O texto da reforma eleitoral apresentado nesta semana na Câmara dos Deputados prevê blindagem para candidatos que espalham fake news e responsabiliza plataformas de internet por conteúdo publicado por terceiros.
A proposta, divulgada pela relatora, Margarete Coelho (PP-PI), proíbe banimento, cancelamento ou suspensão de perfil ou conta de candidato no período eleitoral.
A ideia é semelhante a lei aprovada no estado americano da Flórida pelo governador Ron de Santis, apoiador do ex-presidente Donald Trump –banido do Twitter e suspenso de Facebook e YouTube.
Leia mais:Após muitas críticas, foi retirado da proposta na Câmara um parágrafo determinando que as plataformas só poderiam remover conteúdos publicados em perfis de candidatos, partidos e coligações mediante medida judicial ou com notificação dos responsáveis 24 horas antes.
Isso impossibilitava as plataformas de usarem suas regras para remover ou rotular conteúdos que questionem a integridade do pleito, incitem à violência ou promovam supressão de votos, caso sejam de autoria de candidatos.
“O texto restringe o banimento de perfis de candidatos durante o processo eleitoral, o que parece razoável”, afirma Margarete à reportagem. Ela diz que a proposta não impede as plataformas de moderarem conteúdo que viole suas regras.
“O que fizemos foi exigir que as plataformas apresentem, antes do início do período eleitoral, suas políticas e critérios de moderação, para que os candidatos e o próprio eleitor tenham clareza sobre o que pode e o que não pode.”
A proposta prevê que os órgãos de direção nacional dos partidos políticos poderão impugnar, perante o TSE, regras de moderação de conteúdo que impliquem “restrição indevida de direitos e garantias de cunho político”. E determina que as publicações devem ser restauradas caso a remoção esteja em desacordo com a legislação eleitoral.
O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados tiveram diversas postagens removidas ou rotuladas nas redes. Eles pregam um maior controle sobre as plataformas de internet, que acusam de fazer censura contra políticos de direita.
Em maio, veio a público a minuta de um decreto presidencial que proíbe as redes sociais de suspenderem contas, removerem ou rotularem conteúdo sem autorização judicial prévia, a não ser em situações específicas.
“Essa blindagem é perigosa, afasta qualquer possibilidade de moderação, criando um supercidadão digital político, que tem mais direitos que qualquer um na internet”, afirma Diogo Rais, professor da Universidade Mackenzie.
A restrição à possibilidade de moderação não é o único receio das plataformas.
O artigo 568, por exemplo, determina que “o provedor de aplicação será considerado responsável pela divulgação da propaganda se a publicação for comprovadamente de seu prévio conhecimento”.
Para especialistas e empresas, o texto subverte o Marco Civil da Internet, que prevê responsabilização das plataformas apenas se mantiverem algum conteúdo mesmo após ordem judicial. Eles também apontam que o termo “prévio conhecimento” é vago.
Segundo Francisco Brito Cruz, do Internet Lab, isso pode levar as plataformas a removerem muito conteúdo, restringindo a liberdade de expressão, por temer serem responsabilizadas.
Para Margarete, a responsabilização é justa. “Se elas analisam previamente o conteúdo do que é publicado em suas plataformas, é de se esperar que respondam pela omissão na aplicação de suas diretrizes”, diz. “O árbitro não pode mudar as regras durante o jogo e sobretudo não pode beneficiar determinados grupos.”
A proposta de reforma ainda obriga as empresas a moderar conteúdo em ano de eleição quando houver “fatos sabidamente inverídicos” em relação ao processo ou pleito e a pré-candidatos, candidatos e partidos, quando “obtiver alcance significativo perante o eleitorado” e for provocado “por interessado ou usuário”.
A atuação de agências de checagem é tolhida no texto, que determina que elas devem “retirar, retificar ou fazer adição de informações para fins de correção fidedigna dos fatos se comprovadas falhas”.
Segundo Margarete, a Justiça Eleitoral é que fará a verificação das informações sobre os responsáveis técnicos e fontes de financiamento das agências de checagem, bem como determinará a correção de informações.
Alguns pontos do texto foram elogiados por especialistas. A reforma veda a contratação de serviços para maior disseminação de mensagens, como disparos em massa, e utilização de bancos de dados pessoais obtidos por dever profissional ou empresarial.
O texto deve ser apresentado aos líderes na semana que vem e, depois, irá para discussão com as bancadas. “Nossa expectativa é que possamos aprovar em plenário neste ano”, diz a relatora. Para vigorar em 2022, a lei precisa ser aprovada até outubro. (Patrícia Campos Mello/ Folha de São Paulo)