- Enganoso
- A Polícia Federal não concluiu, em um inquérito, que houve invasão às urnas eletrônicas ou fraude no sistema de votação. O ataque hacker ao TSE, investigado pela PF e mencionado pelo presidente Bolsonaro, só atingiu o sistema interno do Tribunal, sem comprometer as eleições.
- Conteúdo verificado: Postagens virais no Instagram e Facebook, além de um vídeo no YouTube, afirmam que o presidente tem provas sobre a insegurança das urnas eletrônicas – se referindo a documentos sigilosos de uma investigação da Polícia Federal publicados por Bolsonaro no Twitter.
Não é verdade que um inquérito da Polícia Federal prove que as urnas eletrônicas brasileiras já foram invadidas ou que já houve qualquer fraude no sistema eleitoral.
As alegações circulam em postagens enganosas no Facebook e Instagram, além de terem sido repetidas por um youtuber, em vídeo que viralizou.
Todos se referem aos documentos publicados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas redes sociais, que se tratam, de fato, da investigação da PF sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nem as publicações, nem o chefe do executivo mencionam, porém, que a invasão foi ao sistema interno do TSE, sem qualquer implicação na segurança das urnas eletrônicas – que contam com dispositivos adicionais de proteção.
Leia mais:Não há no inquérito nenhum dado relevante ou que comprove as alegações. Em reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, as fontes ouvidas — estudiosos do tema e um participante da investigação — confirmaram que não há prova de fraude ou de mudanças no código-fonte do software de votação.
A Polícia Federal foi procurada, mas disse apenas, por email, que não comenta inquéritos em andamento.
O Comprova considera as postagens enganosas, porque usam dados imprecisos ou que induzem a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.
Como verificamos?
Primeiramente, assistimos à entrevista concedida pelo presidente ao programa Pingos nos Is, da Jovem Pan, para saber melhor sobre as alegações feitas por ele.
Em seguida, analisamos o conteúdo dos documentos publicados por Bolsonaro em sua conta oficial no Twitter: o inquérito 1.468, da Polícia Federal, que investiga a invasão do sistema GEDAI; o relatório do TSE sobre o caso; o ofício da denúncia de fraude e o email do servidor hackeado. Nesta sexta-feira (13) os documentos não estavam mais disponíveis nos links disponibilizados pelo presidente.
Depois, buscamos o posicionamento do TSE a respeito das alegações e entramos em contato com a Polícia Federal para tentar obter mais detalhes a respeito do inquérito. O Tribunal havia publicado uma nota sobre o assunto, mas a PF disse que não se pronuncia a respeito de investigações que estão em andamento — apesar de ter confirmado que o documento publicado pelo presidente é verdadeiro.
Procuramos por especialistas em segurança digital e no sistema eletrônico de votação e, ainda, por reportagens já publicadas em outros veículos sobre o assunto.
Tentamos contato com os responsáveis pelas postagens, por email e mensagem nas próprias redes sociais onde o conteúdo foi publicado, mas não tivemos retorno até a conclusão desta verificação.
Verificação
Urnas não foram comprometidas
Não há, nos documentos divulgados por Bolsonaro, qualquer conclusão que aponte para a insegurança das urnas eletrônicas ou para a possibilidade do processo de votação ter sido afetado.
A investigação foi aberta pela Polícia Federal em 8 de novembro de 2018, na Superintendência Regional do Distrito Federal, após ser acionada pelo TSE. A motivação foi a suposta invasão de um hacker ao Sistema Gerenciador de Dados, Aplicativos e Interface com a Urna Eletrônica (GEDAI-UE) – aplicativo que permite a instalação na urna das listas com os nomes e dados dos candidatos, junto com o software do sistema de votação, além de registrar a presença dos eleitores –, e ainda o acesso a documentos sigilosos do Tribunal Superior Eleitoral. O caso foi descoberto a partir de uma reportagem do jornalista Felipe Payão, do Portal TecMundo, que foi contatado pelo hacker.
Em 210 páginas, o inquérito mostra que foram adotadas várias diligências diferentes pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal para a investigação do caso, mas não há conclusão ou suspeita de que as urnas eletrônicas tenham sido comprometidas.
Na reportagem publicada pela Folha a respeito do assunto, os especialistas ouvidos também ressaltam que o inquérito não tem nenhuma conclusão neste sentido. “E, mesmo se o atacante tivesse obtido acesso de escrita ao repositório de códigos-fonte interno do TSE, o Git [sistema de controle] tem algumas salvaguardas contra modificações no repositório central de códigos: ele guarda o histórico de alterações, e não é possível alterar o histórico antigo. Então, seria possível detectar se houve modificação pelo invasor”, diz o professor Paulo Matias, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos.
Nesta quinta-feira (12), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu uma notícia-crime do TSE e mandou investigar Bolsonaro por suposto vazamento de dados sigilosos em relação ao inquérito da PF.
Código-fonte não é sigiloso
O caso de 2018 também foi alvo de uma sindicância interna do TSE, cujos documentos constam no inquérito. Em um ofício que trata das consequências da invasão, o secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal, Giuseppe Dutra Janino, afirma que “o código-fonte do GEDAI-UE, acompanhado de seus binários compilados, permite a importação de dados; contudo, o software de urna utilizado não tem as assinaturas oficiais da lacração, o que fica evidenciado pelo LED de segurança da urna e pelos procedimentos de verificação de hash, que são resumos digitais realizados para garantir que os códigos lacrados são os mesmos que auditados, e assinatura; também não seria possível a geração de um boletim de urna válido para a totalização a partir disso”.
O código-fonte do software de votação, que corresponde ao programa inserido na urna eletrônica, é sempre analisado por técnicos dos partidos políticos, Polícia Federal, Ministério Público Federal e entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Não se trata, portanto, de um arquivo sigiloso.
No dia 12 de agosto, aliás, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, anunciou que o prazo para análise do programa pelos representantes dos partidos será ampliado: todos receberão o dado em 1º de outubro, um ano antes do primeiro turno de 2022. A ideia é fortalecer a publicidade e a transparência dos mecanismos que garantem a segurança do processo eleitoral.
Em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro chegou a afirmar que no período de abril a outubro de 2018 o código-fonte esteve na mão de um hacker, e que, por isso, poderia ter “acontecido tudo, aperta 17 e sai nulo”. Em entrevista à Folha, Diego Aranha, professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, contesta a hipótese levantada pelo presidente. “É naturalmente falso o argumento de que a posse do código-fonte é suficiente para provocar fraude. Se fosse o caso, os fiscais de partidos políticos que possuem acesso ao código-fonte nas dependências do TSE estariam fraudando as eleições a torto e a direito desde o princípio, o que não é nada razoável de se assumir”, afirma.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre governo federal, pandemia e eleições que tenham atingido alto grau de viralização. As afirmações aqui verificadas tiveram ao menos 20,6 mil interações no Instagram e o vídeo foi visualizado 445,9 mil vezes no YouTube.
Conteúdos que questionam a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro por meio de informações manipuladas e enganosas corroboram as acusações, sem fundamentos, que o presidente faz constantemente à autenticidade do processo eleitoral. Desde o início do voto eletrônico no Brasil, em 1996, nenhum caso de fraude foi identificado e comprovado.
Desde a última eleição presidencial, quando as supostas falhas no sistema eleitoral passaram a ser divulgadas, o Comprova já verificou diversas vezes conteúdos falsos e enganosos sobre o assunto. Entre as checagens mais recentes está uma de julho deste ano que engana ao afirmar que o resultado de uma enquete sobre o voto impresso reflete opinião da população. Em outubro do ano passado, o projeto mostrou que um documento não prova fraude nas eleições de 2018 nem comprova vitória de Bolsonaro no 1º turno. No mês seguinte, duas publicações do Comprova apontaram para o fato de o voto eletrônico no Brasil já ser auditável.
Para o Comprova, um conteúdo é enganoso quando confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano, porque usa dados imprecisos e induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, além de ter sido retirado do contexto original e usado em outro, com alterações no significado.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.