultura do brega para além das fronteiras brasileiras, uma vez que o mundo inteiro estava olhando para o Brasil naquele momento.

“A gente fica muito realizado porque hoje não somos mais subjugados, colocados como sub-cultura, hoje nós somos cultura e reconhecidos por lei. Reconhecimento é o que sinto agora”, afirma Keila.

 

Para a cantora que contribuiu para popularizar no Pará o “treme”, movimento de tremer os ombros conforme a velocidade do tecnobrega, o título é fruto do trabalho de gerações.

‘Sonho que se sonha junto é realidade’

O reconhecimento do ritmo brega se traduz também em valorização para quem é parte da história e da estética brega paraense. O cantor Wanderley Andrade, que já atua há mais de 30 anos no mercado, afirma que atualmente vê o brega ocupando espaços nunca vistos antes.

“Hoje faço show em 17 países e fico emocionado em ver as pessoas cantando as minhas canções, no ritmo frenético do brega paraense. Sou privilegiado em fazer parte desse hall”, declara o cantor.

 

Para Wanderley, o reconhecimento do ritmo como patrimônio cultural e imaterial do Pará veio em um momento oportuno:

“Um sonho que se sonha junto é realidade”, diz o cantor.

 

‘Já era reconhecido pelo povo de fato e agora, é de direito’

Outro artista parte desse movimento cultural é o cantor e compositor Edilson Moreno. Com 24 anos de grandes sucessos, Edilson dedica o reconhecimento ao público.

“O brega não tem dono, era um tipo um patinho feio e o povo deu riqueza ao brega”, comenta Edilson.

 

O berço de Edilson foi na Música Popular Brasileira (MPB), mas ele se encantou, na década de 90, pela dança e passou a compor bregas. Após todos esses anos em cima dos palcos, ele acredita que a lei é a oficializa que o brega é paraense.

“O brega é patrimônio nosso, é aqui onde se faz brega. Não tem ninguém no planeta terra que dance brega, que toque brega como aqui, e o povo encanta, e tudo isso faz parte de gerações, marcando época, então é mais do que justo o reconhecimento. Ele já era reconhecido pelo povo de fato e agora, é de direito”, declara Moreno.

A cantora Manu Bahtidão, que há cerca de 15 anos incorporou o brega ao repertório, diz que o ritmo foi o grande responsável pela acolhida dela no Pará. Natural de Alagoas, a cantora conta que chegou em Belém e se encantou com o brega paraense, que é hoje um dos pilares da carreira da artista dentro e fora do estado.

“Eu fui abraçada pelo ritmo, pela cultura. O brega me fez crescer profissionalmente e me deu também o sustento da minha família. Lá fora sou conhecida como ‘a menina do batidão’, a menina que canta brega do Pará “, declarou a artista ao lembrar da relação com o ritmo.

Inspiração nas artes visuais

 

Obra 'Brega Story' explora, de forma fictícia, os bastidores do universo do brega de Belém do Pará. — Foto: Divulgação
Obra ‘Brega Story’ explora, de forma fictícia, os bastidores do universo do brega de Belém do Pará. — Foto: Divulgação

Por fazer parte do cenário urbano e das vivências cotidianas de quem mora no Pará, o brega é naturalmente fonte de inspiração para quem produz conteúdo na região. É o caso do quadrinista Gidalti Júnior, que nasceu em Minas Gerais, mas foi criado em Belém do Pará e tem a cultura nortista como fonte de inspiração e criatividade.

Gidalti, que foi vencedor do Prêmio Jabuti em 2017, lança nesta quarta-feira (15) a novela gráfica “Brega Story”, ambientada em Belém e criada a partir do conceito e da estética do brega.

O quadrinho conta uma história ambientada nos bastidores do universo do brega de Belém do Pará. O artista buscou reproduzir a explosão de som, luzes e cores da estética do brega, que é considerado um dos gêneros musicais mais expressivos do Brasil.

Para produzir ‘Brega Story’, Gidalti fez uma pesquisa gráfico-musical. O artista explora na história o contraste entre as manifestações culturais periféricas e o ‘mainstream’, ou seja, entre o erudito e o popular. O livro tem 320 páginas e é parcialmente colorido em aquarela.

“O brega tem toda uma questão de visualidade, do potencial gráfico que esse universo me permite explorar como artista. Então a combinação de cores, as luzes, os contrastes, as formas, todo esse universo que o brega nos apresenta no aspecto visual, é muito interessante”, explica Gidalti.

 

O artista afirma ter compromisso em trabalhar as questões do norte. Para ele, o mundo precisa conhecer a Amazônia para além dos estigmas sobre a região, ele pretende propagar a identidade da ‘Amazônia Metropolitana’, que pulsa essa dinâmica plural e frenética também presente no brega.

“É a realidade que eu conheço, é o mundo que me formou como pessoa, como autor, então eu sempre tento vincular a minha produção criativa, que é esse contexto de Belém, da Amazônia, ao de uma Amazônia metropolitana. Tento criar um registro iconográfico, um registro conceitual de toda essa estética brega”, afirma o artista.

 

História do brega

 

Artista buscou reproduzir a explosão de som, luzes e cores da estética do brega. — Foto: Divulgação
Artista buscou reproduzir a explosão de som, luzes e cores da estética do brega. — Foto: Divulgação

O Brega, em sua origem, é a designação para algo cafona e de “mau gosto”, e a música brega tinha esta conotação pela grande crítica especializada e por alguns artistas também. De cunho popular, as letras falavam de amor, de narrativas do cotidiano.

O guitarrista, compositor e pesquisador musical, Eduardo Barbosa, diz que fora do Pará, os cantores de bolero que faziam um contraponto à Bossa Nova, no final dos anos 50, eram os considerados bregas.

“Brega é a música da periferia, de excluídos, de artistas incríveis que por muitos anos foram tratados como nada só por cantarem brega”, diz.

 

Já no final dos anos 60, após o declínio da Jovem Guarda em 68, até meados dos anos 70, os artistas que insistiram no formato popularizado por Roberto Carlos – que agora ia em busca da “música romântica” – foram os “bregas” da vez.

O historiador José Leandro Nunes, nascido e criado na periferia de Belém, partiu de suas vivências e hoje pesquisa sobre o brega paraense e suas vertentes. Ele explica que o movimento brega aqui no Pará iniciou na década de 1980.

Aparelhagens contribuíram para difusão do brega no Pará. — Foto: Divulgação/ Marcelo Araújo
Aparelhagens contribuíram para difusão do brega no Pará. — Foto: Divulgação/ Marcelo Araújo

Os primeiros passos do brega no Pará foram dados por artistas como Teddy Max, Mauro Cotta, Juca Medalha, Frankito Lopes e Luiz Guilherme, explica o historiador. Hoje, a música produzida nessa época é uma das vertentes do brega, conhecida como ‘flashbrega’.

O brega paraense ganhou força e teve como influência ritmos caribenhos como cumbia, zouk e merengue. Ritmos locais como guitarrada e lambada também foram referências, e começou-se a ver o brega para além do termo pejorativo.

Leandro explica que as vertentes mais recentes do ritmo, como o tecnobrega, incorporaram elementos da música eletrônica como ‘eurodance’ e ‘house’, com uso de bases programadas e instrumentos virtuais e ‘não-orgânicos’, que são instrumentos feitos a partir de um computador.

Com isso, as “guitarradas”, segundo o pesquisador musical Eduardo Barbosa, passaram a ser mais presentes nos solos do brega, com “maior protagonismo”.

“Se torna eletrônico e sintético e já nos anos 2000, o tecnobrega explode e vai influenciar uma gama de artistas em diversos estados, principalmente no Nordeste, tal qual fez o boom do brega calypso no mesmo período”, complementa Barbosa.

 

O historiador explica que o brega ganhou força no Pará por meio das aparelhagens, responsáveis por movimentar o circuito bregueiro no estado. O ritmo também foi difundido quando passou a ser tocado em rádios, bares e também nas casas da periferia da cidade e com grande força nos interiores do paraenses.

Para Leandro, que nasceu e cresceu na periferia de Belém, o brega invadiu as casas e as festas da cidade de tal forma que se tornou parte da paisagem musical e do contexto urbano da capital.

“Culturalmente o brega se espalhou de forma natural e orgânica e hoje faz parte do cotidiano cultural de grande parte do povo paraense”, declara o historiador.

(Fonte: G1)