Depois de idas e vindas sobre a data das provas, e bem no meio de um novo pico de casos de covid-19 no Brasil, está chegando o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2020, marcado para 17 e 24 de janeiro.
A prova digital será alguns dias depois, em 31 de janeiro e 7 de fevereiro.
Vale lembrar que a data original do exame era novembro de 2020. Após resistências iniciais do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, em adiar o exame, ele acabou sendo transferido para este mês de janeiro — a despeito de uma enquete com os estudantes inscritos ter pedido o adiamento até maio de 2021.
Leia mais:Será um Enem como nenhum outro, tanto pela necessidade de medidas de proteção contra o coronavírus – tratando-se de um evento que envolve 5,7 milhões de inscritos pelo país, além da equipe organizadora – quanto pela aplicação, pela primeira vez, de uma prova digital (no computador) para parte dos alunos, em paralelo ao exame tradicional em papel.
Será, também, um Enem particularmente difícil para os alunos, que passaram a maior parte do ano letivo longe da escola, estudando (os que conseguiram) remotamente.
Em junho, uma pesquisa do Conselho Nacional da Juventude com 33,6 mil jovens apontou que apenas metade deles pretendia prestar a prova. Desse grupo, 67% diziam não estar conseguindo estudar para o exame desde a suspensão das aulas presenciais. E 49% haviam pensado em desistir da prova.
Todos os obstáculos fazem com que o Enem 2020 seja visto, por muitos observadores da área, como a edição mais desafiadora dos pouco mais de 20 anos de existência do exame.
“Neste ano, uma grande dificuldade é que os subgrupos de alunos dentro da escola pública ficaram mais divididos – entre os que continuaram motivados, os que conseguiram se manter e os que simplesmente desapareceram”, diz à BBC News Brasil Vinícius de Andrade, criador do Salvaguarda, projeto social que ajuda jovens da rede pública em seu acesso à universidade pública.
“Muitos (alunos) me disseram que mais de uma vez tentaram pegar o foco, mas o perderam rapidamente e isso os fez sentir mais incapazes e distantes. Então, sim, este é o Enem mais desafiador. Aumentou significativamente o abismo entre os alunos da rede pública e as universidades públicas”, agrega Andrade.
Do ponto de vista logístico, as dificuldades também foram maiores. “Cada Enem é um desafio pelo número de participantes e colaboradores envolvidos, bem como a logística necessária para execução do exame. Mas, em 2020, o desafio foi ainda maior porque tivemos que capacitar todos os colaboradores de modo virtual, mais de 200 mil pessoas”, explicou em nota à BBC News Brasil Camilo Mussi, diretor de tecnologia e disseminação de informações educacionais e presidente substituto do Inep, órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável pelo Enem.
A seguir, veja cinco pontos importantes que você precisa saber sobre o exame e as discussões políticas e de segurança em torno dele:
1. Pressão pelo adiamento
A atual data do Enem tem sido questionada por uma parcela dos analistas de educação, grupos políticos e estudantes.
São dois argumentos: primeiro, é para dar mais tempo aos jovens se prepararem, sobretudo os mais vulneráveis, diante da preocupação de que se aprofunde a desigualdade de acesso ao ensino superior; segundo, de que o momento de alta nos casos de covid-19 tornaria o Enem perigoso. Isso porque os alunos passarão muitas horas dentro de uma mesma sala com outras pessoas, e muitos precisarão pegar transporte público para chegar lá.
“Entendemos que não é razoável expor milhões de estudantes ao risco de aglomeração e contaminação quando o adiamento das provas — não falamos em cancelamento — terá impactos financeiros e logísticos administráveis e plenamente justificáveis face ao valor incalculável de tantas vidas”, afirmou, em nota, o secretário de Educação da Bahia, Jerônimo Rodrigues, que mandou ofício ao Ministério da Educação (MEC) pedindo que as provas fossem transferidas para maio.
A Secretaria informa que o pedido foi rejeitado.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) também está em campanha pelo adiamento, com a hashtag #adiaenem no Twitter. “Na prática, o que (o presidente) Jair Bolsonaro está fazendo é tirar milhares de jovens, sobretudo os oriundos de escola pública, das universidades. Primeiro o governo não deu assistência para os estudantes terem aulas remotas, agora o MEC quer realizar o Enem sem nenhuma segurança”, diz a entidade.
O presidente do Inep, Alexandre Lopes, afirmou em vídeo que “está tudo garantido, tudo tranquilo para a aplicação da prova” em 17 e 24 de janeiro.
“Nos preparamos para fazer essa prova num ambiente de pandemia. Eu sei que é difícil, mas, (como) fruto desse planejamento, estamos seguros de que podemos aplicar a prova com tranquilidade.”
2. Medidas de prevenção da covid-19
O uso de máscaras durante a prova será obrigatório tanto na sala do exame quanto nas dependências dos locais de aplicação, cumprindo a lei que vigora no país desde junho (exceto para pessoas com deficiências que dificultem esse uso). Quem não tiver máscaras, portanto, não poderá fazer o exame.
Leve mais de uma máscara, para poder trocá-la a cada duas ou três horas. A máscara pode ser tirada para tomar água ou comer um lanche.
A recomendação é de que, ao chegar no local da prova, os participantes não fiquem conversando na entrada da escola – vão direto para sua sala, para evitar locais que favoreçam o contágio.
O Inep diz que haverá mais salas para a realização das provas, para garantir mais distanciamento social entre os participantes, e que “há a indicação de se possibilitar o máximo de ventilação natural e aeração dos ambientes”.
“Investimos mais de R$ 69 milhões em medidas de segurança relativas ao covid-19, para garantir o maior espaçamento entre os alunos. Vai ter menos participante em cada sala. A identificação do aluno agora vai ser feita do lado de fora. Também investimos mais na higienização, principalmente das áreas comuns, como banheiros e corredores”, agregou Lopes, presidente do Inep.
Quem é de grupos de risco (conforme informado ao Inep na inscrição da prova) ficará em salas com um número de participantes ainda menor que as demais.
“Também vamos disponibilizar álcool em gel para todos os participantes e aplicadores. Tudo isso para garantir uma aplicação com tranquilidade, com segurança”, prosseguiu Lopes.
“Profissionais que irão trabalhar nos dias de prova, entre aplicadores, fiscais e demais colaboradores, também estão sendo capacitados por meio de cursos a distância, para se adequarem às medidas de segurança sanitária”, afirmou Camilo Mussi, também do Inep.
3. E se eu estiver com covid-19?
Quem tiver sintomas de covid-19 (ou de outras doenças infecciosas como sarampo, rubéola, varíola e gripe) até um dia antes das provas pode avisar o Inep pela Página do Participante e pedir a reaplicação do exame, marcada para 23 e 24 de fevereiro.
Para fazer o pedido, o participante precisará apresentar um laudo médico, que deve ser digitalizado e enviado pelo site.
E se a confirmação da doença chegar só no dia da prova? Daí, o participante tem de ligar para o telefone 0800616161 para receber orientações de como encaminhar seu laudo médico e pedir a remarcação da prova.
4. Enem Digital
Pela primeira vez, e em caráter piloto, o Enem terá uma prova que será realizada em computador, em vez de papel. Ela será aplicada nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro para cerca de 96 mil participantes já inscritos nesse formato.
O objetivo, segundo o Inep, é ter perto de uma prova 100% digital até o ano de 2026, o que diminuiria as dificuldades logísticas de distribuir as provas em papel por todo o território brasileiro.
Além disso, a prova digital permitiria perguntas mais abertas e interativas, que possibilitem outras formas de avaliar o aprendizado.
O Enem Digital não será realizado em computadores pessoais, mas sim em computadores específicos, dentro de laboratórios de informática de instituições parceiras do Inep, como universidades. Os locais das provas serão divulgados pela instituição.
Fora isso, as provas terão conteúdo semelhante às de papel.
“A diferença existente entre as provas papel e digital é apenas o formato da aplicação e a ausência da marcação das respostas em uma folha. No formato digital essas respostas são armazenadas automaticamente conforme o participante responde a prova”, explicou Eduardo Souza, coordenador-geral de exames e certificação do Inep.
“Em relação ao conteúdo, não há diferenças, uma vez que todas as provas do Enem são baseadas na mesma matriz de competência e foram montadas pela mesma equipe de professores e servidores do Inep que realizam a montagem das provas em papel.”
5. Preparativos
Diante dos desafios adicionais desta edição, especialistas de cursinhos pré-vestibulares tentam ajudar os alunos a lidar também com as pressões psicológicas – que podem parecer maiores.
O Cursinho da Poli, que atende alunos de baixa renda em São Paulo, reforçou o atendimento psicológico dos estudantes e elaborou estratégias extras para ajudá-los.
“Estamos sugerindo aos alunos que já estudem de máscara em casa, para irem se acostumando a terem que usá-la na hora da prova e isso não virar uma distração”, explica Eduardo Izidoro Costa, professor de matemática do Cursinho. “Sempre lembramos que o Enem é também uma prova de resistência física, são cinco horas fazendo a prova.”
Outra dica importante de Izidoro Costa: agora é o momento de o aluno ser ainda mais cauteloso com o distanciamento social e a prevenção ao coronavírus, para evitar adoecer bem na época das provas.
O professor lembra também que o Enem não necessariamente premia os alunos que têm o maior número de acertos: o exame é corrigido com base na TRI, ou Teoria de Resposta ao Item, que tenta medir os conhecimentos gerais dos alunos e impedir chutes nas questões. A recomendação, então, vale para qualquer ano, independentemente da pandemia: ir vencendo o Enem pelas beiradas, ou, na prática, buscar primeiro as questões de menor complexidade (geralmente, as de enunciado mais curto) e depois partir para as mais difíceis.
Para Vinicius Andrade, do projeto Salvaguarda, é importante não perder tempo tentando adivinhar o tema da tão temida redação do Enem. “Foque no que é esperado de você e que independe do tema, ou seja, nas competências cobradas na redação: dominar a escrita formal da língua e a gramática, ter uma tese (a ser defendida no texto), ter coesão ao escrever.” (Fonte: BBC/Paula Adamo Idoeta)